Com grandes e incansáveis diretores é assim: a cada ano pode-se olhar para trás e celebrar um feito. Em 2020, Steven Spielberg comemorou o 45º aniversário de Tubarão, e em 2022 E.T.: O Extraterrestre completa quatro décadas. Mas 2021 será cinco vezes especial para o cineasta estadunidense nascido em Cincinnati, no Estado de Ohio.
Para começar, ou melhor, para terminar, em 18 de dezembro Spielberg vai comemorar 75 anos de vida. O primeiro filmezinho, The Last Gun, ele fez aos 13, e a carreira profissional começou em 1968, com o curta-metragem Amblin' (que depois batizaria sua produtora). De lá para cá, ganhou três Oscar — melhor filme e melhor diretor por A Lista de Schindler (1993) e direção por O Resgate do Soldado Ryan (1998) — e recebeu outras 14 indicações, três vezes em dobradinha: E.T., Munique (2005) e Lincoln (2012). Também se tornou o cineasta com mais filmes na lista dos cem melhores produzidos nos Estados Unidos segundo o American Film Institute. Na mais recente atualização, publicada em 2007, emplacou cinco: A Lista de Schindler (oitavo colocado), E.T. (24º), Tubarão (1975, 56º), Caçadores da Arca Perdida (1981, 66º) e O Resgate do Soldado Ryan (71º).
O prestígio vem acompanhado do dinheiro. Spielberg é o diretor cujos filmes, somados, mais arrecadaram mundialmente: US$ 10,5 bilhões, à frente dos irmãos Russo, com US$ 6,8 bilhões (graças, sobretudo, às duas últimas aventuras dos Vingadores, Guerra Infinita e Ultimato). Seu carro-chefe é Jurassic Park (1993), curiosamente o único a ultrapassar a barreira do US$ 1 bilhão.
A reputação de campeão de bilheteria anda lado a lado com a versatilidade. Spielberg pode ir da aventura juvenil ao filme político, do drama histórico à ficção científica, passando, claro, pelos thrillers em que os personagens enfrentam tubarões, dinossauros, nazistas, caminhões etc. Comédia não é muito sua praia, mas já fez (1941: Uma Guerra Muito Louca, de 1979). E agora vai experimentar o musical, como veremos na lista abaixo, que faz uma breve síntese da sua flexibilidade e de outras virtudes.
Encurralado (1971)
Um pouco antes do seu aniversário de 75 anos, Steven Spielberg poderá festejar o cinquentenário da obra que fez despontar seu nome. Após mostrar que era possível fazer cinema na TV — dirigiu episódios antológicos de seriados como Galeria do Terror e Columbo —, em 1971 ele ganhou a chance de tocar um projeto mais ambicioso. Realizou em apenas 13 dias e com orçamento apertado um telefilme de 74 minutos, lançado em 13 de novembro pela ABC — sobre um motorista (Dennis Weaver) perseguido por um misterioso caminhão na estrada. O rosto do suposto condutor nunca aparece, o que amplia o suspense, a angústia e o potencial mitológico de Encurralado (Duel) — é o embate do homem contra a máquina, ou do homem contra o diabo. O planejamento meticuloso e a precisão narrativa resultaram numa trama de alta tensão que, devido ao enorme sucesso de público e crítica, ganhou mais 15 minutos para ser exibida nos cinemas. (Em cartaz no Telecine, no Google Play e no YouTube).
Caçadores da Arca Perdida (1981)
Raiders of the Lost Ark, o clássico que inaugurou a franquia Indiana Jones, veio ao mundo em 12 de junho de 1981. A história se passa em 1936, quando o arqueólogo eternizado por Harrison Ford é contratado para encontrar a Arca da Aliança, que, segundo as escrituras bíblicas, conteria Os 10 Mandamentos que Deus revelou a Moisés. O problema é que o líder nazista Adolf Hitler também quer esse tesouro.
No mundo em que vive Indiana Jones, os bons são bons, e os maus são maus. A nostalgia impera, e os perigos de carne e osso convivem com ameaças sobrenaturais. No segundo filme, Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984), o herói busca pedras preciosas roubadas por um feiticeiro com poderes mágicos, que sacrifica pessoas e escraviza crianças. Em A Última Cruzada (1989), Indiana Jones novamente enfrenta o exército de Hitler. Ele precisa resgatar seu pai (vivido por Sean Connery), arqueólogo como ele, e tentar encontrar o lendário Santo Graal, o cálice sagrado, que teria sido usado por Jesus Cristo na Última Ceia.
A narrativa avança no tempo em O Reino da Caveira de Cristal (2008). Estamos na Guerra Fria, em 1957. Com ajuda do jovem Mutt (Shia LaBeouf), personagem filho de Marion, a heroína casca grossa de Caçadores da Arca Pedida interpretada por Karen Allen, Indiana Jones procura uma caveira de cristal com poderes místicos. O objeto é alvo também de espiões russos comandados por Irina Spalko (Cate Blanchett).
A mitologia em torno da série é saborosa. Spielberg aceitou dirigir o projeto idealizado por George Lucas porque também era um admirador dos filmes e seriados de aventuras B dos anos 1930 e 1940. Lucas não tinha como assumir a direção de Caçadores da Arca Perdida em meio ao sucesso da sua então trilogia espacial Guerra nas Estrelas (Star Wars), e Spielberg encarou a tarefa desafiado a dar a volta por cima depois do fracasso da comédia de guerra 1941.
Apesar de grandes amigos, o diretor e o produtor tinham divergências. Quando não pôde contar com Tom Selleck para o papel do protagonista — o bigodudo ator preferiu continuar no seriado de TV Magnum —, Spielberg pensou em Harrison Ford. Mas Lucas achou péssima ideia escalar o intérprete de Han Solo, um dos personagens mais populares de Star Wars. Spielberg venceu a queda de braço e deu no que deu. A saga Indiana Jones já arrecadou US$ 1,98 bilhão nas bilheterias mundiais e um quinto filme vem aí. Em julho de 2022, estreia uma nova aventura, dessa vez sem Steven Spielberg na direção (ele assina como produtor e passou o cargo para James Mangold, de Logan), mas com Harrison Ford no elenco, que inclui a inglesa Phoebe Waller-Bridge (da série Fleabag), o dinamarquês Mads Mikkelsen (Druk: Mais uma Rodada) e o alemão Thomas Kretschmann (O Pianista). (Os quatro filmes já lançados estão disponíveis na Netflix, no Telecine, no Google Play e no YouTube. Nessa última plataforma, contudo, O Templo da Perdição não está em cartaz.)
A.I.: Inteligência Artificial (2001)
Lançado nos cinemas dos Estados Unidos em 29 de junho de 2001 e com uma bilheteria mundial de US$ 235,9 milhões, é uma espécie de cruza entre a fábula de Pinóquio e a trama futurista de Blade Runner: O Caçador de Androides. O filme é baseado no conto Superbrinquedos Duram o Verão Todo, do escritor inglês Brian Aldiss (1925-2017), e nasceu de um projeto inicialmente desenvolvido por Stanley Kubrick (1928-1999). Durante duas décadas, o diretor de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e Laranja Mecânica (1971) tentou realizar A.I.: Artificial Intelligence (título original). Inclusive chegou a pedir conselhos a Steven Spielberg. Quando Kubrick morreu, Spielberg decidiu homenageá-lo dando vida a seu sonho.
A.I. mistura o estilo frio, analítico e pessimista de Kubrick com o otimismo e o show de efeitos visuais que caracterizam a obra de Spielberg (concorreu ao Oscar nessa categoria e na de trilha sonora, composta por John Williams). O cenário é um futuro não muito distante. Uma catástrofe ecológica, o aquecimento da atmosfera como resultado da atividade humana, sepultou debaixo d'água algumas das maiores cidades do mundo, como Nova York. A tecnologia, no entanto, avança a passos astronômicos. Existe um robô para cada necessidade (alguns até servem como parceiros sexuais, como Gigolô Joe, personagem de Jude Law). Exceto para o amor.
Então, o cientista Allen Hobby (William Hurt) cria um garoto robô programado para amar, David (Haley Joel Osment, de O Sexto Sentido), que é adotado por um casal. Dá-se início a jornada de David rumo a seu verdadeiro lugar num mundo onde a linha que separa os robôs das outras máquinas e dos seres humanos pode ser assustadoramente extensa ou quase imperceptível. (Disponível no Telecine.)
Amor, Sublime Amor (2021)
Às vésperas do aniversário, Spielberg vai lançar um de seus projetos mais inusitados. Está marcada para 9 de dezembro a estreia de Amor, Sublime Amor, sua versão para o musical da Broadway de Arthur Laurents, Leonard Bernstein e Stephen Sondheim que deu origem a um dos maiores vencedores do Oscar. Dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins em 1961, West Side Story (título original) ganhou 10 estatuetas, incluindo melhor filme, direção e atriz coadjuvante — Rita Moreno, que participa da nova adaptação, escrita por Tony Kushner e coreografada por Justin Peck.
O filme é estrelado por Ansel Elgort (de Baby Driver e O Pintassilgo) e a estreante Rachel Zegler. Eles interpretam os adolescentes Tony e Maria, que vivem um romance à la Romeu & Julieta em meio ao conflito entre duas gangues rivais nas ruas da Nova York dos anos 1950: os Jets, majoritariamente brancos, e os Sharks (olha um tubarão na carreira de Spielberg de novo!), oriundos de Porto Rico.