Maligno (Malignant, 2021), terror dirigido por James Wan que estreou nos cinemas brasileiros na última quinta-feira (9), é o terceiro filme recente a fazer eu me sentir um estranho no ninho — seja em relação aos demais críticos, seja em relação a fãs dos respectivos gêneros.
As aventuras de super-heróis (ou anti-heróis) O Esquadrão Suicida e Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis tem aprovação de 90% ou mais no Rotten Tomatoes, mas o primeiro eu considero um dos piores do ano, e o segundo, de tão genérico, já esqueci que assisti.
No caso de Maligno, o que me espanta é a quantidade de colegas de imprensa e amigos das redes sociais siderada por um plot twist que, além de ser bastante previsível — desde a primeira cena, para ser franco —, parece apenas uma variação de obras anteriores assinadas por mestres do suspense e do terror como o italiano Dario Argento, o estadunidense Brian De Palma e o canadense David Cronenberg. Será que há algo errado comigo? Eu não deveria também estar reverenciando uma obra reverente a um gênero tão caro para mim?
Verdade seja dita, tecnicamente o filme é um desbunde — as movimentações de câmera, os planos zenitais (quando as cenas são vistas de cima), os jogos de ilusão entre cenários, maquetes e efeitos especiais, o despudor nas explosões de violência —, e pelo menos o diretor, roteirista e produtor malaio James Wan, 44 anos, assume essas influências. No Facebook, o criador das franquias Jogos Mortais e Sobrenatural e do Invocaverso (os três Invocação do Mal, os três Annabelle, A Freira e A Maldição da Chorona) definiu assim Maligno, escrito em parceria com Ingrid Bisu e Akela Cooper: "Não sei exatamente como descrever esse filme além do fato de querer fazer algo menor e diferente; algo que ultrapasse as barreiras do gênero e me trouxesse aquela sensação independente de novo. Essa é uma história original, mas é inspirada pelo meu amor por Mario Bava, Dario Argento, Brian De Palma e David Cronenberg. Esse é o tipo de terror/suspense dos anos 80 que você encontraria nas prateleiras das locadoras".
De fato, há um clima oitentista, realçado pela música composta por Joseph Bishara (parceiro habitual de Wan), pela estupidez dos personagens em relação ao perigo, pela canastrice dos coadjuvantes, pelos diálogos expositivos, pela névoa que envolve os ambientes, pela intersecção de experiência científica com geração de monstros, pela tentativa de imprimir humor em cenas mórbidas — no necrotério, por exemplo, a policial interpretada por Michole Briana White aparece chupando um pirulito enquanto examina um defunto.
Se o clima é dos anos 1980, a trama começa em 1993. Estamos em um sinistro hospital psiquiátrico à beira de um penhasco, tipo um castelo de Frankenstein, onde um grupo de médicos e enfermeiros tenta controlar a fúria sanguinária de um paciente chamado de Gabriel. Corta — em mais de um sentido! — para os dias de hoje, quando Madison Mitchell (vivida com gana e carisma por Annabelle Wallis, a Jane Seymour de The Tudors e a Grace de Peaky Blinders) lida com uma gravidez de risco e um marido violento. A partir daí, a protagonista e o espectador passam a ser assombrados pela aparição de um personagem grotesco e por assassinatos sangrentos. Tentarão desvendar o mistério o detetive Kekoa Shaw (George Young) e a irmã de Madison, a aspirante a atriz Sydney (Maddie Hasson, que poderia ser irmã da atriz Florence Pugh).
Quem já viu o cinema de Bava, Argento, De Palma e Cronenberg vai identificar uma série de homenagens. Desde a dúvida sobre o que é real e o que é imaginário até algo mais concreto — a roupa e a arma usadas nos homicídios —, passando pelo emprego frequente da lente grande-angular (a distorção visual espelhando o distúrbio psicológico) e visitando escolas clássicas do terror: o giallo, o slasher, o body horror. Mas é prudente não citar muitas referências para não cometer spoilers — estou me coçando para não dar nome a alguns dos filmes celebrados, bem melhores do que os de James Wan, porque seria sacanagem com os incautos. Se bem que o próprio cineasta entrega uma coleção de pistas que permitem antecipar o que ele orquestra como uma grande revelação. Repare na trilha sonora: se pelo trechinho de uma versão cover repetido duas ou três vezes você reconhecer uma famosa canção de um grupo de rock emblemático da virada da década de 1980 para a de 1990, o título dela fornecerá uma chave importante para deslindar o falso enigma de Maligno.