Como alguns de vocês podem saber, prefiro filmes, mas também assisto a séries. Nas férias, as últimas que vi foram a comédia espanhola Machos Alfa (2022) e o suspense ambientado na Áustria A Mulher dos Mortos (2022), ambas em cartaz na Netflix.
A primeira eu maratonei, a segunda eu larguei na metade. É que no terceiro episódio acontecem duas coisas que depuseram contra a protagonista e contra os roteiristas. Vou dar spoiler para justificar. No quinto e no sexto parágrafos.
A Mulher dos Mortos é baseado em um romance escrito pelo austríaco Bernhard Aichner e tem direção do alemão Nicolai Rohde. Na série, Brünhilde Blum administra uma funerária localizada perto de uma estação de esqui na neve. Após testemunhar o brutal atropelamento de seu marido e pai de seus dois filhos, o policial Mark, ela resolve investigar por conta própria o caso, descobrindo segredos e mentiras.
A trama é cheia de clichês, o que torna seu andamento bastante previsível. Mas A Mulher dos Mortos vinha sendo um passatempo decente, graças à atuação da atriz Anna Maria Mühe, à ambientação nas paisagens geladas e a um flerte com o sobrenatural: como o personagem de Daniel de Oliveira no filme Morto Não Fala (2018), Blum "conversa" com os defuntos. Os cadáveres são uma espécie de voz da consciência.
Pois bem (aqui estão os spoilers): no terceiro episódio, a sua busca por justiça se transforma em vingança cruel. Blum amarra o padre e taca fogo no sujeito. Achei que um limite foi ultrapassado pela suposta heroína da história.
Os roteiristas também ultrapassaram o limite da exigência por suspensão da descrença: aparentemente, o assassinato do padre da cidade foi encarado como uma morte natural pela comunidade e pela polícia, pois em nenhum momento se fala das condições em que o pároco foi encontrado nem de investigações criminais. Larguei a série, deixei a mulher falando sozinha com seus mortos.
Por ser uma comédia, Machos Alfa permite-se o exagero e a inverossimilhança. Mas isso não significa que a obra criada e dirigida pelos irmãos Alberto Caballero e Laura Caballero esteja descolada da realidade. Pelo contrário. Em 10 episódios, a série tira sarro da masculinidade frágil e da masculinidade tóxica — que não raro se combinam.
A história começa em uma aula de um curso de desconstrução do machismo, apresentada como se fosse uma reunião de AA (Alcoólicos Anônimos).
— Olá, meu nome é Santi e sou machista — diz o primeiro personagem.
— Meu nome é Luís e também sou machista.
— Sou Pedro e, pelo jeito, também sou machista.
— Meu nome é Raúl e... Não sei que porra faço aqui! Não vou repetir esta merda. Vou esperar no bar!
Daí, a trama recua seis meses para explicar como os quatro amigos quarentões foram parar lá.
Santi (Gorka Otxoa) é o pai divorciado de uma adolescente, Álex (Paula Gallego), que vai criar para ele um perfil no Tinder — o objetivo é, em 10 encontros, esquecer a ex-esposa.
Luís (Fele Martínez, do inesquecível Os Amantes do Círculo Polar) trabalha na polícia metropolitana e é casado com a instrutora de autoescola Esther (Raquel Guerrero), com quem tem dois filhos pequenos. O casal já está há vários meses sem fazer sexo, o que gera uma crise a cada noite.
Pedro (Fernando Gil) é um alto executivo de uma emissora de TV. Ou era. Logo no início da série, é demitido por causa de um programa com cunho machista e substituído no cargo por uma mulher. Agora ele terá problemas financeiros para manter a mansão que comprou para viver com a namorada, Daniela (María Hervás) — que resolver virar influenciadora digital para ajudar no orçamento doméstico, ou seja: vai abalar a imagem de Pedro como provedor da casa.
E Raúl (Raúl Tejón), sócio em um restaurante, surge mostrando um anel de noivado para a mulher com quem acabara de transar. Só que ela é sua amante! Já a namorada, a advogada Luz (Kira Miró), tem outros planos para o futuro do relacionamento, o que vai expor toda a hipocrisia e toda a insegurança de Raúl.
A partir daí, Machos Alfa vai enfileirar situações cômicas — e também calientes: definitivamente, não dá para ver com as crianças! Um dos trunfos da série é não descuidar das personagens femininas: praticamente todas têm seus momentos solo, e Raquel Guerrero arranca boas risadas. Outro acerto é equilibrar o humor escrachado com a crítica social — não só ao patriarcado e a sua coleção de preconceitos (que incluem a homofobia, a gordofobia e o etarismo, às vezes praticados por quem mais se acha "cabeça aberta"), mas também, por exemplo, à onda dos "criadores de conteúdo".
Por fim, Machos Alfa também evita o conto de fadas. Se alguns personagens vão realmente aprender a lidar com a transformação da sociedade e das relações de gênero, outros vão querer continuar aferrados a seus privilégios, não importa o quanto isso machuque quem está no seu entorno.