O escritor Jeferson Tenório já escreveu em sua coluna sobre A Tragédia de Macbeth (2021), em cartaz na Apple TV+. Mas eu entendo que filme bom pode e deve ser recomendado o máximo de vezes possível.
Escrita por William Shakespeare entre 1603 e 1607, Macbeth é uma peça tão atemporal no retrato que faz da ambição humana, da corrupção do poder e do peso da culpa, que está sempre ganhando novas adaptações. Após Macbeth (1948), de Orson Welles, Trono Manchado de Sangue (1957), de Akira Kurosawa, que leva a trama do rei escocês para o Japão feudal, Macbeth (1971), de Roman Polanski, Homens de Respeito (1990), de William Reilly, que se passa no submundo do crime de Nova York, e Macbeth: Ambição e Guerra (2015), de Justin Kurzel, chegou a vez da versão do estadunidense Joel Coen.
A Tragédia de Macbeth é a primeira produção, em mais de 35 anos, que ele realiza sem a companhia do irmão, Ethan Coen. Os dois começaram a carreira com Gosto de Sangue (1984) e assinaram juntos, entre outros títulos, Barton Fink: Delírios de Hollywood (1991), premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes, Fargo (1996), vencedor do Oscar de roteiro original e de atriz (Frances McDormand), e Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), ganhador das estatuetas douradas de melhor filme, diretor, roteiro adaptado e ator coadjuvante (Javier Bardem).
Por um lado, em A Tragédia de Macbeth o cineasta mantém a ambientação medieval e preserva o texto original, com a linguagem poética, irônica e plena de metáforas concebida por Shakespeare. Por outro, como um reflexo de nossa época, mais inclusiva, escala um punhado de atores negros para personagens importantes — a começar pelo protagonista, Denzel Washington, e por Corey Hawkins (o Benny do musical Em um Bairro de Nova York), que interpreta Macduff.
Todo o elenco saboreia as palavras e sabe encorpar o silêncio. Aos 67 anos, Washington, que concorreu ao Globo de Ouro e disputa o SAG Awards, do Sindicato dos Atores dos EUA, bateu seu próprio recorde de artista negro mais indicado ao Oscar. Agora ele soma 10: melhor ator por Malcolm X (1992), Hurricane: O Furacão (1999), Dia de Treinamento (2001), O Voo (2012), Um Limite Entre Nós (2016), Roman J. Israel (2017) e A Tragédia de Macbeth (2021); melhor ator coadjuvante por Um grito de Liberdade (1987) e Tempo de Glória (1989); e, como produtor, melhor filme por Um Limite Entre Nós. Ganhou por Tempo de Glória e Dia de Treinamento. Merecem destaque também as atuações de Frances McDormand (a esposa do rei, Lady Macbeth), Kathryn Hunter (no papel das três bruxas que profetizam a ascensão e a queda do então heroico e virtuoso barão de Glamis) e Bertie Carvel (Banquo).
O filme disputa outras duas categorias no Oscar: direção de fotografia, do francês Bruno Delbonnel, em sua sexta indicação (seus créditos incluem O Fabuloso Destino de Amélie Poulain e O Destino de uma Nação), e design de produção, por Stefan Dechant e Nancy Haigh. É mais do justo. A fotografia, em um deslumbrante preto e branco, remete a clássicos como A Paixão de Joana d'Arc (1928), de Carl Theodor Dreyer, e O Sétimo Selo (1957), de Ingmar Bergman, enquanto a cenografia minimalista faz valorizar o trabalho dos atores e lembra o Expressionismo Alemão. E como apontou o crítico Marcelo Hessel, do site Omelete, "Joel Coen esmaga na encenação a pretensa grandeza dos homens. Seu filme, enquadrado em 4x3, está cheio de momentos que apequenam os personagens, seja nos close-ups em grande angular, no tamanho desproporcional dos cenários, ou na solução claustrofóbica de conceber esses cenários como becos sem saída ou vias de mão única". Macbeth tem sempre algo a dizer sobre nós.