Por coincidência, na véspera da abertura da 67ª Feira do Livro de Porto Alegre estreia no GNC Moinhos 1 o filme francês Os Tradutores (Les Traducteurs, 2019), um suspense que aborda muitas questões do mundo literário.
O diretor e coautor do roteiro é Régis Roinsard, realizador de A Datilógrafa (2012) — como se percebe, eis um cineasta afeito a personagens que lidam com as palavras. A trama gira em torno do aguardado volume que encerra uma trilogia best-seller assinada por Oscar Brach e intitulada Dédalo. A referência ao arquiteto que, na mitologia grega, construiu o labirinto do Minotauro não é gratuita: Os Tradutores apresenta idas e voltas no tempo e propõe um jogo investigativo.
Interpretado por Lambert Wilson (o Merovingian da franquia Matrix), o editor Eric Angstrom contrata nove tradutores, que são confinados em uma mansão de luxo, sem comunicação externa e sob a vigilância de seguranças armados. O objetivo é verter rapidamente e simultaneamente o livro O Homem que Não Queria Morrer, a fim de garantir lançamento igualmente rápido e simultâneo em nove idiomas, reduzindo os riscos de pirataria e potencializando os lucros.
Há uma alemã (interpretada por Ana Maria Sturm), um britânico (Alex Lawther, da série The End of the F***ing World), um chinês (Frédéric Chau), uma dinamarquesa (Sidse Babett Knudsen, do seriado Borgen), um espanhol (Eduardo Noriega), um grego (Manolis Mavromatakis), um italiano (Riccardo Scamarcio), uma portuguesa (Maria Leite) e uma russa (Olga Kurylenko, de 007: Quantum of Solace). Em tese, cada um tem sua personalidade — a portuguesa é a rebelde, o italiano, um puxa-saco, a russa, uma apaixonada pela protagonista feminina de Dédalo, e o grego exala cinismo e sarcasmo —, mas nem todos os personagens são bem desenvolvidos.
A ficção encenada por Roinsard é inspirada em um caso real. O diretor disse que teve a ideia ao ler reportagens sobre o confinamento de 12 profissionais na Itália para traduzir o romance Inferno (2013), de Dan Brown. E Oscar Brach é um pseudônimo adotado por um autor — ou uma autora — desconhecido, como é a situação da italiana Elena Ferrante, de A Amiga Genial e A Vida Mentirosa dos Adultos.
Logo depois de os tradutores iniciarem seu trabalho, o filme pula dois meses para frente. Angstrom está em uma penitenciária, conversando com um interlocutor ou uma interlocutora de quem não vemos o rosto nem ouvimos a voz. Algum crime aconteceu no bunker dos tradutores. O motivo — não é spoiler, é o estopim da história — está ligado ao vazamento das 10 primeiras páginas de O Homem que Não Queria Morrer, acompanhado por uma chantagem milionária.
A partir daí, Os Tradutores passa a se alternar em mais ou menos três tempos: o da conversa no presídio, o do convívio dos tradutores e o do passado (remoto ou recente) de alguns personagens. O enredo se revela rocambolesco e um tanto inverossímil em suas reviravoltas, mas tem seu charme para quem gosta dos bastidores literários. Régis Roinsard aborda temas como o desprestígio dos tradutores (nunca creditados nas capas) e a mercantilização da literatura, além de trazer tipos como o editor mordaz e o escritor frustrado. Só que, ironicamente, o filme acaba se mostrando melhor no papel do que na tela.