Tudo que eu devia saber na vida aprendi no jardim de infância, diz o título do livro publicado em 1988 por Robert Fulghum (um ministro de uma religião liberal, o unitário-universalismo) que se tornou best-seller nos Estados Unidos e no Brasil. Entre as lições de sabedoria estavam, de forma resumida: "Compartilhe tudo", "Jogue dentro das regras", "Não bata em ninguém", "Coloque as coisas de volta no lugar", "Não pegue as coisas dos outros", "Peça desculpas quando machucar alguém", "Quando sair, cuidado com os carros", "Dê a mão e fique junto" e "O peixinho dourado, o hamster, o camundongo e até a sementinha no copo plástico — tudo morre, e nós também".
Se eu fosse atualizar a obra, acrescentaria pelo menos mais um ensinamento: respeita as mina!
O meu lugar de fala é como pai de duas: a Helena, hoje com 12 anos, e a Aurora, com oito. No Parque da Redenção, em Porto Alegre, elas já experimentaram o gosto amargo do machismo cotidiano. Não sofreram nenhum tipo de assédio ou de violência física, mas já tiveram a experiência da anulação das mulheres, como aquela vivida pelas personagens do filme A Vida Invisível (2019), as irmãs Eurídice e Guida.
As duas situações foram praticamente idênticas, só separadas pelo tempo e por algumas dezenas de metros na Redenção. Uns anos atrás, a Helena estava na fila do escorregador, pronta para subir os degraus, quando veio um guri e simplesmente passou na frente dela. Duvido que ele fosse fazer igual se ali estivesse um menino. Fiquei tão chocado que, na hora, não consegui esboçar reação. O máximo que pude foi abraçar minha filha e falar "isso foi muito feio".
Uns dias atrás, aconteceu com a mana. A Aurora era a primeira na espera dos carros bate-bate, mas um piá mais ou menos da mesma idade tentou, por duas vezes, ignorar a presença dela. Aí eu tomei uma atitude até arriscada (vai que o pai estivesse por perto): coloquei a mão no ombro do garoto e disse "Ela é a primeira, respeita". Acham que adiantou? Assim que o operador do brinquedo liberou a entrada, o pirralho correu para, ainda desmotorizado, ultrapassar minha filha.
Alguém aí pode ver esse tipo de incidente como coisa pequena, ou até acreditar que os episódios treinam a Helena e a Aurora para a vida adulta.
Eu entendo que é de grão em grão que se destrói a autoestima das meninas e se constrói a realidade de abuso, silenciamento e desprezo enfrentada pelas mulheres — daí a importância das narrativas de empoderamento feminino de filmes como Moana (2016) e Capitã Marvel (2019). E torço, sinceramente, para que nossas filhas cresçam em um ambiente menos tóxico, no qual o contrário da invisibilidade não seja a perseguição nem a cobrança desigual e no qual precisem pesquisar, em vez de sentir na pele, o significado de termos em inglês como manterrupting, mansplaining, bropriating e gaslighting.