Coisas estranhas marcam Morbius (2022), o esquecível filme do supervampiro da Marvel estrelado por Jared Leto que entra em cartaz nesta quinta-feira (31) nos cinemas.
Esquecível, no caso, é praticamente um elogio. Porque o filme dirigido por Daniel Espinosa — o mesmo da ficção científica Vida (2017) — até que se esforça para passar vergonha. Pouco a pouco, suga a boa vontade que o espectador poderia ter.
Na verdade, não havia expectativas em relação a Morbius, logo não há altura para se medir o tamanho do tombo. Aliás, quase ninguém esperava por um filme com o personagem criado em 1971 para uma história em quadrinhos do Homem-Aranha escrita por Roy Thomas e desenhada por Gil Kane. Mas ainda assim sua estreia, inicialmente prevista para 10 de julho de 2020, sofreu sete adiamentos. Não há de ter sido apenas para contornar a pandemia de covid-19 e pegar carona no enorme sucesso de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021). Operações de salvamento devem ter sido realizadas na pós-produção.
Nos gibis, Morbius nasceu como vilão, mas depois se transformou em uma espécie de anti-herói. Essa condição o equipara a Venom, outro integrante da galeria de inimigos do Aracnídeo que ganhou direito a aventuras solo no cinema (Tom Hardy já protagonizou duas, que somaram mais de US$ 1,3 bilhão nas bilheterias), dentro do Aranhaverso desenvolvido pela Sony em paralelo ao Universo Cinematográfico Marvel.
O filme Morbius, portanto, alinha-se à estranha onda em que um personagem malvado ganha protagonismo, em que um vilão pode ser encarado como anti-herói, em que o revisionismo histórico é aplicado à ficção. Enquadram-se na categoria, entre outros títulos, Malévola (2014), que ganhou uma continuação em 2019, mesmo ano de lançamento de Coringa, e Cruella (2021), além da minissérie Loki (2021).
Na trama, completamente óbvia desde o princípio, Michael Morbius é um bioquímico acometido por uma rara e debilitante doença sanguínea. À procura da cura, ele pesquisa morcegos de uma caverna da Costa Rica. Seus estudos o credenciaram para receber o prêmio Nobel, mas Morbius recusa a distinção, por entender que não pode ser laureado enquanto não salvar a si mesmo e a outros doentes.
— É preciso ir além dos limites, assumir riscos. Sem isso, não há ciência — ele diz para a doutora Martine Bancroft (Adria Arjona, de Esquadrão 6), que trabalha com Morbius no laboratório financiado por Milo, personagem vivido por Matt Smith (o jovem príncipe Philip na série The Crown e o agente musical Jack do filme Noite Passada em Soho), que, evidentemente, vai se revelar mau.
Morbius segue a cartilha do primeiro Venom, de 2018. Temos um protagonista que, ao ser infectado por algo grotesco, terá de aprender a lidar com seus impulsos. Do outro lado, o antagonista encara essas habilidades não como maldição, mas como evolução. Será um duelo entre o herói relutante e o vilão canastrão.
Uma outra coisa estranha — mas pelo lado positivo — em Morbius é a atuação de Jared Leto. Vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante por Clube de Compras Dallas (2013), ele evita o tom caricatural de alguns de seus últimos desempenhos, tipo o Paolo Gucci de Casa Gucci (2021), e os personagens vilanescos, como o Coringa de Esquadrão Suicida (2016), o Niander Wallace de Blade Runner 2049 (2017) e o Albert Sparma de Os Pequenos Vestígios (2021). Em comum aos papéis anteriores, só a transformação física. Mas desta vez não há próteses nem maquiagem ou perucas: por insistência de Leto, o protagonista vira vampiro graças a recursos de computação gráfica.
A metamorfose é bacana? Sim. O visual é aterrador? Sim. Mas os efeitos visuais não trazem grandes novidades. Parecem um resumo de tudo o que já foi feito — desde o bullet time de Matrix (1999) e a movimentação esfumaçada de Noturno em X-Men 2 (2003). As cenas de ação são corridas e confusas, a despeito de o montador ser o italiano Pietro Scalia, ganhador do Oscar por JFK: A Pergunta que Não Quer Calar (1991) e Falcão Negro em Perigo (2001) e indicado por Gênio Indomável (1997) e Gladiador (2000). O diretor de fotografia inglês Oliver Wood, de A Identidade Bourne (2002), A Supremacia Bourne (2004) e O Ultimato Bourne (2007), até que tenta emprestar algum charme ao filme, sobretudo quando o aproxima do gênero do horror — tendo a colaboração da trilha sonora composta pelo sueco Jon Ekstrand e de detalhes como a citação ao cineasta alemão F.W. Murnau, autor do clássico Nosferatu (2022), no nome de um navio.
Talvez Morbius fosse um filme mais impactante se tivesse sido lançado uns 20 anos atrás, quando a associação de vampirismo e super-heroísmo estava em alta, graças a títulos como Blade: O Caçador de Vampiros (1998) e Underworld: Anjos da Noite (2003). E quando o grau de exigência em relação às adaptações de quadrinhos era menor — aqueles eram os tempos de Mulher-Gato (2004) e Elektra (2005), por exemplo, e Christopher Nolan não havia iniciado sua trilogia do Batman, nem Robert Downey Jr. havia colocado pela primeira vez a armadura do Homem de Ferro.
Hoje, Morbius é um filme sem sangue (no sentido figurado, é lógico), só um produto descartável. Pelo menos pode ser consumido rapidamente: dura apenas uma hora e 44 minutos, tornando-se um corpo estranho na comparação com os mais recentes filmes de super-herói — Batman (2022) tem duas horas e 56 minutos; Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021), duas horas e 28 minutos; Eternos (2021), duas horas e 37 minutos; Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (2021), duas horas e 12 minutos.
A propósito de tempo gasto no cinema, prepare-se para duas cenas pós-créditos. Compreensivelmente, elas forçam a conexão do Aranhaverso da Sony com o Universo Cinematográfico Marvel. Estranhamente, em nome dessa conexão acabam descaracterizando bastante o Morbius que acabamos de conhecer.