A Tela Quente de novembro vem caprichando. Depois de Corra! (2017), que concorreu ao Oscar de melhor filme e valeu ao diretor americano Jordan Peele o troféu de roteiro original, chegou a vez de As Viúvas (2018). Em cartaz a partir das 23h na RBS TV, trata-se de outra elogiada obra assinada por um cineasta negro, o inglês Steve McQueen, premiado com o Oscar de melhor filme por 12 Anos de Escravidão (2013). Pode ser só coincidência, mas a dobradinha é uma forma bacana de celebrar, no Brasil, o Mês da Consciência Negra.
As Viúvas do título são um grupo de mulheres que se reúnem para concretizar um roubo milionário, usando os planos de um golpe anterior idealizado por um bando masculino. O filme é um passo inusitado na carreira de McQueen, 51 anos, homônimo do ator americano de Bullitt (1968) e Papillon (1973) e também artista plástico. Seus longas anteriores eram, justamente, mais artísticos, ou no mínimo menos "comerciais", como os títulos policiais são apressadamente classificados.
Em Hunger (2008), vencedor da mostra Um Certo Olhar e do prêmio Camera d'Or no Festival de Cannes, Michael Fassbender interpretou um guerrilheiro do IRA em greve de fome na prisão. Diretor e ator repetiram a parceria em Shame (2011), sobre uma nova-iorquino viciado em sexo que se vê forçado a mudar sua rotina promíscua com a chegada de sua irmã caçula (Carey Mulligan) à cidade. Fassbender ganhou a Copa Volpi de melhor ator, e McQueen, três troféus paralelos, incluindo o da crítica. Os dois voltaram a trabalhar juntos em 12 Anos de Escravidão, baseado nas memórias de Solomon Northup (interpretado por Chiwetel Ejiofor), um homem negro livre que, em 1841, foi enganado, sequestrado e vendido como escravo. Além do Oscar de melhor filme, venceu nas categorias atriz coadjuvante (Lupita Nyong'o) e roteiro adaptado e concorreu nas de diretor, ator, ator coadjuvante (Fassbender), edição, direção de arte e figurinos.
As Viúvas ganhou vida porque McQueen é um fã da primeira versão da história, escrita por Lynda La Plante e apresentada como uma série britânica nos anos 1980 — depois, a própria Lynda a transformou em um livro. Para ajudá-lo na adaptação, o diretor convidou a escritora americana Gillian Flynn, autora do romance Garota Exemplar (vertido para o cinema por David Fincher) e cercou-se de um elenco oscarizado, ou perto disso.
A protagonista é Viola Davis, vencedora do Oscar de coadjuvante por Um Limite Entre Nós (2017) e indicada, na mesma categoria, por Dúvida (2008) e a melhor atriz pelo controverso Histórias Cruzadas (2011) — um papel do qual ela se arrependeu. Ela interpreta Veronica Rawlings, esposa de um ladrão bem-sucedido de Chicago, Harry (Liam Neeson, concorrente ao Oscar por A Lista de Schindler), que morre logo no começo — o filme se chama As Viúvas, lembrem-se.
No funeral, Veronica recebe um envelope com a chave de um cofre de penhor. Dentro, há um caderno com anotações, possíveis alvos, colaboradores e o esquema do último assalto. A protagonista, então, procura as viúvas dos ex-parceiros do marido para convencê-las de que elas próprias devem fazer o assalto frustrado. São elas Linda (Michelle Rodriguez) e Alice (Elizabeth Debicki, que atualmente pode ser vista nos cinemas, em Tenet), e às três vai se juntar Belle (Cynthia Erivo, que em 2020 disputou o Oscar de melhor atriz pela cinebiografia Harriet).
Como este não é apenas um filme de assalto, McQueen espalha personagens que permitem abordar questões sociais e políticas: os irmãos criminosos Jamal e Jatemme Manning (Brian Tyree Henry, do mais recente Brinquedo Assassino, e Daniel Kaluuya, indicado ao Oscar por Corra!) e os políticos da família Mulligan, o veterano Tom (Robert Duvall, Oscar de melhor ator por A Força do Carinho e concorrente em outras seis ocasiões, quatro delas como coadjuvante) e seu filho, Jack (Colin Farrell). Jamal e Jack rivalizam pela vaga de vereador que Tom ocupou por décadas, e essa briga suscita um paralelo entre o crime organizado e a corrupção da política oficial.
Antes disso, McQueen promoveu uma mudança fundamental em relação à obra original. Dolly, que era uma mulher branca, agora é negra. Seu casamento inter-racial terá desdobramentos que refletem a tensão étnica dos Estados Unidos da atualidade.