No embalo das 11 indicações ao Oscar, incluindo as categorias de melhor filme, direção (Dan Kwan e Daniel Scheinert) e atriz (Michelle Yeoh), Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once, 2022) volta aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (2). Em Porto Alegre, estará em cartaz apenas em uma sala — a 8 do Espaço Bourbon Country — e em apenas um horário: às 20h30min. Se você quiser ver em casa, pode assistir no NOW ou alugar em Amazon Prime Video, Apple TV, Claro TV e Google Play.
No dia 12 de março, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo também vai competir pelas estatuetas douradas de ator coadjuvante (Ke Huy Quan), atriz coadjuvante (Jamie Lee Curtis e Stephanie Hsu), roteiro original (assinado por Kwan e Scheinert), edição (Paul Rogers), figurino (Shirley Kurata), música (Son Lux) e canção (This Is a Life, de Ryan Lott, David Byrne e Mitski). Além de liderar a corrida da Academia de Hollywood, esta aventura é o filme mais premiado da temporada. Até esta quarta (1º), somava 261 troféus.
A lista inclui a presença no top 10 do American Film Institute, cinco prêmios no Critics Choice (concedido pelos críticos de rádio, TV e internet dos EUA e do Canadá) e dois Globos de Ouro (da Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood), o de melhor atriz e o de ator coadjuvante, ambos em comédia ou musical — o em melhor filme, perdeu para Os Banshees de Inisherin, justamente o segundo título mais laureado na temporada. A coleção pode aumentar consideravelmente até o Oscar, pois antes Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo disputa o troféu da Associação dos Diretores dos EUA, em 18 de fevereiro; o da Associação dos Produtores dos EUA, em 19 de fevereiro; o Bafta, da Academia Britânica (são 10 indicações), na mesma data; e o SAG Awards, do Sindicato dos Atores dos EUA, em 25 de fevereiro, nas categorias de melhor elenco, atriz, ator coadjuvante e atriz coadjuvante (com Jamie Lee Curtis e Stephanie Hsu repetindo a dobradinha).
Conhecida como Daniels, a dupla Dan Kwan e Daniel Scheinert está em seu segundo longa-metragem. Antes, Kwan, 34 anos, e Scheinert, 35, fizeram Um Cadáver para Sobreviver (Swiss Army Man, 2016, disponível na HBO Max), no qual um homem desesperado (Paul Dano) preso em uma ilha deserta faz amizade com um morto (Daniel Radcliffe), dando início a uma jornada surreal para chegar em casa. O título recebeu o troféu de direção no Festival de Sundance e valeu aos realizadores indicações ao troféu Bingham Ray de revelação, no Gotham Awards, e o de melhor primeiro filme no Independent Spirit Awards, ambas premiações para produções independentes de baixo orçamento.
Distribuído nos EUA pela A24, produtora independente responsável por títulos como o oscarizado Moonlight (2016), de Barry Jenkins, Hereditário (2018) e Midsommar (2019), ambos de Ari Aster, e O Farol (2019), de Robert Eggers, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo é uma espécie de "primo pobre" de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022) — custou US$ 25 milhões, contra os US$ 200 milhões da aventura da Marvel. Os Daniels contam a história de uma imigrante chinesa, Evelyn Wang, interpretada pela malaia Michelle Yeoh, 60 anos. A versatilidade da atriz — que vai do drama Memórias de uma Gueixa (2005) à comédia Podres de Ricos (2018) — e seus dotes para as cenas de ação e as artes marciais demonstrados em 007: O Amanhã Nunca Morre (1997) e O Tigre e o Dragão (2000) são colocados à prova desde o início, quando descobrimos que a protagonista convive, talvez sem estar ciente, com algumas pressões.
Seu marido, Waymond Wang — encarnado com graça pelo vietnamita Ke Huy Quan, que teve um relativo êxito como ator mirim da década de 1980 (apareceu em Indiana Jones e o Templo da Perdição e Os Goonies), mas estava longe dos holofotes já havia um bom tempo —, quer pedir o divórcio. A lavanderia administrada pelo casal é alvo de uma auditoria da receita federal, a cargo da personagem de Jamie Lee Curtis (impagável no papel de Deirdre Beaubeirdre). Ao mesmo passo em que constantemente busca a aprovação do pai, Gong Gong (o veteraníssimo James Hong, 93 anos), Evelyn vê sua filha, a adolescente Joy (Stephanie Hsu), se distanciar.
Para piorar as coisas, Evelyn descobre sua existência em infinitos universos paralelos e precisa acessar as experiências e habilidades de suas contrapartes para combater a ameaça de um ser maligno — Jobu Tupaki, cujo nome ela troca o tempo todo.
Evidentemente, Evelyn não se sente nada preparada para a missão. Mas uma versão alternativa e atlética de seu esposo insiste:
— Cada rejeição, cada decepção a levou a este momento. Você é capaz de qualquer coisa... Porque você é tão ruim em tudo.
Eis o ponto de partida para uma coleção de citações cinematográficas. A trama tem um paralelo evidente com Matrix (1999): a jornada de Evelyn é semelhante à de Neo. Já a pochete que vira arma nas mãos de Waymond é claramente uma alusão ao cinto com ventosa que o ator Ke Huy Quan utilizava, na pela do personagem Data, em Os Goonies (1985).
Algumas referências são explícitas, como as paródias da clássica ficção científica 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001) e do desenho animado da Pixar Ratatouille (2007). Outras são para cinéfilos mais tarimbados, como a piada com um projecionista que lembra uma de Buster Keaton em Bancando o Águia (Sherlock Jr., 1924) ou o exercício de metalinguagem relacionado à animação japonesa Paprika (2006).
Aliás, os Daniels têm o mérito de não se restringirem a Hollywood: a mais bela e surpreendente das homenagens é a Amor à Flor da Pele (2000), filme de Wong Kar-wai sobre o romance não consumado entre dois vizinhos cujos cônjuges estão tendo um caso, na Hong Kong dos anos 1960.
As maluquices de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, como a realidade na qual as pessoas têm salsichas no lugar dos dedos, a conversa filosófica entre duas rochas à beira de um penhasco e o uso de um dildo anal em impressionantes cenas de ação, não esconde o fato de que este é um filme meio meloso — pense em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004) ou Divertida Mente (2015), mas com bem menos ressonância; talvez com mais embalagem do que conteúdo. A mistura de ação, fantasia, ficção científica e humor dá uma roupagem extravagante para uma série de situações que já vimos antes. Fazendo jus ao título, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é, ao mesmo tempo, um novo derivado de Matrix, uma comédia familiar agridoce, uma história de imigrantes que lutam por um lugar ao sol, um drama sobre as complicadas relações entre mãe e filha, uma jornada interior por nossos sonhos e nossas frustrações.