O feriado desta quinta-feira (21), Dia de Tiradentes, e a chegada do fim de semana criam uma janela de tempo para ver filmes.
A lista abaixo reúne 10 atrações recentes, em cartaz nos cinemas ou disponíveis em plataformas de streaming (Batman, na HBO Max, é hors-concours — mas vale avisar que perde força longe da tela grande, do som alto e do ambiente imersivo).
O destaque é a 18ª edição do Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o Fantaspoa, que se espalha por cinco salas da Capital até o dia 1º de maio. Clique nos links se quiser saber mais sobre os títulos recomendados.
Os Amantes do Círculo Polar (1998)
Contraditoriamente, a lista começa com um filme que já tem quase 25 anos de vida — mas que foi adicionado agora em abril ao catálogo da plataforma de streaming MUBI. Os Amantes do Círculo Polar é um dos maiores sucessos do cineasta espanhol Julio Medem, o mesmo de Lúcia e o Sexo (2001) e Um Quarto em Roma (2010). Ganhou cinco prêmios no Festival de Gramado: melhor direção, roteiro (assinado pelo próprio Medem), trilha sonora (Alberto Iglesias, indicado ao Oscar 2022 por Mães Paralelas), o troféu da crítica e o troféu do público na competição latina.
Fele Martínez e Najwa Nimri interpretam os dois personagens principais, Otto e Ana — atenção para a condição de palíndromo dos nomes. O filme conta a história deles a partir de um ocasional encontro ao saírem da escola, quando tinham oito anos de idade, até um reencontro muito tempo depois na Lapônia (Finlândia), no meio do Círculo Polar Ártico, sob o sol da meia-noite. Trabalhando sobre o acaso e o destino, a trama é cheia de pequenas reviravoltas e trapaças visuais. (MUBI)
O Apego (2021)
Este suspense é o quinto longa de ficção dirigido pelo argentino Valentín Javier Diment, o mesmo de O Elo Podre (El Eslabón Podrido), eleito o melhor filme ibero-americano do Fantaspoa de 2015. A trama de O Apego se passa na Argentina dos anos 1970. Sob uma elegante fotografia em preto e branco, Carla (Jimena Anganuzzi) bate à porte de uma clínica para fazer um aborto clandestino. Ela sequer sabe quem é o pai, pois a gravidez foi consequência de um estupro coletivo. Como a gestação já está avançada, a médica Irina (Lola Berthet) apresenta uma contraproposta: Carla ficará morando na clínica até nascer a criança, que então será vendida para um casal rico.
A partir daí, Diment, com a fundamental contribuição da trilha composta por Pomeranec, que evoca tanto Hitchcock quanto Almodóvar, explora as personalidades ambíguas e perturbadas das duas personagens, abordando as intersecções entre crime e sexo. Como é típico no Fantaspoa, pela frente haverá um bocado de surpresas sobre as quais não se deve falar. Há até uma reviravolta estilística. (Sessões no dia 23/4, às 18h30min, com presença do diretor, da produtora Vanesa Pagani e do músico Gustavo Pomeranec, e no dia 24/4, às 16h3omin, ambas no Cine Grand Café, dentro do Fantaspoa)
The Beta Test (2021)
O estadunidense Jim Cummings é um faz-tudo: escreve, dirige, produz, edita, atua e, se for preciso, opera a câmera. Até trilha sonora já compôs. Depois de realizar Thunder Road (2018) e O Lobo de Snow Hollow (2020), em The Beta Test divide o roteiro e a direção com PJ McCabe. Cummings é o protagonista, Jordan Hines, um agente que representa atores e atrizes em Los Angeles. Ele está prestes a casar com a doce Caroline (Virginia Newcomb) e a fechar um importante contrato, mas sua vida entra em parafuso ao receber um convite anônimo em papel roxo. Trata-se de um passaporte para uma aventura sexual em um quarto de hotel.
A partir daqui, é melhor não avançar muito na sinopse, que vai equilibrar doses de suspense com uma sátira a Hollywood — um mundo onde, em todos os níveis, fingir, enganar e mentir são verbos correntes. No papel de um macho alfa que exala toxicidade e não esconde sua fragilidade, Jim Cummings consegue ser tanto desprezível quanto engraçado. Contribui para isso o rosto do ator, que tem um quê de Billy Crudup (do filme Quase Famosos e da série The Morning Show) e caninos bastante proeminentes - ele parece um vampiro, pronto a sugar os outros em nome de seus desejos. (Sessão nesta quinta-feira, 21/4, às 14h, na Cinemateca Capitólio, dentro do Fantaspoa — haverá outra exibição no dia 28/4, às 18h, também na Capitólio)
Fantasmas do Passado (2022)
A estadunidense Mariama Diallo baseou-se na própria experiência como mulher negra em uma instituição de ensino majoritariamente branca, a Universidade Yale. O título original de Fantasmas do Passado vem de um cargo que existiu em universidades como Harvard até poucos anos atrás: Master é uma espécie de bedel, responsável por acompanhar os alunos e ter certeza de que tudo está indo bem nos dormitórios. Mas master também é a palavra utilizada para designar os donos de escravos — com o passar do tempo, esse duplo sentido perturbou Diallo.
No filme, ela imagina como seria se o cargo na fictícia Ancaster College fosse ocupado por uma mulher negra: Gail Bishop, personagem de Regina Hall, uma das apresentadoras do Oscar 2022. Cabe a ela receber os novos alunos, incluindo uma garota negra, Jasmine Moore (Zoe Renee), que vai dividir o quarto com uma estudante branca, Amelia (Talia Ryder, de Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre). Essa relação começa de forma amistosa, mas paulatinamente Jasmine se torna alvo de comentários maldosos e piadas racistas. Ao mesmo tempo, a caloura lida com assombrações que se conectam com o episódio histórico das bruxas de Salem, no final do século 17. (Amazon Prime Video)
Flee: Nenhum Lugar para Chamar de Lar (2021)
Definido pelo diretor de Parasita (2019), Bong Joon-ho, como "a peça de cinema mais comovente de 2021", o título fez história no Oscar ao receber uma inédita tripla indicação: melhor longa internacional, melhor documentário e melhor animação. O diretor dinamarquês Jonas Poher Rasmussen reconstitui a trajetória de um amigo seu, um refugiado do Afeganistão que, para ter sua identidade preservada e proteger seus familiares de eventuais represálias, é apresentado sob o pseudônimo de Amin Nawabi e com feições diferentes das reais.
Em Flee, Amin compartilha pela primeira vez os dramas de seu passado. Hoje um acadêmico de 30 e poucos anos, prestes a se casar com seu companheiro, ele relembra sua infância no Afeganistão ("Onde sequer há uma palavra para homossexual") e como o crescimento dos Mujahidin (grupos guerrilheiros precursores do Talibã) impôs um exílio e uma diáspora à sua família. O impacto é acentuado pelo uso pontual de imagens de arquivo colhidas em Cabul, em Moscou e no Mar Báltico, por exemplo. (Estreia nesta quinta-feira, dia 21/4, no Cine Grand Café, no Espaço Bourbon Country e no GNC Moinhos)
Granizo (2022)
Está longe de ser a melhor comédia argentina dos últimos tempos, mas o filme do diretor Marcos Carnevale tem méritos inegáveis. Um deles é a atuação de Guillermo Francella (o parceiro engraçado de Ricardo Darín em O Segredo dos seus Olhos e o patriarca da família sequestradora de O Clã) como o protagonista, o célebre meteorologista Miguel Flores. Quando o filme começa, o personagem está se preparando para a estreia de um programa em horário nobre da TV, El Show del Tiempo. Sua previsão do tempo, a de céu limpo e sem chuva na noite de Buenos Aires, revela-se um tremendo erro: a cidade é atingida por uma grande tempestade de granizo. Aí, Miguel cai em desgraça junto à opinião pública, é afastado do próprio programa e vai se refugiar em Córdoba, onde tenta se reaproximar da filha, Carla, em uma subtrama melodramática.
Um outro mérito é suscitar reflexões. A tempestade (quase) perfeita de Granizo é formada por dois fenômenos sociais contemporâneos: o cancelamento e o negacionismo. E, em ano de eleições no Brasil, permite comparações com o universo das pesquisas eleitorais, como fez o colunista Nílson Souza nesta segunda-feira (18). (Netflix)
Medida Provisória (2020)
A ideia é melhor do que a execução, mas o primeiro longa-metragem de ficção dirigido pelo ator baiano Lázaro Ramos merece presença na lista por ser um dos eventos cinematográficos do ano. Trata-se de uma distopia à moda brasileira. Baseada na peça Namíbia, Não!, a história se passa em um futuro próximo do Brasil e tem como protagonista o ator anglo-brasileiro Alfred Enoch (o bruxo Dino Thomas na franquia Harry Potter). Ele encarna o advogado Antônio, que decide processar o Estado brasileiro, solicitando uma indenização histórica à população negra por conta da escravidão e do racismo.
A chamada reparação social custaria muito caro para os cofres públicos, então o governo federal contra-ataca. Graças a personagens como a burocrata Isabel (papel de Adriana Esteves, especialista em vilãs) e o recém-empossado ministro da Devolução, decreta-se uma medida provisória que obriga os cidadãos negros — ou melhor, cidadãos de "melanina acentuada", o tecnicismo que busca escamotear o racismo — a "voltarem" para a África. A ação violenta da polícia para apressar as expulsões gera medo e caos, mas também protestos e um movimento de resistência, o Afrobunker (por onde circula o rapper Emicida, em participação especial). Entre os resistentes, estão Antônio e seu primo, o jornalista André (vivido por Seu Jorge), confinados em seu apartamento no Rio. Mas em algum momento eles terão de sair para tentar encontrar a esposa do advogado, a médica Capitu (papel de Taís Araújo), supostamente desaparecida.
No teatro, a história era conduzida em clima de comédia absurda. No cinema, esse gênero é mesclado ao drama político e ao thriller de suspense. Por isso, Lázaro Ramos já admitiu que Medida Provisória é um filme da mesma família de Corra! (2017), que valeu ao estadunidense Jordan Peele o Oscar de roteiro original. (Em cartaz nos cinemas)
Neptune Frost (2021)
Concorrente no troféu Caméra d'Or, para estreantes, no Festival de Cannes de 2021, o filme do casal Saul Williams (músico, poeta e ator dos EUA) e Anisia Uzeyman (atriz e cineasta de Ruanda) é uma mescla de musical afrofuturista, romance queer e ficção científica politicamente engajada. Em um vilarejo perto de uma mina de coltan (muito utilizada na fabricação de celulares, notebooks e afins), encontram-se o mineiro Matalusa (Kaya Free) e Neptune, intersexual em fuga — o papel é ora interpretado por Elvis Ngabo, ora por Cheryl Ishejar.
Variando o idioma — do suaíli ao inglês e ao francês, heranças dos colonizadores —, os personagens de Neptune Frost cantam: " Vamos hackear / Os direitos à terra e à propriedade / A história bancária / Vamos questionar o negócio da escravidão e o livre trabalho / Vamos hackear / A ambição e a ganância / O tratamento de uma fé em detrimento de outra". Depois, questionam a visão eurocêntrica de mundo ("Eles pensam como o livro deles manda") e o consumo ocidental baseado na exploração africana: "Usam nosso sangue e suor para se comunicar uns com os outros / Mas nunca escutam nossa voz". (Sessão nesta quinta-feira, às 14h30min, no Cine Grand Café, dentro do Fantaspoa)
A Pior Pessoa do Mundo (2021)
O título norueguês dirigido por Joachim Trier (de Oslo, 31 de Agosto) rendeu à protagonista, Renate Reinsve, o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes e foi indicado aos Oscar de filme internacional e roteiro original. Trata-se de uma encantadora subversão das comédias românticas e um provocador retrato dos millenials. Narrado em um prólogo, 12 capítulos e um epílogo com durações e humores variados, expõe as angústias, as buscas e a inconstância dessa geração, que é encarnada pela personagem de Reinsve, Julie.
Beirando os 30 anos, ela sai da faculdade de medicina para a psicologia, depois se descobre fotógrafa, mas acaba como vendedora em uma livraria. Suas desventuras incluem o romance com um quadrinista quarentão, Aksel (Anders Danielsen Lie) - responsável por reflexões argutas sobre arte e finitude — e o flerte com o jovem Eivind (Herbert Nordrum), que rende uma das sequências mais inebriantes da temporada. O final de A Pior Pessoa do Mundo também é antológico, ao empregar na trilha sonora uma versão em inglês de Águas de Março. (Em cartaz no GNC Moinhos, somente na sessão das 16h25min)
Soul of a Beast (2021)
Se a gente resumir ao mínimo, a trama do filme suíço em que o nome de Lorenz Merz aparece nos créditos de diretor, roteirista, produtor, diretor de fotografia, editor e compositor pode parecer convencional — um triângulo amoroso entre os desajustados jovens Gabriel ( Pablo Caprez), seu melhor amigo, Joel ( Tonatiuh Radzi), e a namorada dele, Corey ( Ella Rumpf, do filme Raw e da série Tokyo Vice). Mas há elementos extras que conjuram uma atmosfera constante de risco e de imprevisibilidade. Para começar, Gabriel tem um filho pequeno, Jamie, que cuida sozinho. O trio envolve- se com drogas alucinógenas, anda de moto em alta velocidade, invade, à noite, o zoológico de Zurique... Corey tem aquela mistura explosiva de urgência e inconsequência: " Sempre tive essa sensação, desde criança. De que não há tempo. De que tenho de fazer tudo agora", ela diz a Gabriel quando o convida para viajar junto à Guatemala, de onde desceriam de carro até a Terra do Fogo.
" Nada dura" — eis outra frase a ressoar em Soul of a Beast, desde já um dos melhores filmes do ano graças também às escolhas estéticas de Merz. Ao filmar na proporção 4: 3, que diminui a área de tela ( é um quadrado, e não o tradicional retângulo), o diretor cria não só um ambiente claustrofóbico, sufocante. Também se permite aproximar mais a câmera dos rostos e dos corpos dos personagens, que preenchem o quadro com uma intensidade arrebatadora, mesmerizante. (Sessão nesta sexta-feira, 22/4, às 14h30min, no Cine Grand Café, dentro do Fantaspoa — haverá outra exibição no dia 29/4, às 16h30min, também no Cine Grand Café)