O Esquadrão Suicida, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (5), é um desses filmes que fazem eu me sentir um estranho no ninho. No site Rotten Tomatoes, tem 96% de críticas positivas. Para mim, trata-se de um dos piores do ano.
Talvez a excelente recepção esteja ligada ao prestígio de seu diretor e roteirista, James Gunn — o mesmo de Guardiões da Galáxia (2014) e Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2017) —, e à comparação com a aventura anterior estrelada pelos personagens da DC. Lançado em 2016 e assinado por David Ayer, Esquadrão Suicida até que foi bem nas bilheterias — US$ 746,8 milhões —, mas teve 26% de aprovação no Rotten Tomatoes e foi indicado a dois troféus Framboesa de Ouro: pior roteiro (de autoria do próprio Ayer) e pior ator coadjuvante (Jared Leto, no papel de um Coringa sem o menor carisma daqueles interpretados por Jack Nicholson, Heath Ledger e Joaquin Phoenix).
Aquele filme desvirtuou as histórias em quadrinhos escritas por John Ostrander (que faz uma ponta logo no começo de O Esquadrão Suicida) e desenhadas por Luke McDonnell. O Esquadrão Suicida é um supergrupo de vilões que presta serviços para o governo dos Estados Unidos, sob a coordenação da durona Amanda Waller. Os personagens ganharam popularidade no final dos anos 1980, quando ainda havia a Guerra Fria, opondo Estados Unidos contra a União Soviética, repúblicas comunistas em geral e também países árabes. Em troca de redução do tempo de prisão, bandidos topavam fazer o serviço sujo, tipo Jason Bourne. Por exemplo: viajar ao fictício Qurac, no Oriente Médio, para desbaratar o Jihad, grupo terrorista meta-humano (o jeito DC de dizer mutante). Ou desmascarar uma organização chamada Império Ariano, que só prende criminosos negros, asiáticos e latinos. Ou então libertar de uma prisão na URSS uma escritora russa dissidente.
Havia sempre um subtexto político por trás de cada missão. No filme de 2016, isso era desprezado logo de início: a preocupação de Amanda Waller é o que fazer se o próximo Superman for do mal. E a equipe de mercenários, além de sequer cruzar fronteiras, tem de lidar não com um inimigo político, mas com uma insurgência — e de ordem sobrenatural.
O filme de agora pretende consertar as coisas. Daí o artigo no título, tanto o nacional quanto o original, The Suicide Squad, indicando que este é o legítimo. E apesar de trazer no elenco nomes da produção de 2016 — Viola Davis reprisa o papel de Amanda Waller, Joel Kinnaman é o coronel Rick Flag (o comandante em campo dos supervilões), Margot Robbie encarna de novo a Arlequina, Jai Courtney aparece como o Capitão Bumerangue —, O Esquadrão Suicida não se apresenta como uma continuação, mas, sim, um reinício, um reboot, como gostam de dizer os que preferem usar termos em inglês mesmo quando há tradução adequada em português.
Sendo assim, o filme começa mostrando o cotidiano da penitenciária Belle Reve pelos olhos do Sábio, vivido por Michael Rooker, o azulado Youndu de Guardiões da Galáxia. Por falar nisso, James Gunn importou da franquia da Marvel elementos que reforçam a proximidade entre o Esquadrão Suicida e os Guardiões da Galáxia — ambos reúnem à força um grupo de pessoas que precisa lidar com suas diferenças enquanto tenta salvar o mundo. Temos, por exemplo, a trilha sonora descolada, que inclui Johnny Cash (Folsom Prison Blues, é óbvio), Pixies (Hey), as bandas indies The Decemberists e The Fratellis e um bando de brasileiros: Céu (Samba na Sola), Drik Barbosa (Quem Tem Joga, com participação de Gloria Groove e Karol Conká) e Marcelo D2 (Meu Tambor, com Zuzuka Poderosa). Temos muitas cenas em câmera lenta, o que, combinado ao uso massivo da música, confere à obra o aspecto de um programa de videoclipes. Temos um personagem que é quase uma mistura entre Groot e o guaxinim Rocky, o ininteligível Doninha. Temos, além de Rooker, a escalação de Sylvester Stallone, aqui emprestando a voz ao devorador de humanos Tubarão-Rei, que é gerado por computação gráfica. E temos a tentativa de equilibrar tiro, porrada e bomba com um tanto de humor — ora anárquico e nonsense, ora típico de sitcoms — e um pouco de drama sobre relacionamentos familiares fraturados.
Essa porção mais dramática, mas bastante diluída no sangue que chega a espirrar na câmera, é fornecida por três personagens novos. Com seu habitual carisma, Idris Elba interpreta o Sanguinário, um pistoleiro exímio com um arsenal aparentemente interminável que é chantageado por Amanda Waller quando sua distante filha adolescente corre o risco de ser presa: ele precisa liderar uma missão na fictícia ilha de Corto Maltese (criada por Frank Miller na HQ Batman: O Cavaleiro das Trevas em homenagem ao clássico pirata escrito e desenhado por Hugo Pratt). Para essa paródia de Cuba, onde uma sucessão de ditadores dispõem de um programa militar capaz de abalar o status quo defendido pelos EUA, e onde a atriz brasileira Alice Braga faz o papel da líder dos rebeldes, o Sanguinário levará, entre outros, a Caça-Ratos 2 (a portuguesa Daniela Melchior), que tinha um pai amoroso, mas drogado, e o bizarro Bolinha (David Dastmalchian), traumatizado por uma mãe controladora — situação que vai gerar as melhores piadas do filme.
Há outros personagens novos em relação a Esquadrão Suicida: o Pacificador (John Cena, de Velozes e Furiosos 9), que de pacificador não tem nada; Mongal, uma extraterrestre; Dardo, um atleta que virou criminoso... Vários são apresentados na sequência de abertura, que é bem orquestrada e consegue reverter expectativas e até divertir — isso se você estiver no clima para um festival de cabeças decepadas e corpos desmembrados cuja apoteose será uma demorada e ruidosa destruição em massa.
Apostar no apocalipse não é um problema exclusivo de O Esquadrão Suicida — trata-se de uma solução muito recorrente nos títulos de ação. E a violência em si também não é o problema do filme. A questão é que, depois desse prólogo, James Gunn vai empilhando corpos (fica o desafio para a contagem de mortos) à mesma medida que busca empilhar piadas, sem conseguir alcançar um equilíbrio: a coisa ora soa como deboche inconsequente, ora como tragédia dolorosa, e aqui e ali flerta com o drama edificante. As cenas com Arlequina são emblemáticas: um momento aflitivo de tortura, por exemplo, pode dar lugar a um banho de sangue ornamentado por uma explosão de flores.
Dizem, nos comentários elogiosos, que O Esquadrão Suicida revela-se "um dos melhores filmes do universo DC" porque deu total liberdade a seu diretor. Bem, pode-se aplaudir a audácia de Gunn de atravessar as raias do absurdo e do pudor (existe até sexo, raro em obras de super-heróis), mas essa jornada é, a um só tempo, tão barulhenta e tão vazia. Há tanta pancadaria, tanta rajada de balas, tanto prédio caindo, há tanta câmera lenta, tanto flashback, tanto momento eu-queria-era-estar-fazendo-um-videoclipe-estiloso, que a certa altura já estamos anestesiados — talvez nessa condição o espectador aguente esperar a ceninha pós-créditos que só deve surpreender quem não acompanha o noticiário sobre as produções do gênero.