À primeira vista, Arremessando Alto (Hustle, 2022), filme estrelado por Adam Sandler e lançado pela Netflix na quarta passada (8), parece um baita complemento às finais da NBA que estão sendo disputadas por Boston Celtics e Golden State Warriors — o jogo 4 será nesta sexta-feira (10), e o quinto duelo está marcado para segunda-feira (13).
Sandler, 55 anos, é um notório fã de basquete. Torce pelo New York Knicks e sempre que pode joga na vida real ou traz o esporte para dentro de seus filmes. Em Gente Grande (2010), por exemplo, de Dennis Dugan, o ator integra um quinteto de amigos que venceram um campeonato do Ensino Médio em 1978 e voltam a se reunir após a morte do técnico. Em Joias Brutas (2019), dos irmãos Ben Safdie e Josh Safdie, interpreta um joalheiro judeu viciado em apostas esportivas de todo tipo — como qual time vai começar com a posse de bola em uma partida. O elenco inclui Kevin Garnett, ex-astro do Celtics.
Arremessando Alto é uma comédia dramática escrita por Will Fetters — um dos indicados ao Oscar de roteiro adaptado por Nasce uma Estrela (2018) — e Taylor Materne e dirigida por Jeremiah Zagar, do premiado We the Animals (2018). Traz Sandler no papel de um caçador de talentos da liga norte-americana de basquete. Seu personagem, Stanley Sugerman, viaja o mundo à procura de um craque para o Philadelphia 76ers, time que só conquistou três vezes o título: em 1955, ainda como Syracuse Nationals, em 1967, com o lendário Wilt Chamberlain na equipe, e em 1983, liderados por Julius Erving, o Dr. J, e Moses Malone. Depois, só chegaram à decisão em 2001, já na era Allen Iverson.
Como produtor do filme, Sandler conseguiu recheá-lo de ex-jogadores, treinadores, jornalistas da área e atletas em atividade. O próprio Dr. J aparece no elenco, assim como Kenny Smith, bicampeão pelo Houston Rockets em 1994 e 1995, interpretando Leon Rich, um agente amigo de Stanley, o alemão Dirk Nowitzki, que atuou durante toda a sua carreira no Dallas Mavericks e que faz o papel dele mesmo, e o brasileiro Leandro Barbosa, o Leandrinho, hoje auxiliar técnico no Golden State Warriors. Quem acompanha a NBA poderá reconhecer rostos como os de Juancho Hernangómez (Utah Jazz), Trae Young (Atlanta Hawks), Matisse Thybulle (Philadelphia 76ers), Tobias Harris (também do 76ers), Anthony Edwards (Minnesota Timberwolves) e o gigante sérvio Boban Marjanovic (Mavericks).
A presença desses e outros jogadores garante tremenda autenticidade às cenas de basquete, seja nos dribles, nas enterradas e nas cestas de três pontos, seja nos treinamentos, como aquele em que um pneu funciona como alvo para a prática do passe. O diretor de fotografia Zak Mulligan capricha na movimentação e nos enquadramentos, fazendo uma bela tabelinha com os editores Tom Costain, Keiko Deguchi e Brian M. Robinson, que deixam o filme dinâmico, contribuindo para, na comparação com High Flying Bird (2019), do diretor Steven Soderbergh, oferecer uma abordagem mais pop e palatável dos bastidores da NBA — e, claro, mais contemporânea e digital do que a da série Lakers: Hora de Vencer (2022), que se passa entre o final dos anos 1970 e o início dos 1980.
O enredo, por sua vez, não foge muito do tradicional em filmes esportivos. Cabe a Stanley lapidar uma joia bruta, mesmo que isso signifique comprar briga com o patrão e assumir dívidas financeiras. Pelo menos Adam Sandler volta a ter um bom desempenho — como se viu em Embriagado de Amor (2002) e em Joias Brutas, eis um comediante que sabe se virar em papéis mais dramáticos.
O que é bastante discutível em Arremessando Alto é a escolha do espanhol Juancho Hernangómez, 26 anos e 2m06cm, para interpretar o jogador que Stanley quer recrutar para a NBA, batizado na ficção de Bo Cruz. Não por seu talento esportivo (Juancho integra a seleção da Espanha, campeã mundial em 2019), nem mesmo por seu talento dramático (embora nunca tenha atuado, não compromete).
Mas por que, em uma liga na qual quase 75% dos jogadores são negros (a mais alta porcentagem entre todos os esportes profissionais de Estados Unidos e Canadá), escolheram um atleta branco para ser o pupilo do protagonista? Se a ideia era pegar um estrangeiro, por que não poderia ser negro, como são alguns astros da NBA que vieram de fora — o camaronês Joel Embiid (do próprio 76ers), 28, o grego filho de imigrantes nigerianos Giannis Antetokunmpo (Milwaukee Bucks), 27, o suíço Clint Capela (Atlanta Hawks), 28, ou o francês Rudy Gobert (Utah Jazz), 29?
A impressão — reforçada por olhares e exclamações ao longo do filme, como "Onde estava esse cara?" — é de que Sandler, o diretor e os roteiristas (todos brancos) saíram à procura da chamada grande esperança branca, que remonta a uma luta de boxe travada em 1910 entre Jack Johnson, o primeiro pugilista negro a ostentar o cinturão de campeão, e seu desafiante Jim Jeffries (um filme baseado nessa história, A Grande Esperança Branca, dirigido por Martin Ritt e lançado em 1970, valeu indicações ao Oscar para James Earl Jones, como melhor ator, e Jane Alexander, como melhor atriz). Com um jogador branco, Arremessando Alto também se furta de tratar de um tema intrínseco à liga de basquete, o do racismo, como visto tanto na série Lakers quanto no documentário Briga na NBA (2021). Ah, e curiosamente, o antagonista de Bo Cruz, Kermit, que o provoca em quadra fazendo piadas sacanas sobre a mãe e até a filhinha do espanhol, é encarnado por um atleta negro, Anthony Edwards. Mas vale dizer: pelo menos no duelo das interpretações, é Edwards que dá o toco em Juancho.