Pode-se enquadrar Men (2022), que tem sessões de pré-estreia no feriado desta quarta (7) e entra em cartaz nos cinemas na quinta-feira (8), na lista dos filmes vitimados pela tradução e/ou pelo marketing ao serem lançados no Brasil. Em vez de ser vertido diretamente para Homens, o terror sobre patriarcado e masculinidade tóxica escrito e dirigido por Alex Garland ganhou um subtítulo: Faces do Medo. Mesmo que se justifique na trama, é desnecessário e genérico.
Como se Men não fosse suficientemente sedutor e original.
Britânico de 52 anos, Garland é cineasta e escritor. Tem no currículo o romance A Praia, levado ao cinema em 2000 pelo diretor Danny Boyle, o roteiro de Não me Abandone Jamais (2010), filme de Mark Romanek baseado em livro de Kazuo Ishiguro, a série de ficção científica Devs (2020) e os longas-metragens Ex-Machina (2014), indicado ao Oscar de melhor script original e ganhador da estatueta dourada de efeitos visuais, e Aniquilação (2018).
Como nesses dois últimos títulos, Garland escolhe uma mulher como protagonista. É a irlandesa Jessie Buckley, 32, concorrente ao Oscar de atriz coadjuvante por A Filha Perdida (2021), vista também na minissérie Chernobyl (2019) e no filme Estou Pensando em Acabar com Tudo (2020).
Ela interpreta Harper, uma mulher que, logo descobrimos, alugou uma casa de campo para tentar se recuperar de um trauma.
O trauma, também não é segredo, está ligado a James (Paapa Essiedu, o Kwame da minissérie I May Destroy You), o marido de quem ela queria se divorciar. Mas não só a James: Harper é uma das tantas mulheres vítimas de homens que se acham superiores, quando na verdade são frágeis. Homens que querem impor a sua vontade, como se fosse divina, e para tanto não hesitam em usar da violência — seja a física, como um soco na cara, seja a psicológica, como uma chantagem emocional.
No verdejante interior inglês (linda e sinistramente fotografado por Rob Hardy), Harper acha que vai encontrar um pouco de paz. Seu primeiro ato será colher e comer uma maçã, à la Eva (a propósito, tal qual uma frondosa macieira, o filme está carregado de simbolismos). Como se fosse um castigo por esse "pecado", a partir de então a personagem passa a ser fustigada não apenas por suas lembranças (em flashbacks que vão nos contando o que aconteceu entre ela e James), mas também por uma série de homens.
Pode ser apenas um anfitrião inoportuno e metido a engraçadinho, como Geoffrey. Pode ser um padre que joga no colo de Harper toda a culpa pelo traumático fim de seu casamento. Pode ser um sujeito pelado, com o corpo coberto de musgo e sangue, que passa a persegui-la. Pode ser o policial que faz pouco caso de suas denúncias.
Em um lance genial do filme, todos esses tipos são interpretados pelo mesmo ator — Rory Kinnear, dos seriados Penny Dreadful e Nossa Bandeira É a Morte). Todos os homens — eis uma interpretação possível — são iguais: egoístas, controladores, predatórios. E o patriarcado é um monstro que se perpetua desde tempos imemoriais, veremos em uma das sequências mais perturbadoras da temporada.
Mas Harper nunca se dá conta dessa semelhança. Sobre essa situação, o diretor Alex Garland já refletiu: "Todos esses homens são iguais e ela não percebe isso? Ou será que ela vê todos os homens como iguais, mesmo que na verdade sejam diferentes? Essas perguntas são incrivelmente semelhantes em suas palavras, mas têm implicações muito diferentes".
A ambiguidade, aliás, foi um claro objetivo no epílogo de Men — não se preocupem, não haverá spoilers. Quando o filme termina, muitas outras perguntas podem assaltar a nossa cabeça. Ao site da revista Polygon, o cineasta disse querer que o público faça as suas próprias interpretações, sem intervenções suas, com base nas suas experiências de vida e de fruição artística. "É muito provável encontrar algumas pessoas cujas opiniões estejam muito próximas das minhas e outras que estejam em um campo completamente oposto", afirmou Garland, também rejeitando a ideia de que o criador de uma obra de arte seja qualquer tipo de autoridade sobre o que ela significa.