Toda piada tem um fundo de verdade. Ao batizarem de Um Clássico Filme de Terror (A Classic Horror Story, 2021) o longa-metragem lançado recentemente pela Netflix, os italianos Roberto De Feo — realizador de O Ninho, prêmio de melhor roteiro no Fantaspoa deste ano — e Paolo Strippoli posam de irônicos, mas o desenvolvimento da trama expõe a ambição de terem feito uma obra inesquecível, dessas que são sempre lembradas em listas dos melhores do gênero.
Claro que todo cineasta deve desejar a imortalidade de seus filmes. Mas o caso aqui é de uma pretensão que salta demais aos olhos — para uns, isso pode gerar admiração, para outros, antipatia.
A história é a de vários filmes de terror: um grupo de pessoas entra em uma senhora enrascada durante uma viagem pelo interior. A protagonista é Elisa (interpretada por Matilda Anna Ingrid Lutz), que pega uma carona solidária no trailer de Fabrizio (Francesco Russo) para visitar seus pais na Calábria, região ao sul da Itália, onde, relutantemente, vai se submeter a um aborto. Seus companheiros são um médico, Riccardo (Peppino Mazzotta), e um casal de jovens — o estadunidense Mark (Will Merrick) e Sofia (Yuliia Sobol), vinda do Leste Europeu.
Um prólogo mostra o tipo de pesadelo em que a turma será metida após um acidente na estrada. É um cenário de tortura e mutilação, de desorientação espacial e de rituais satânicos, de florestas densas e cabeças de cervos empalhadas. Todos esses elementos são como retalhos em uma colcha na qual se vislumbra referências descaradas e piscadelas marotas a — novamente — vários filmes de terror: de O Homem de Palha (1973) e O Massacre da Serra Elétrica (1974) a O Albergue (2005) e Midsommar (2019), passando por A Bruxa de Blair (1999) e...
Bem, para continuar a leitura, você precisa saber que haverá spoilers pela frente. Mas, sinceramente, o início de Um Clássico Filme de Terror permite antever muitos passos. Dadas as personalidades dos personagens, a gente até sabe a ordem em que as coisas vão acontecer. Assim, quando ocorre um suposto plot twist, ao fechar a primeira hora dos 90 minutos de duração, a sensação do espectador pode não ser a de "Me caiu os butiá do bolso!", mas a de "Demorô!".
Aliás — eu avisei que daria detalhes —, desde os primeiros minutos é evidente que Fabrizio, um fã dos filmes de Sam Raimi e um conhecedor da mitologia do palhaço Pennywise, esconde suas verdadeiras intenções. Em uma brincadeira metalinguística, mais adiante o rapaz revela estar usando uma camiseta onde está estampado "Spoiler!" — ele é, literalmente, um spoiler ambulante.
As injeções de humor são corpos estranhos em meio às demonstrações de sadismo. Trata-se de um filme desconjuntado: habilidoso na construção das cenas, no casamento tenebroso da direção de fotografia e da trilha sonora, mas desatento à construção dos personagens, cujos dramas pessoais parecem divorciados da trama geral.
Talvez seja intencional: Um Clássico Filme de Terror não é uma história sobre pessoas aterrorizadas, mas sobre pessoas que fazem terror. Pela boca de Fabrizio, os diretores De Feo e Strippoli lamentam a falta de interesse do público.
— Na Itália, só temos comédias ruins e vídeos de merda no YouTube. Ninguém quer sentir medo. Você vai ao cinema e fala: "Que nojo!", "Socorro!", "Buá...". Aí você liga a televisão e só tem morte o dia todo. Porque você gosta. A estudante que assassina a colega de quarto. Você gosta. A mãe que sufocou o filho. Maravilhoso! O marido que esfaqueou a esposa. Vende mais do que cocaína!
Eis a justificativa de Fabrizio para produzir snuff movies, filmes que retratam assassinatos reais e com os quais pretende transformar Osso, Mastrosso e Carcagnosso — os lendários fundadores da Máfia, da Camorra e da 'Ndrangueta — "nos novos Freddy, Jason e Leatherface". Ainda que Elisa ofereça um contraponto ("Seu filme é uma bosta!"), De Feo e Strippoli encenam como se fosse uma epifania a tal revelação — que nada mais é do que outra citação a clássicos do terror, como Holocausto Canibal (1980) ou Videodrome (1983).
No epílogo, em outro momento de metalinguagem, os diretores italianos fingem uma autocrítica: usuários de uma fictícia plataforma de streaming chamada Bloodflix comentam o que acabaram de ver. O tom é negativo, e, por fim, um sujeito que está assistindo na penumbra — portanto, como um prazer proibido — clica no botão de "Não é para mim". Uau, que espertinhos.