Babilônia (Babylon, 2022), em cartaz desde quinta-feira (19) em cinco salas de Porto Alegre, é um filme sobre excessos e um filme excessivo. Essa combinação mostrou-se repulsiva à maioria dos críticos e também ao público — apesar de trazer os nomes de Margot Robbie e Brad Pitt à frente do elenco, o título sobre a Hollywood das décadas de 1920 e 1930 escrito e dirigido por Damien Chazelle foi um fracasso comercial nos Estados Unidos: nas bilheterias, arrecadou menos de US$ 15 milhões, quantia que não paga nem 20% do orçamento.
Na temporada de premiações, Babilônia faz um pouco mais de sucesso. No Globo de Ouro, ganhou em música original, composta por Justin Hurwitz, e disputou as categorias de melhor comédia ou musical (embora não seja nem uma coisa nem outra), atriz, ator (Diego Calva) e ator coadjuvante; no Critics' Choice, venceu em design de produção, assinado por Florence Martin e Anthony Carlino, e concorreu a outros oito troféus; compete como melhor elenco no SAG Awards, do Sindicato dos Atores dos EUA, e recebeu três indicações ao Bafta, da Academia Britânica: design de produção, figurino (Mary Zophres) e trilha sonora. Deve aparecer na lista do Oscar, que será divulgada pela Academia de Hollywood nesta terça (24), mas não com a onipresença merecida.
Ou, no mínimo, a onipresença desejada por Chazelle.
Alçado à condição de jovem prodígio quando lançou, com 29 anos, Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014), pelo qual conquistou o Oscar de roteiro adaptado, o cineasta estadunidense já havia celebrado Hollywood em La La Land: Cantando Estações (2016). O musical estrelado por Ryan Gosling e Emma Stone igualou o recorde de indicações à estatueta dourada estabelecido por A Malvada (1950) e Titanic (1997). Das 14, venceu seis, incluindo melhor direção — Chazelle é o mais jovem ganhador da categoria (tinha 32 anos e 38 dias na data da premiação).
O espectador de Babilônia pode reconhecer características de La La Land, de Whiplash e também de O Primeiro Homem (2018), sobre o astronauta Neil Armstrong. Novamente, Chazelle conta uma história sobre dois jovens que perseguem o sucesso em Los Angeles — outra vez, temos uma aspirante a atriz, Nellie LaRoy, papel da australiana Margot Robbie, indicada ao Oscar de atriz por Eu, Tonya (2017) e ao de melhor coadjuvante por O Escândalo (2019), e se não um pianista, temos um cara que carrega o piano, o faz-tudo Manny, interpretado pelo mexicano Diego Calva, da série Aceleradas (2020). Novamente, sonhos podem se tornar perigosas obsessões. Novamente, o cineasta busca sincronizar som e imagem, em uma simbiose alucinante orquestrada em parceria com seus colaboradores habituais: o editor Tom Cross e o compositor Hurwitz — autor de um tema absolutamente empolgante e totalmente contagiante, que parte da instrumentação de uma banda de jazz dos anos 1920 mas acrescenta toques de rock e música eletrônica.
O público também deve identificar semelhanças com o clássico Cantando na Chuva (1952) e o oscarizado O Artista (2011), afinal, esses três filmes abordam a complicada transição do cinema mudo para o cinema sonoro em Hollywood. A trama de Babilônia vai de 1926 a 1936, com um epílogo justamente em 1952. Para contextualizar a época, desenvolver os dramas dos personagens e reconstituir o impacto das transformações tecnológicas, Damien Chazelle adotou uma duração que uns encaram como exagerada — são três horas e nove minutos —, mas bem normal na comparação com outros filmes de destaque nas premiações e nas bilheterias: Avatar: O Caminho da Água tem 192 minutos; RRR: Revolta, Rebelião, Revolução, 187; Batman, 176; Pantera Negra: Wakanda para Sempre, 161; Elvis, 159; Tár, 158; Os Fabelmans, 151; Triângulo da Tristeza, 147; Nada de Novo no Front, 143; Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, 139; Top Gun: Maverick, 131.
De qualquer forma, exagero é a palavra adequada tanto para definir Babilônia quanto a Hollywood daqueles tempos. Logo na primeira cena, o filme avisa sobre o que vem pela frente. No meio do deserto californiano, enquanto três homens tentam transportar um elefante em uma carreta, um deles acaba levando um banho de fezes do animal. Não haverá pudor em mostrar a orgia regada a álcool, cocaína e urina realizada na mansão do produtor cinematográfico Don Wallach, dono do fictício estúdio Kinoscope, festa em que o tal elefante é aguardado para ser uma surpresa literalmente de peso. Não haverá pudor nem limite: dezenas, talvez centenas de atores e figurantes participaram dos 10 dias de filmagens da festança. Chazelle demonstra ter absoluto controle sobre o caos, ora apostando em intrincados planos-sequência comandados pelo diretor de fotografia sueco Linus Sandgreen (oscarizado por La La Land), para ilustrar a suntuosidade do ambiente, ora investindo em inúmeros cortes para traduzir a atmosfera febril.
Se as festas eram extravagantes, o trabalho era turbulento e arriscado. Antes de O Cantor de Jazz (1927), como o som ainda não importava, vários filmes podiam ser rodados ao mesmo tempo ocupando diferentes espaços do mesmo set: um faroeste aqui, um épico de capa e espada ali, um drama contemporâneo acolá. Outra vez, Chazelle consegue colocar o espectador dentro de um cenário confuso e nervoso sem jamais perder o foco, o objetivo.
O que não é exagerado em Babilônia é o número de personagens. Os principais são apenas três. Nellie e Manny compartilham a mesma ambição: querem estar em um set de filmagem — "o lugar mais mágico do mundo", como dirá alguém —, ela à frente das câmeras, ele, nos bastidores.
A suburbana Nellie atravessou o país (veio de New Jersey) a bordo de uma autoconfiança — "Ninguém se torna uma estrela. Ou é ou não é" — forjada por anos e anos de penúria e desprezo. De origem mexicana, Manny tem como trunfos um otimismo quase inabalável e sua capacidade de resolver as coisas. Por isso, acaba sendo empregado por Jack Conrad, um astro do cinema mudo inspirado em John Gilbert e Douglas Fairbanks, entre outros, e encarnado por Brad Pitt, vencedor do Oscar de coadjuvante por Era uma Vez em Hollywood (2019). Jack está sempre bebendo e trocando de esposa — todas lindas, mas cada uma com um perfil diferente. Nos momentos de sobriedade, tece reflexões sobre o encantamento exercido pelas salas de cinema: "Filmes são mais importantes do que a vida. Filmes fazem você sentir. Filmes mostram que você não está sozinho!".
Ao redor desses três personagens, gravitam três coadjuvantes importantes. Lady Fay Zhu (vivida pela chinesa Li Jun Li, das séries O Exorcista e Sex/Life) é uma cantora andrógina. Sidney Palmer (o inglês Jovan Adepo, concorrente ao Emmy de ator coadjuvante pela minissérie Watchmen) é um trompetista negro. Elinor St. John (Jean Smart, multipremiada pelo seriado cômico Hacks) é uma jornalista de fofocas. Somadas às histórias de ascensão e queda de Nellie, Manny e Jack, suas trajetórias ajudam a exemplificar a volatilidade de Hollywood e como o talento e o estrelato não protegem do moralismo e do racismo.
Pois é: apesar de se passar quase um século atrás, Babilônia não deixa de refletir sobre a Hollywood de hoje, igualmente pressionada a lidar com uma transformação de teores tecnológicos e mercadológicos — o avanço das plataformas de streaming, impulsionado durante os anos da pandemia de covid-19. E a descida ao inferno conduzida pelo assombroso personagem interpretado por Tobey Maguire parece apontar para o que seria o futuro, portanto, o presente da indústria cinematográfica: os tipos grotescos, a pirotecnia e a depravação daquele submundo de Los Angeles podem ser um espelho da hegemonia dos super-heróis, dos efeitos visuais e do apelo sexual das celebridades atuais.
Mas o desencanto convive com a esperança no filme. Por mais que haja tensão e tragédia, por mais que nos mostre como a glória e a destruição podem andar lado a lado, Damien Chazelle não deixa de declarar seu amor pelo ofício e de homenagear seus antecessores (fica o desafio: tente identificar todas as obras referenciadas no frenético e poético clipe de encerramento). Babilônia nos lembra do poder que o cinema tem de imortalizar os mortais — e algumas cenas hão de se tornar perenes na memória do espectador, vide a vibrante e emocionante sequência da estreia de Nellie LaRoy em um estúdio. É como a jornalista Elinor diz a certa altura para um certo ator: "O seu tempo acabou, mas você deve ser grato. Você passará a eternidade com anjos e fantasmas".