Sem Tempo para Morrer é o título do último filme com Daniel Craig, 53 anos, no papel de James Bond, que entra em cartaz nesta quinta-feira (30) nos cinemas brasileiros.
Sem Tempo para Estrear poderia ser o nome da nova aventura do 007, que sofreu sucessivos adiamentos — inicialmente por causa de problemas nos bastidores, depois, pela pandemia de coronavírus. A data original era 8 de novembro de 2019, mas a saída do diretor Danny Boyle, devido a divergências criativas, atrasou o início das filmagens. Sob o comando de Cary Joji Fukunaga, realizador da primeira temporada da série True Detective (2014) e do filme Beasts of No Nation (2015), a produção foi marcada por uma lesão no tornozelo direito do ator inglês, que precisou passar por cirurgia, e por uma explosão no estúdio Pinewood, em Londres, que acabou paralisando novamente o trabalho. A estreia foi agendada para fevereiro de 2020 e, em seguida, para abril do mesmo ano, mas a covid-19 empurrou o lançamento para novembro de 2020, depois para abril de 2021, e enfim chega às salas.
Sem Tempo para Chorar também poderia ser o título, olhando pela perspectiva dos estúdios MGM e Universal, que gastaram US$ 250 milhões para produzir o filme e já desembolsaram mais uma fortuna (US$ 100 milhões, segundo o site da revista Variety) para promovê-lo. Agora, se empenham para arrecadar pelo menos US$ 90 milhões nesta largada cinematográfica. Seria um feito, tanto para os padrões bondianos — Operação Skyfall (2012) debutou com US$ 109 milhões, e Spectre (2015) alcançou US$ 123 milhões — quanto para a era covid-19: Viúva Negra fez US$ 78 milhões, Velozes e Furiosos 9, US$ 69 milhões, e Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, US$ 58 milhões.
Sem Tempo para Acabar: o 25º filme oficial do agente secreto criado pelo escritor Ian Fleming em 1953 e levado às telas pela primeira vez em 007 Contra o Satânico Dr. No (1962) é o mais longo da franquia — são duas horas e 43 minutos.
Sem Tempo para Respirar: o início é trepidante. No prólogo ambientado nas paisagens geladas da Noruega, uma menina é aterrorizada por um assassino que usa uma máscara de boneca e uma indumentária para neve. Na sequência, estamos na ensolarada Itália. O idílio romântico de Bond com Madeleine Swann (interpretada pela atriz francesa Léa Seydoux), com quem começou a namorar no filme anterior, Spectre, vai literalmente pelos ares quando o agente visita o túmulo de Vesper Lynd, a personagem encarnada pela francesa Eva Green que fora sua paixão em Cassino Royale (2006). As cenas de ação empolgam: temos perseguições automobilísticas e acrobacias motociclísticas, o olhar frio do herói e um vilão com uma espécie de olho de vidro, o arsenal do carro Aston Martin e um bungee jump improvisado.
Sem Tempo para Esquecer: como se percebe desde Cassino Royale, o 007 de Daniel Craig carrega consigo o histórico do personagem, e os filmes se conectam, diferentemente do que aconteceu com as encarnações anteriores (aliás, o vídeo acima rememora todos os atores que já pediram um martini batido, não mexido). "Se você nunca para de olhar para trás, o passado não morre", afirma sua namorada, cujo nome, sobrenome e nacionalidade remetem a um clássico da literatura em que justamente a memória tem protagonismo: Em Busca do Tempo Perdido, do francês Marcel Proust. No primeiro dos sete livros, No Caminho de Swann, os biscoitos madaleine são gatilhos para recordações involuntárias. Há algo na vida prévia de Madeleine que ele desconhece, mas como dizem os versos iniciais da canção de Billie Eilish que embala os créditos de Sem Tempo para Morrer, "eu deveria saber / que eu partiria sozinho". Ser um homem como James Bond é um fardo; tudo o que ele toca se contamina.
Sem Tempo para Descansar: depois da música de abertura, a trama avança cinco anos. Bond está curtindo a aposentadoria na Jamaica (país caribenho onde Fleming criou o superespião e que foi cenário de 007 Contra o Satânico Dr. No e de Viva e Deixe Morrer), mas uma nova ameaça global o forçará a vestir outra vez o smoking, agora em Santiago de Cuba. Essa situação, somada à duração do filme e ao tom sentimental demandado pela despedida de Craig (a frase "Você nunca mais vai me ver" parece dita mais pelo ator do que pelo personagem), suscitou uma comparação de Sem Tempo para Morrer com Vingadores: Ultimato (2019) pelo crítico A.A. Dowd, do The A.V. Club — o salto no tempo é o mesmo!
Sem Tempo para Assediar: a trama escrita pelo diretor Fukunaga com os roteiristas Neal Purvis e Robert Wade — ambos no time 007 desde O Mundo Não É o Bastante (1999) — foi retocada por Phoebe Waller-Bridge, a premiada criadora da série Fleabag (2016-2019). Consta que ela foi contratada a pedido de Daniel Craig para acrescentar humor, mas também aproveitou para adicionar um tratamento mais respeitoso às mulheres por parte de James Bond, historicamente misógino e sexista segundo o próprio ator. De fato, em Sem Tempo para Morrer as personagens femininas estão muito longe das célebres e descartáveis Bond Girls do passado. E o espião bom de briga e bom de cama está bem comportado. Não deixa de flertar, é claro, mas pede, por exemplo, para que a agente Paloma (encarnada pela cubana Ana de Armas, parceira de Craig no elenco de Entre Facas e Segredos) olhe para o outro lado quando vai trocar de roupa.
Sem Tempo para Brilhar: Ana de Armas tem uma participação curta no filme, mas mais marcante do que a de Lashana Lynch (talvez porque as cenas em Cuba sejam as últimas memoráveis: a partir dali, é ladeira abaixo). No papel, a personagem da atriz britânica, Nomi, é um símbolo dos novos tempos: pela primeira vez, uma mulher _ e uma mulher negra, vale frisar — assume o codinome 007. Na prática, Lashana se esforça para exibir dotes atléticos e senso de humor, mas acaba escanteada diante de um exército de coadjuvantes: M (Ralph Fiennes), o chefe do MI6, o serviço secreto, Moneypenny (Naomie Harris), sua secretária particular, Q (Ben Whishaw), o craque da tecnologia, Felix (Jeffrey Wright) e Logan Ash (Billy Magnussen), agentes da CIA, Valdo Obruchev (David Dencik), um cientista russo que é sequestrado em um laboratório de Londres de forma inventiva.
Sem Tempo para Aprofundar: tudo bem que a franquia James Bond não reflita tanto sobre a política internacional e o mundo real da espionagem, como nos filmes de Jason Bourne, e tudo bem que as tramas não sejam tão intrincadas quanto as de Missão: Impossível. Mas Sem Tempo para Morrer não precisava ser tão genérico: um bilionário gênio do mal quer espalhar uma praga mortal pelo planeta (qualquer semelhança com a pandemia é mera coincidência). Também não precisava ser confuso quanto ao funcionamento dessa arma de destruição em massa, ainda mais quando muito do enredo gira em torno dela.
Sem Tempo para Desenvolver: o vilão, sabe-se logo no início do filme, é o único sobrevivente do massacre de uma família. Mas como Lyutsifer Safin (sim, Lyutsifer se pronuncia de forma semelhante a Lúcifer) cresceu e ficou rico a ponto de elaborar um plano tão grandioso nunca saberemos. E o que é pior (ALERTA DE SPOILERS): tampouco é bem explorada a relação entre ele e a menina que aparece na abertura. O que aconteceu ao longo de todos esses anos? (REPITO O ALERTA DE SPOILERS) Faria um certo sentido Madeleine revelar-se mancomunada com Lyutsifer, embora seja difícil acreditar que Bond fosse tão ignorante quanto ao passado dela.
Sem Tempo para Evoluir: vou pegar emprestadas as palavras de Rick Stevenson no site Screen Rant: Lyutsifer "cai na armadilha dos vilões de James Bond com desfigurações faciais. Blofeld, Jaws, Alec Trevelyan, Raoul Silva e muitos outros podem reivindicar a adesão ao mesmo clube — que a franquia deveria ter fechado anos atrás. O tropo da deficiência ou da desfiguração usado para representar o mal nos personagens é cansativo, regressivo e prejudicial em geral. Além das repercussões negativas no mundo real ao retratar as cicatrizes de uma forma negativa, é simplesmente um clichê preguiçoso".
Sem Tempo para Temer: não bastasse o estereótipo, Lyutsifer ainda deu azar de encarnar em um Rami Malek nada inspirado. É o terceiro vencedor do Oscar (foi melhor ator pelo Freddie Mercury de Bohemian Rhapsody) consecutivo a interpretar um vilão de Bond, depois de Javier Bardem como Raoul Silva em Operação Skyfall e Christoph Waltz como Blofeld em Spectre. Tirando a primeira cena, aquela mais à la Halloween do que a 007, Malek não provoca sequer um arrepio. Nem cria qualquer tipo de empatia. Seu papel é também atrapalhado pelo emprego de um efeito em sua voz, o que, em vez de lhe dar contornos sinistros, termina por distanciá-lo ainda mais do espectador. Vamos lembrar muito mais do Cíclope, o cara com o olho de vidro, esse, sim, assustador.
Sem Tempo para Emocionar: sem um adversário à altura, Daniel Craig prolonga-se em um adeus que recorre a lugares-comuns das superproduções hollywoodianas, como as decisões absurdas tomadas pelo bandido (tipo abrir mão de sua moeda de troca) e uma grande explosão no final. Por falar em reaproveitamento, o compositor Hans Zimmer parece ter copiado a si mesmo em alguns trechos da trilha que evocam a música do Batman de Christopher Nolan. De original, temos o epílogo respeitoso para com o ator que passou os últimos 15 anos salvando o mundo: não há aceno a um próximo filme, não há pista sobre seu sucessor. Por outro lado, as cenas finais são tão melosas e tão cafonas que não combinam com a mescla de brutalidade e sofisticação que Craig conseguiu imprimir a James Bond. Esse coquetel saiu mexido, não batido.