Em muitas noites sem dormir naquele ano de 1974, Steven Spielberg se viu naufragando com o barco que o levaria ao lugar mais alto de Hollywood. As filmagens de Tubarão seguiam sob caos e tensão permanente. Com orçamento e prazo estourados e sua equipe à beira de um motim, o diretor de 26 anos vislumbrava seu nome em uma nota de rodapé, como o menino-prodígio que morreu na praia.
Mas ele chegou lá. Tubarão estreou nos cinemas dos EUA em 20 de junho de 1975 inaugurando o conceito do blockbuster e sob recepção calorosa de crítica e público. Foi o primeiro filme a superar a casa dos US$ 100 milhões em bilheteria.
Spielberg embarcou no projeto Tubarão com relutância. O jovem diretor era cria do estúdio Universal, no qual começou comandando séries de TV. Surpreendeu com o telefilme Encurralado (1971), que de tão bom ganhou lançamento também nos cinemas. Seu primeiro projeto para a tela grande, Louca Escapada (1974), havia recém estreado, coberto de elogios, quando a Universal confiou a ele uma grande produção: a adaptação de Jaws ("Mandíbulas"), best-seller de Peter Benchley que narrava a caçada a um tubarão branco gigante.
Caixa com oito filmes relembra trajetória de Steven Spielberg
Na época, o cineasta pensava em realizar longas autorais e via a história do tubarão como entretenimento de segunda linha. Como não conseguiu viabilizar o que seria, anos depois, seu Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), Spielberg, combinando coragem e estupidez, como gosta de lembrar, começou a rodar Tubarão em 2 de maio de 1974. Ficou de concluir os trabalhos em 30 de junho, gastando US$ 3,5 milhões. As filmagens arrastaram-se até 17 de setembro e consumiram US$ 10 milhões.
Spielberg reconhece sua parcela de culpa na caótica realização, creditada à arrogância da juventude. Em vez de filmar cenas aquáticas em um tanque, como queriam os produtores, impôs, em nome do realismo, locações na costa leste dos EUA, tendo de lidar com o humor da natureza em mar aberto. Ao ser informado de que não era possível treinar tubarões, como golfinhos e orcas, Spielberg viu que seu filme dependeria de um monstrengo mecânico que, junto com o roteiro escrito e reescrito no set, tornou-se a sua grande dor de cabeça.Embora um recurso revolucionário à época, Bruce, apelido do tubarão de mentirinha com movimentos eletrônicos, vivia dando pane e submetendo atores e técnicos a longas esperas que deixavam nervos à flor da pele.
A solução, lapidada na montagem, foi deixar o bicho fora de cena o maior tempo possível e concentrar a narrativa na tensão sugerida por sua presença, algo que a trilha sonora de John Williams se encarregou de reforçar brilhantemente, e na relação dos três homens que se lançam ao mar para caçar o tubarão: Brody (Roy Scheider), o policial da cidadezinha apavorada pelos ataques, Hooper (Richard Dreyfuss), o cientista marinho, e Quint (Robert Shaw), o experiente pescador.
Passados 45 anos, a sobrevivência de Tubarão como um ótimo filme e um ícone da cultura pop mostra que, ainda sem saber, Spielberg já dosava com exatidão os ingredientes que fariam dele um dos mais importantes alquimistas da história do cinema.
Spielberg e o Oscar
O sucesso de Tubarão consagrou Spielberg em Hollywood e gerou grande expectativa para a cerimônia do Oscar de 1976. O diretor foi acompanhado por uma equipe de TV no dia do anúncio dos concorrentes. Tubarão foi indicado a melhor filme e em outras três categorias: montagem, trilha e som, conquistando as estatuetas nessas. Mas Spielberg ficou fora da lista dos diretores. Era um páreo duro: Milos Forman (Um Estranho no Ninho) — o vencedor (também foi o melhor filme) —, Robert Altman (Nashville), Federico Fellini (Amarcord), Stanley Kubrick (Barry Lyndon) e Sidney Lumet (Um Dia de Cão).
Veja abaixo a reação de Spielberg com o anúncio dos indicados: