De vez em quando, pesquiso os aniversários de filmes, cineastas, atores e atrizes em busca de inspiração para colunas. Ao observar as datas do fim de maio, deparei com uma coincidência assustadora: no dia 27, Vincent Price faria 110 anos, e Christopher Lee, 99. E, na véspera, teria sido a vez de Peter Cushing chegar aos 98.
Os leitores mais jovens podem não entender de imediato o motivo do meu espanto. Faz parte: infelizmente, nem todos os nomes que brilharam no passado seguem na ribalta. A essa parcela do público, informo que os britânicos Lee (1922-2015) e Cushing (1913-1994) e o estadunidense Price (1911-1993) nunca disputaram o Oscar ou ganharam prêmios nos festivais de Cannes, Veneza e Berlim, mas formavam a santíssima— ou seria maldita? — trindade do terror.
Cushing ganhou fama ao aparecer em 22 filmes de horror da célebre produtora britânica Hammer, entre as décadas de 1950 e 1970. Viveu o barão Victor Frankenstein em seis ocasiões, como em A Maldição de Frankenstein (1957) e Frankenstein Must Be Destroyed (1969).
Também encarnou Van Helsing, o caçador de vampiros, em cinco títulos, de O Vampiro da Noite (Horror of Dracula, 1958) a The Legend of the 7 Golden Vampires (1974).
Price também fez carreira na Hammer, mas um de seus trabalhos mais conhecidos é uma produção estadunidense: O Corvo (1963), versão do mestre Roger Corman para a clássica história escrita por Edgar Allan Poe. O ator contracenou com dois bambas do gênero— Boris Karloff (1887-1969) e Peter Lorre (1904-1964).
Outro filme marcante é O Abominável Dr. Phibes (1971), de Robert Fuest, que, de tão bem-sucedido, chegou a merecer uma continuação, A Câmera de Horrores do Abominável Dr. Phibes (1972), assinada pelo mesmo diretor. Seu protagonista, Anton Phibes, torna-se uma espécie de homem das mil caras depois que sofre um acidente ao saber da morte da esposa, que teria sido vítima de erro médico durante uma cirurgia. Em busca de vingança, ele se inspira nas 10 pragas do Egito para cometer assassinatos.
Entre outros títulos estrelados por Vincent Price, estão Museu de Cera (1953), A Mosca da Cabeça Branca (1958), A Casa dos Maus Espíritos (1959), Muralhas do Pavor (1962) e Grite, Grite Outra Vez! (1970).
Lee, para muitos, é o maior Drácula que o cinema já viu. Certamente foi o mais presente: interpretou o conde chupador de sangue em nove filmes, desde O Vampiro da Noite (1958) a Drácula Pai e Filho (1976), sendo sete deles na Hammer.
O conde não foi o único vilão desse veterano da Segunda Guerra Mundial, quando ajudou a capturar nazistas no norte da África e na Itália. Encarnou o personagem principal de A Múmia (1959), foi Mefistófeles em Katarsis (1963) e torturou moças em Sangue das Virgens (1967), entre outros papéis, além de ter sido Fu Manchu em uma série de filmes de crime e aventura com pitadas de terror. E não dá para esquecer do sinistro líder religioso de O Homem de Palha (1973), filme que foi uma das inspirações do recente Midsommar.
Cushing, Price e Lee eram amigos — esses dois últimos, curiosamente, tinham a mesma imponente altura: 1m93cm. Os ingleses haviam se conhecido em A Maldição de Frankenstein e depois firmaram parceria nos filmes do Drácula. Os três trabalharam juntos — com a companhia de John Carradine (1906-1988), outro ícone do gênero — em A Mansão da Meia-Noite (1963), uma comédia de terror dirigida por Pete Walker. Na trama, um cínico escritor dos EUA aceita uma aposta de seu editor e se instala sozinho em uma velha mansão no País de Gales, onde deve escrever um romance gótico em 24 horas. Mas seu trabalho é perturbado por várias aparições.
Os três atores não fizeram apenas horror na vida. Cushing, por exemplo, foi Sherlock Holmes em O Cão dos Baskervilles (1959), em uma série de TV de 1968 e em um telefilme de 1984.
Price, no início da carreira, integrou o elenco principal de A Canção de Bernadette (1943), que ganhou quatro Oscar, incluindo melhor atriz (Jennifer Jones), e concorreu a outros oito, e Laura (1944), uma pérola do cinema noir, vencedora da estatueta dourada de fotografia em preto e branco.
Lee, que era primo do escritor Ian Fleming, criador de James Bond, interpretou o vilão Scaramanga em 007 Contra o Homem da Pistola de Ouro (1974), o segundo com Roger Moore na pele do agente secreto. Como Cushing, também encarnou Sherlock Holmes várias vezes.
Mas, claro, eram cultuados pelos horrores que fizeram. Em 1975, Vincent Price participou do disco Welcome to my Nightmare, do roqueiro Alice Cooper; em 1983, narrou um poema no lendário videoclipe Thriller, de Michael Jackson; e, em 2013, foi homenageado pela banda Deep Purple, que batizou uma canção com seu nome.
Também inspirou o primeiro curta-metragem do cineasta Tim Burton, Vincent (1982), em que um jovem excêntrico que sonha em ser como ator. Mais tarde, Burton escalou Price para ser o inventor do protagonista de Edward Mãos de Tesoura (1990). Foi seu último filme para o cinema, um trabalho já afetado pelo Parkinson e por uma doença pulmonar. Ainda apareceria num telefilme do diretor brasileiro Bruno Barreto, O Coração da Justiça (1992). Casado três vezes, Price era viúvo quando morreu de câncer de pulmão, em 1993, aos 82 anos, e deixou dois filhos: o jornalista e poeta V.B. Price, 80, e Victoria Price, 59, que escreveu um livro de memórias e faz palestras sobre seu pai.
Dos três atores, Lee é, sem dúvida, o mais conhecido — e não apenas por ter sido o mais longevo. Afinal, participou de duas popularíssimas franquias cinematográficas. Foi Saruman na trilogia O Senhor dos Anéis (2001-2003) e em dois filmes da trilogia O Hobbit (Uma Jorna Inesperada, de 2012, e A Batalha dos Cinco Exércitos, 2014) e o Conde Dookan em Star Wars: Episódio II — Ataque dos Clones (2002) e Star Wars: Episódio III — A Vingança dos Sith (2005).
— Toda uma nova carreira se iniciou quando entrei para O Senhor dos Anéis e Star Wars — disse Lee certa vez. — Sou conhecido por minha geração e pela geração seguinte.
Com uma voz soturna, Christopher Lee, a exemplo de Price, expandiu seus talentos para o cenário da música e da dublagem. Gravou discos como A Heavy Metal Christmas (2012) e A Heavy Metal Christmas Too (2013) e dublou 16 jogos eletrônicos.
E, também como Price, colaborou com Tim Burton, que o dirigiu em A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça (1999), A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005) e Sombras da Noite (2012), além de ter usado sua voz em A Noiva Cadáver (2005) e Alice no País das Maravilhas (2010). Morreu aos 93 anos, no Chelsea and Westminster Hospital, em Londres, onde estava internado havia três semanas com insuficiência cardíaca e respiratória. Era casado desde 1961 com Birgit Kroencke. Teve uma filha, Christina Erika Lee, 57 anos.
Fechando a lista de coincidências, Peter Cushing, como Lee, apareceu em Star Wars. Cotado para ser Obi-Wan Kenobi, interpretou Grand Moff Tarkin, o comandante da nave de Darth Vader, em Guerra nas Estrelas (1977), seu último papel de destaque antes de morrer de câncer de próstata em 1994, aos 81 anos. Não teve filhos e era viúvo desde 1971, quando faleceu Helen, com quem se casara em 1943.
Cushing ganhou uma sobrevida. George Lucas queria combinar imagens de arquivo e tecnologia digital para promover sua volta ao personagem em A Vingança dos Sith, mas acabou chamando o ator Wayne Pigram, por conta de sua semelhança física. Mais tarde, com mais recursos de computação e a técnica da captura de movimentos, o ator inglês voltou à cena como Grand Moff Tarkin em Rogue One: Uma História Star Wars (2016).
Em uma entrevista inclusa no DVD de O Cão dos Baskervilles, Christopher Lee prestou homenagem arrepiante:
— Eu não quero parecer triste, mas, em algum momento de suas vidas, cada um de vocês vai notar que existe uma pessoa, um amigo a quem ama e cuida muito. Essa pessoa está tão perto que é capaz de compartilhar momentos inesquecíveis. Por exemplo, você pode telefonar para esse amigo e, ao escutar uma risada maníaca ou uma outra piada, você saberá quem está do outro lado da linha. Nós costumávamos fazer isso muitas vezes. Então, desde quando ele se foi, nada haverá de parecido em minha vida.