Tempos atrás eu falei sobre filmes dos quais não podemos falar muito. Pois bem: esse é o caso de O Predestinado (Predestination, 2014), baita ficção científica estrelada por Ethan Hawke e disponível para aluguel ou compra nas plataformas Apple TV, Google Play e YouTube.
O que dá para falar sobre este filme é:
Que foi escrito e dirigido pelos gêmeos Michael Spierig e Peter Spierig — australianos de 45 anos nascidos na Alemanha que depois fariam o terror A Maldição da Casa Winchester (2018) — tendo por base o conto All You Zombies, publicado em 1959 pelo escritor estadunidense Robert A. Heinlein (1907-1988), o mesmo autor de Tropas Estelares, levado ao cinema em 1997 por Paul Verhoeven.
Que começa com uma promissora narração em off, dessas que remetem ao cinema noir e que, de cara, estabelecem um dilema moral: "E se eu pudesse colocá-lo na sua frente? O homem que arruinou sua vida. Se eu pudesse garantir que você escaparia impune, você o mataria?".
Que Ethan Hawke, ator texano indicado quatro vezes ao Oscar — duas como coadjuvante, por Dia de Treinamento (2001) e Boyhood (2014), e duas na categoria de roteiro adaptado, por Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013) —, e que fora dirigido pelos Spierig em 2019: O Ano da Extinção (2009), faz uma espécie de antecessor dos personagens da série Loki, da Marvel. A área profissional e os desafios são bem semelhantes: o protagonista de O Predestinado trabalha em uma agência do tempo. Se a missão do Deus da Trapaça é viajar a épocas passadas para caçar um assassino, a do sujeito encarnado por Hawke é impedir que um terrorista detone uma bomba em 1975, matando 10 mil pessoas em Nova York.
Que, apesar dessa premissa, o filme não centra foco em cenas de ação ou efeitos visuais: o grande lance é o quebra-cabeças a ser montado.
Que, para cumprir a tarefa, o protagonista empreenderá uma viagem temporal rumo a alguns anos antes da tragédia. É 1970, e Hawke está disfarçado como o atendente de um bar onde surge uma figura andrógina que se apresenta como John e é interpretada por Sarah Snook (vista em A Maldição da Casa Winchester e também no filme Pieces of a Woman e na série Succession). Os dois vão travar um longo diálogo, no qual John conta que nasceu Jane, até que...
E mais não dá para falar sobre O Predestinado. Primeiro porque as coisas começam a ficar tão bem embaralhadas, que só com a cartada final se consegue ver o jogo proposto. Mas principalmente porque falar mais significaria o risco de estragar a experiência de quem ainda não viu este que é um dos mais intrigantes filmes sobre as viagens no tempo, seus paradoxos e suas consequências, as interligações entre passado, presente e futuro, os desvios possíveis e a inevitabilidade de alguns destinos. E não só isso: a condição sexual da personagem de Sarah Snook suscita uma surpreendente intersecção entre o policial noir, a ficção científica e o drama psicológico.
Enfim: assista a O Predestinado. E depois dê um jeito de ver de novo. Você vai precisar. Você vai querer.