Com Batem à Porta (Knock at the Cabin, 2023), em cartaz nos cinemas a partir desta quinta-feira (2), não repeti o erro cometido com o filme anterior do diretor M. Night Shyamalan, Tempo (2021), cujo trailer mostrava demais, tirando boa parte do suspense e do espanto — afinal, estamos falando de um rei dos plot twists, as viradas desconcertantes no rumo da história. Fui à sessão de imprensa não sabendo praticamente nada, à exceção da presença de Dave Bautista no elenco. Mesmo ele estando de costas no cartaz, é muito fácil distinguir o corpanzil do ator de 54 anos egresso da WWE, a liga estadunidense de luta livre, que encarnou o Drax no Universo Cinematográfico Marvel e atuou em Blade Runner 2049 (2017), Duna (2021) e Glass Onion (2022).
Mas o próprio cartaz já dá pistas fortes sobre o que vai acontecer ao longo dos 100 minutos de projeção. E a verdade é que o filme não demora a apresentar o conflito e o dilema que será imposto a uma família que curte as férias em uma casa de madeira no meio de uma floresta da Pensilvânia — Estado dos EUA onde cresceu Shyamalan, nascido na Índia em 6 de agosto de 1970, e onde ele ambienta quase todas as suas tramas. Tanto as que o cineasta escreveu, como O Sexto Sentido (1999), que lhe valeu suas duas únicas indicações ao Oscar (melhor direção e roteiro original), e Sinais (2002), quanto as adaptações, como este Batem à Porta, versão do romance O Chalé no Fim do Mundo (2018), de Paul Tremblay, que se passa em New Hampshire.
Aliás, há uma série de marcas shyamalanescas. Temos uma personagem infantil e temos a câmera como um personagem à parte (varrendo o cenário ou colando no rosto dos atores, para construir a atmosfera de tensão). Temos uma ameaça apocalíptica e temos uma discussão sobre o medo, sobre a fé e sobre o humano. E, claro, temos Shyamalan fazendo uma ponta — desta vez, bem mais discreta do que sua participação em Corpo Fechado (2000), Sinais ou Tempo.
Quando o filme começa, a menininha Wen (Kristen Cui) está caçando gafanhotos — é a primeira alusão à Bíblia, pois o inseto protagonizou uma das pragas enviadas que se abateram sobre o Egito. Wen, saberemos um pouco depois, foi adotada na China por um casal gay, o intenso Eric (Ben Aldridge, das séries Fleabag e Pennyworth) e o pacífico Andrew (Jonathan Groff, o Holden Ford do seriado Mindhunter e o Smith de Matrix Resurrections). Ainda na floresta, surge Leonard, o personagem encarnado por Bautista, que, na comparação com os recursos dramáticos de outros lutadores do WWE transformados em atores de Hollywood, como Dwayne Johnson e John Cena, mostra-se um Marlon Brando. E diante de uma criança, aquele homenzarrão parece ter ainda mais do que 1m93cm e 131 quilos.
A cena traz o melhor de Shyamalan, aqui trabalhando em companhia dos diretores de fotografia Jarin Blaschke (indicado ao Oscar por O Farol) e Lowell A. Meyer e com a montadora Noemi Katharina Preiswerk. A música da islandesa Herdís Stefánsdóttir e os efeitos sonoros também contribuem para a apreensão do espectador enquanto Leonard conta a Wen que papai Andrew e papai Eric terão de tomar uma dificílima decisão.
Esperadamente, isso assusta a guria e a faz correr para dentro da casa. Que logo estará acossada por Leonard e seus três companheiros, todos munidos de porretes, machados e outros artefatos que remetem a armas medievais: Sabrina (Nikki Amuka-Bird), Redmond (Rupert Grint, da franquia Harry Potter e da série Servant, criada por Shyamalan) e Ardiane (Abby Quinn). São, evidentemente, os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.
Por um instante, podemos achar que Batem à Porta é um derivado de Violência Gratuita (1997), clássico dirigido por Michael Haneke que reflete sobre este popular subgênero do suspense e do terror, o da invasão domiciliar. Mas os jovens de Haneke massacram uma família de férias em uma casa à beira de um lago na Áustria simplesmente porque querem. O quarteto de Shyamalan precisa, pois, segundo eles, o mundo está à beira de um cataclismo, e a salvação depende unicamente de Andrew e Eric.
A pergunta com a qual os pais de Wen devem lidar é tão direta quanto dura — e muito pertinente nestes tempos de pandemia, guerras (como a da Ucrânia) e aquecimento global: você sacrificaria um membro da família para salvar a humanidade? (Ou seja: por um lado, há um raro caso de casal gay como mocinhos de uma produção hollywoodiana; mas o futuro do planeta talvez exija a morte de um deles.) Ou o mais importante é manter vivo quem você ama, não importa as consequências? Nas mãos de um diretor dinamarquês ou sul-coreano, esse mote poderia proporcionar um filme denso, com mais filosofia, mais aflição e mais imprevisibilidade. Com Shyamalan, apesar da sua merecida fama de surpreender o público, Batem à Porta revela-se previsível e repetitivo, e a ponta de dúvida levantada jamais convence, dado o caminho que a história segue (evitarei spoilers).
O debate, por sua vez, nunca sai da superfície, além de ser prejudicado por diálogos ruins e atuações desprovidas de emoção genuína. O crítico Nicholas Barber resumiu bem no site da BBC: "Shyamalan e seus corroteiristas, Steve Desmond e Michael Sherman, aludem a algumas questões interessantes, como a homofobia da direita religiosa e o fenômeno do século 21 de pessoas fazendo contato online com outros que compartilham suas crenças bizarras. Mas o roteiro não dá a nenhuma dessas questões mais do que uma menção passageira, nem comenta seriamente sobre as ameaças existenciais que enfrentamos no mundo real".