A recente estreia no streaming de Cherry: Inocência Perdida, de Anthony e Joe Russo, me fez lembrar de uma tradição cinematográfica que vem, literalmente, do berço: a dos irmãos diretores.
Claro que é mais fácil encontrar irmãos que contracenem, como os Marx, as Fanning e os Hemsworth. Mas convém recordar que o cinema nasceu com dois manos, os franceses Auguste e Louis Lumière – em 1895, eles registraram a chegada de um trem à estação.
Irmãos cineastas nem sempre trabalham em dupla, vide os exemplos dos brasileiros Bruno, 66 anos, e Fábio Barreto (1957-2019), e dos ingleses Ridley, 83, e Tony Scott (1944-2012). Só que alguns sobrenomes vêm com dois pronomes a tiracolo.
Na Europa, duas famílias se destacaram no circuito dos festivais. Os italianos Paolo, 89 anos, e Vittorio Taviani (1929-2018) receberam a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1977 com Pai Patrão, sobre um menino obrigado pelo patriarca a abandonar os estudos para cuidar de ovelhas. Depois, também em Cannes, levaram o Prêmio Especial do Júri por A Noite de San Lorenzo (1982). César Deve Morrer (2012) valeu o Urso de Ouro no Festival de Berlim.
Mais recentes, os belgas Jean-Pierre, 69 anos, e Luc Dardenne, são queridinhos de Cannes. Extremamente naturalistas na abordagem de dramas da classe trabalhadora, de imigrantes e de jovens, venceram a Palma de Ouro duas vezes, por Rosetta (1999) e por A Criança (2005), mereceram o Prêmio Especial do Júri por O Garoto da Bicicleta (2011) e dividiram o prêmio de melhor roteiro por O Silêncio de Lorna (2008) e o de melhor direção por O Jovem Ahmed (2019). Também competiram com O Filho (2002), Dois Dias, uma Noite (2014) e A Garota Desconhecida (2016).
Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, os mais célebres são Ethan, 63, e Joel Coen, 66, que costumam trafegar entre a comédia e o suspense – ou misturar os dois gêneros. Como, respectivamente, roteirista e diretor, eles assinaram, entre outros títulos, Barton Fink: Delírios de Hollywood (1991), Palma de Ouro em Cannes, Fargo (1996), Oscar de roteiro original e de atriz (Frances McDormand), e Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), ganhador das estatuetas douradas de melhor filme, diretor, roteiro adaptado e ator coadjuvante (Javier Bardem).
A comédia é um gênero bastante povoado. Em parceria com Jim Abrahams, os irmãos David, 73 anos, e Jerry Zucker, 71, brindaram o público com duas peças de antologia em que parodiam, respectivamente, filmes-catástrofe e filmes de guerra e espionagem: Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu! (1980) e Top Secret! (1984). David depois assinaria sozinho Loucademia de Polícia (1988), tendo o mano e Abrahams entre os roteiristas. Jerry depois faria Ghost: Do Outro Lado da Vida (1990), vencedor dos Oscar de roteiro original (Joel Rubin) e atriz coadjuvante (Whoopi Goldberg), um tremendo sucesso de público que, ironicamente, conta com uma das cenas mais parodiadas do cinema: aquela do vaso de argila esculpido pelos personagens de Patrick Swayze e Demi Moore ao som da canção Unchained Melody.
Bobby, 62, e Peter Farrelly, 64, também se notabilizaram pelas comédias rasgadas, como Debi &Loide: Dois Idiotas em Apuros (1994), Quem Vai Ficar com Mary? (1998), Eu, Eu Mesmo & Irene (2000) e Ligado em Você (2003) – nesta última, retratam gêmeos siameses. Depois de Os Três Patetas (2012) e de Debi & Loide 2 (2014), Peter se separou temporariamente do irmão para fazer Green Book (2018), um dos piores ganhadores do Oscar de melhor filme.
Um pouco mais sofisticados, ou pelo menos mais sensíveis, são Chris, 51 anos, e Paul Weitz, 55. Eles estrearam criando uma franquia de sucesso, American Pie (1999), que revitalizava outra, Porky's, da década de 1980. Em 2001, realizaram a refilmagem de O Céu Pode Esperar, com Chris Rock no papel principal, e em 2002 lançaram Um Grande Garoto (2002), que recebeu uma indicação ao Oscar de roteiro adaptado (é baseado em um romance do escritor inglês Nick Hornby). A partir daí, passaram a trabalhar em separado. Paul dirigiu, por exemplo, 12 episódios da série Mozart in the Jungle (2014-2018), e Chris, A Saga Crepúsculo: Lua Nova (2009).
Um caso sui generis é o das irmãs Lily, 53 anos, e Lana Wachowski, 55. Quando surgiram no cinema, anos antes de se assumirem como mulheres transgêneras, usavam os diminutivos dos nomes de nascença: Andy e Larry, com os quais fizeram fama à frente do thriller Ligadas pelo Desejo (1999), da trilogia Matrix (1999-2003) e de V de Vingança (2006), adaptação do clássico quadrinho de Alan Moore e David Lloyd. Entre suas obras posteriores, estão Speed Racer (2008), Cloud Atlas (2012) e a série Sense8 (2015-2018).
Falando em Alan Moore, os gêmeos Albert e Allen Hughes, 48 anos, adaptaram em Do Inferno (2001) a HQ homônima escrita por ele e desenhada por Eddie Campbell. O currículo dos Hughes inclui Perigo para a Sociedade (1993), bom drama policial lançado quando tinham apenas 21 anos, e o pós-apocalíptico O Livro de Eli (2010), estrelado por Denzel Washington.
Falando em irmãs e em gêmeos, as canadenses Jen e Sylvia Soska, 37 anos, escrevem, produzem, dirigem e atuam nos seus filmes de horror, como Dead Hooker in a Trunk (2009), American Mary (2012) e Rabid (2019).
Dos brothers da nova geração, são bastante promissores Josh, que comemora 37 anos em 3 de abril, e Benny Safdie, 35, de Bom Comportamento (2017), com Robert Pattinson dando mais uma prova de que é um baita ator, e Joias Brutas (2019), com Adam Sandler em seu melhor desempenho desde Embriagado de Amor (2002). Mark, 44, e Jay Duplass, 48, formam, com o perdão do trocadilho, dupla de faz-tudo: já trabalharam como atores, produtores, roteiristas, diretores de fotografia, editores e até músicos. Na direção, seus créditos incluem Baghead (2008), Cyrus (2010) e Jeff e as Armações do Amor (2012).
Mas os manos de ouro são mesmo Anthony, 51 anos, e Joe Russo, 49. A carreira cinematográfica deles começou em 1997, com Pieces, nunca lançado comercialmente nos Estados Unidos, mas só foi engrenar em 2014, quando dirigiram Capitão América: Soldado Invernal. Nesse meio tempo, construíram sua reputação em séries cômicas de TV como Arrested Development e Community. Os quatro filmes que fizeram para a Marvel – os outros são Guerra Civil (2016) e as duas últimas aventuras dos Vingadores, Guerra Infinita (2018) e Ultimato (2019) – arrecadaram um total de US$ 6,7 bilhões, dando-lhes cacife para produzirem Resgate (2020), com Chris Hemsworth (o Thor), lançarem Cherry (2021), com Tom Holland (o Homem-Aranha) e começarem a trabalhar em The Grey Man, que terá no elenco Chris Evans (o Capitão América), Ryan Gosling, a cubana Ana de Armas e o brasileiro Wagner Moura.
Ah, para terminar, irmãos diretores também já foram vistos à frente das câmeras. Censura Máxima (2000) conta a história de Artie e Jim Mitchell (interpretados pelos manos Charlie Sheen e Emilio Estevez, também diretor), que, nos anos 1970, realizaram um dos clássicos do cinema pornô, Atrás da Porta Verde.