O jovem gênio de Cidadão Kane se projetou com uma obra-prima do século 20, mas teve uma carreira de altos e baixos nos anos seguintes. Orson Welles (1915 - 1985), cujo centenário se completa nesta quarta-feira, pôs seu nome no panteão dos grandes a despeito das batalhas travadas contra os executivos da indústria e do comportamento despudorado, ferino em suas observações sobre a arte e a sociedade. Veja, a seguir, uma compilação de seus principais filmes.
Welles fez mais do que 'Cidadão Kane'
7 pensamentos do grande artista
Obsessão Orson Welles, por Antônio Xerxenesky
1) Cidadão Kane (1941)
Welles tinha de 24 para 25 anos quando dirigiu e protagonizou esta espetacular trama de ascensão e queda que mudaria para sempre a história do cinema. A trajetória do personagem fictício Charles Foster Kane é inspirada na do magnata da imprensa William Randolph Hearst, o que garantiu a Welles um inimigo mortal e, ao projeto, um tanto de polêmica. Para além disso, o longa sobrevive graças ao brilhantismo de sua mise en scène e à incorporação de inovações técnicas à época, tanto em sua narrativa (estruturada em flashbacks) quanto na concepção visual (sobretudo o uso da profundidade de campo e angulação dos enquadramentos).
Vídeo: críticos de ZH falam sobre Welles:
2) Soberba (1942)
O cinema não seria mais o mesmo depois de Cidadão Kane - que dirá seu diretor. Welles teve permissão para gastar muito para filmar Soberba, algo que, contudo, não se repetiu na pós-produção: com medo do fracasso, os produtores ordenaram que o diretor reduzisse o filme, que tinha 148 minutos de duração. Ele o fez, deixando-o com 131 minutos. Em vão: ao sair em viagem, viu de longe e sem o seu consentimento uma redução para 88 minutos. Ainda assim, a trama sobre uma mesquinha família burguesa do século 19 é de forte impacto - foi indicada a quatro Oscar, entre eles o de melhor filme.
3) Othello (1952)
Quatro anos após Macbeth (1948), Welles voltava a Shakespeare para esta inventiva adaptação - em 1965, ele ainda faria Falstaff. As filmagens de Othello duraram três anos, e o filme também registrou cortes feitos à revelia do realizador. Foi mal recebido nos EUA, mesmo após a consagração na Europa - incluindo o Festival de Cannes. Importante citar, porque explica parte dos receios dos distribuidores: nos anos 1930, Welles montou no teatro um polêmico Voodoo Macbeth apenas com atores negros. Mais tarde, em 1978, lançaria o documentário Filming Othello, sobre os bastidores turbulentos do filme.
4) Grilhões do Passado (1955)
Thriller instigante sobre um milionário (mais um na carreira do cineasta) que, sofrendo de amnésia, tenta investigar seu próprio passado. O vilão sórdido, porém humanizado, típico dos longas de Welles, encontra aqui, na figura de Gregory Arkadin, uma de suas melhores personificações. O cinismo do personagem volta a ser explorado na forma do filme, como ocorrera com Cidadão Kane, a partir da construção narrativa e, entre outros recursos, do uso de planos de baixo para cima (contra-plongée), que ressaltam a grandeza do homem. A composição de Arkadin teve origem em programas de rádio levados a cabo por Welles e no papel que ele desempenhou no clássico O Terceiro Homem (1949), de Carol Reed.
5) A Marca da Maldade (1958)
Muita gente, incluindo a crítica das mais diversas procedências, afirma que este é o segundo melhor longa de Orson Welles, atrás apenas de Cidadão Kane - o que faz bastante sentido, embora desmereça outros filmaços do nem sempre compreendido cineasta. A Marca da Maldade (foto acima) é um thriller policial, um noir um tantinho tardio, que narra as tensões entre dois oficiais que trabalham na resolução de um crime na fronteira do México com os Estados Unidos - interpretados por Charlton Heston e o próprio Welles, impecável como um tira escroto e maquiavélico que, no entanto, já foi vítima de uma grande injustiça em seu passado, o que é usado pelo ator e diretor como porta de entrada para seu lado mais sensível e menos truculento.
6) O Processo (1962)
Aqui a adaptação é de Kafka, em filme estrelado por Jeanne Moreau e Anthony Perkins (que havia encarnado o Norman Bates de Psicose dois anos antes). Se não tem Welles no elenco, algo tão recorrente em sua filmografia, O Processo conta com a voz do diretor na dublagem de algumas falas dos atores, incluindo o protagonista - o que revela outra das tantas facetas do artista. A imaginativa história de Joseph K. serviu na medida para a criatividade do cineasta, que teve aqui uma rara satisfação ao comandar, sem interferência, o corte final - chegou a dizer, mais de uma vez, que se tratava de sua obra-prima.
7) Verdades e Mentiras (1973)
A história do pintor e falsificador húngaro Elmyr de Hory (1906 - 1976), e de seu biógrafo Clifford Irving, serviu como ponto de partida para Welles construir este anárquico documentário sobre verdades e mentiras, sobretudo na arte. Em uma construção narrativa livre, o cineasta lembra casos como o da falsa biografia do milionário Howard Hughes, vendida a uma editora pelo mesmo Irving (história contada no filme O Vigarista do Ano, de 2006), e episódios que envolvem o próprio Welles, como o do célebre radioteatro de A Guerra dos Mundos (1938), que enganou ouvintes ao narrar uma invasão de marcianos à Terra. O título original, F for Fake, também é muito difundido por aqui.