Você pode nem saber o nome da música, mas é só ouvir os célebres versos de Unchained Melody ("Oh, my love, my darling/ I've hungered, for your touch"), do Righteous Brothers, que logo associa ao filme Ghost – Do Outro Lado da Vida. Quem sabe, já lembra da cena em que Patrick Swayze e Demi Moore esculpem romanticamente um vaso de cerâmica com argila. Também pudera: tendo completado 30 anos no dia 13 de julho, o longa é o mais reprisado na Sessão da Tarde (25 vezes), da Globo.
Mas afinal, por que Ghost é um clássico a ponto de ser exibido tantas vezes?
Dirigido por Jerry Zucker (até então conhecido por comédias pastelonas como Apertem os Cintos... o Piloto Sumiu! e Corra que a Polícia Vem Aí!), o filme gira em torno de Sam Wheat (Patrick Swayze), um banqueiro que leva uma vida bem-sucedida ao lado da artista plástica Molly Jensen (Demi Moore). Eles são felizes e fazem amor até sujos de argila.
Porém, ele é assassinado após um assalto. Sam vira um fantasminha camarada que continua neste plano para resolver pendências. Para entrar em contato com a amada (a qual não conseguia falar "eu te amo" em vida, apenas um "idem"), ele recorre à médium charlatã Oda Mae Brown (Whoopi Goldberg), que consegue ouvi-lo.
Ghost foi premiado com dois Oscar: melhor atriz coadjuvante para a performance cômica de Whoopi Goldberg, e melhor roteiro original para Bruce Joel Rubin. No entanto, ao longo dos anos, a personagem de Whoopi recebeu críticas por servir ao arquétipo de "Magical Negro" – alguém destinado apenas a servir a um branco em necessidade. De qualquer maneira, a atriz e Swayze desenvolvem uma boa química em cena.
Talvez hoje possa parecer brega, mas a sequência da argila foi consagrada como uma das cenas românticas mais memoráveis da história do cinema, ganhando muitas paródias ao longo dos anos – Corra que a Polícia Vem Aí 2½ (1991), Family Guy, com cachorrinhos e até com a modelo Nicole Bahls e um pato de pelúcia no clipe da música Sou Eu Que Te Amo, da dupla Italo e Renno.
"Não tínhamos nem ideia de que iria se tornar a cena romântica mais famosa da história do cinema. Éramos apenas atores tratando de fazer nosso trabalho da melhor maneira possível", disse Swayze na biografia One Last Dance. A sequência é citada tanto em listas de cenas mais sexys, como esta do NY Daily News, quanto das mais românticas (vide esta do The Guardian).
Espiritismo e conforto
Além da cena clássica e uma atuação divertida e premiada de Whoopi, pode-se levar em conta outros fatores para o sucesso de Ghost nas tardes brasileiras. É um filme com temática sobre vida após a morte, e o Brasil hoje é o maior país espírita do planeta (mais de 3,8 milhões de pessoas se declaram seguidoras da religião, segundo Censo de 2010).
Nas últimas duas décadas, o cinema brasileiro viu crescer o filão de produções com a temática espírita indo de Bezerra de Menezes – O Diário de um Espírito (2008), modesta produção que levou 443 mil pessoas aos cinemas, aos mais ambiciosos Chico Xavier (2010) e Nosso Lar (2010), com 3,4 milhões e 4 milhões de espectadores, respectivamente. Esses e outros filmes provaram haver um mercado para a temática no país. Portanto, há uma atenção natural de uma parte do público para o longa americano.
Além de ser uma história de amor transcendental, Ghost também não deixa de ser uma afirmação de fé, indo para o lado do maniqueísmo – paraíso para os bons, trevas para os maus. Contanto, há outros elementos na trama: um suspense sobre uma conspiração, que envolve um amigo da onça (Tony Goldwyn vive o inescrupuloso Carl Brunner), e, é claro, o público facilmente pode se pegar torcendo para o vilão ser derrotado pela luz.
Um final feliz e confortável também é entregue em Ghost: há um céu para os bons, onde encontramos as pessoas de que mais gostamos, e o amor dura para sempre. Encaixando como uma pantufa em dias frios na sua conclusão, não é de se admirar que Ghost complete 30 anos ainda tão reprisado. É um filme de conforto.