Em uma entrevista recente, o diretor de Venom: Tempo de Carnificina, Andy Serkis, declarou que o novo filme do simbionte alienígena quase teve como subtítulo o nome da música Love Will Tear Us Apart ("O amor vai nos separar", em português), da banda britânica Joy Division. Pode parecer estranho que um longa focado em um vilão do Homem-Aranha que é obcecado por comer cabeças humanas se chame assim, mas a letra da canção combina perfeitamente com o que é visto na projeção.
Por mais maluco que isso pareça, a continuação de Venom (2018), que foi um enorme sucesso, apesar de muitas críticas negativas, é uma grande história de amor. Na primeira aventura do simbionte alienígena, ele encontra em Eddie Brock (Tom Hardy) o seu hospedeiro ideal, transformando o personagem em um anti-herói que, no final das contas, acaba salvando o mundo.
Agora, três anos depois, a produção dirigida por Serkis tem uma nova ameaça para o autodeclarado Protetor Letal, o malvadão Carnificina (vivido pelo sempre ótimo Woody Harrelson), mas ela acaba em segundo plano. É a relação entre Venom e Brock, que dividem o mesmo corpo, que realmente se destaca.
O amor
Após a aceitação, ainda no primeiro filme, de que são especiais e fazem a diferença vivendo juntos, Venom e Brock, em Tempo de Carnificina, enfrentam as dificuldades da rotina e do desgaste do relacionamento — literalmente — parasitário. E é nestes momentos que a produção encontra o seu grande trunfo, uma vez que Tom Hardy — que também é produtor e responsável pela história da nova aventura — está totalmente entregue ao papel e não tem qualquer pudor de protagonizar momentos, no mínimo, bizarros, atuando ao lado de galinhas ou dizendo frases que beiram a vergonha alheia.
Além do complicado relacionamento entre Venom e Brock, que rende diálogos e situações engraçados, como a "emancipação" do simbionte, que cai na gandaia e dá um desengonçado mas bem-intencionado discurso de aceitação em uma balada repleta de jovens, a sequência ainda conta com outra história de amor. Enquanto o protagonista e seu parasita querem distância para respirar, Cletus Kasady, o Carnificina, está em uma busca destrutiva por sua paixão de infância Frances Barrison, a Shriek, vivida pela subaproveitada Naomie Harris.
Neste processo, mesmo que de maneira rasa e corrida, o amor acaba sendo o guia para o que é certo, incluindo aí tomar decisões difíceis. É clichê, mas Venom: Tempo de Carnificina não se preocupa em ser nada mais do que simples. A aventura prioriza o entretenimento rápido e sem preocupações com nada além daquela história que está sendo contada — até chegar a cena pós-créditos, é claro. E esta "falta de compromisso" poderá ser prazerosa para quem tiver disposição de comprar a história, que é boba, mas foge da fórmula do Universo Cinematográfico Marvel (MCU na sigla em inglês), apesar da proximidade cada vez maior.
Pegajoso
Com a sua curta duração — apenas 90 minutos, contando os créditos —, Venom: Tempo de Carnificina não tem tempo a perder. Assim, o longa apresenta os seus atos bem divididos, com o diretor Andy Serkis jogando no seguro. Vale lembrar que ele assumiu a franquia após a saída de Ruben Fleischer, que priorizou fazer a continuação de Zumbilândia, lançada em 2019.
Apesar de ser um ator consagrado, principalmente na questão de captura de movimentos — além de Gollum de O Senhor dos Anéis, entre outros, ele viveu dois macacos famosos, o gorilão de King Kong (2005) e o Caesar na trilogia Planeta dos Macacos —, Serkis é um cineasta com ainda poucos títulos dirigidos, sendo o seu grande destaque Mogli: Entre Dois Mundos, lançado pela Netflix em 2018. Assim, ele demonstra falta de domínio em diversos momentos, como quando tenta dar a grandiosidade que a continuação almeja, mas falha.
A luta entre Carnificina e Venom é mal dirigida, com cortes rápidos, iluminação ruim e uma condução da câmera que deixa o clímax confuso e pouco empolgante. O diretor perde mais tempo inserindo símbolos que nada acrescentam à trama do que priorizando o que o filme, que é simples, pede: luta entre criaturas espaciais. E os efeitos especiais também não colaboram, tendo pouco desenvolvimento do que foi visto no primeiro longa — o confronto entre os simbiontes parece a cena de uma criança brincando com slime. É confuso, extremamente artificial e representa pouco perigo.
Porém, ao não se levar a sério, o filme é a sua própria defesa. É uma obra cheia de defeitos, mas que, estranhamente, a tornam única no subgênero de super-heróis. Se isso é um ponto positivo? Os fãs do primeiro longa provavelmente dirão que sim. Já quem não gostou da aventura original não deve passar a gostar do personagem no cinema depois desta produção.
Ao final da projeção, para quem torce o nariz para a franquia conduzida pela Sony, a grande mensagem que fica é: o simbionte, tal qual é visto nos filmes, consegue se espalhar e, apesar de não ter um aspecto agradável, é pegajoso e não vai embora facilmente. Então, mesmo a contragosto, fãs do Homem-Aranha do MCU, é melhor irem se preparando, porque o Venom, aparentemente, quer se "grudar" no herói.