Foi muito bom ter visto Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once, 2022), mas eu queria mesmo era ter assistido ao processo de criação do filme que tem sessões de pré-estreia nesta quarta (22) e entra em cartaz na quinta-feira (23) nos cinemas. Não só para observar como nasceram as mais inesperadas cenas de ação, conversas existenciais e homenagens da temporada, mas também para descobrir as ideias que foram descartadas e, quem sabe, tentar pegar por osmose um pouco da criatividade dos diretores e roteiristas Dan Kwan e Daniel Scheinert.
Conhecida como Daniels, a dupla está em seu segundo longa-metragem. Antes, Kwan, 34 anos, e Scheinert, 35, fizeram Um Cadáver para Sobreviver (Swiss Army Man, 2016, disponível na HBO Max), no qual um homem desesperado (Paul Dano) preso em uma ilha deserta faz amizade com um morto (Daniel Radcliffe), dando início a uma jornada surreal para chegar em casa. O título recebeu o troféu de direção no Festival de Sundance e valeu aos realizadores indicações ao troféu Bingham Ray de revelação, no Gotham Awards, e o de melhor primeiro filme no Independent Spirit Awards, ambas premiações para produções independentes de baixo orçamento.
Com Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, os Daniels devem ir mais longe. O filme tem 95% de avaliações positivas no site agregador de críticas Rotten Tomatoes e, com US$ 86,8 milhões já arrecadados, tornou-se a maior bilheteria mundial da produtora e distribuidora A24, responsável por títulos como o oscarizado Moonlight (2016), de Barry Jenkins, Hereditário (2018) e Midsommar (2019), ambos de Ari Aster, e O Farol (2019), de Robert Eggers. Não seria tão arriscado apostar em indicações ao Oscar.
O filme é uma espécie de "primo pobre" de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022) — custou US$ 25 milhões, contra os US$ 200 milhões da aventura da Marvel. Os Daniels contam a história de uma imigrante chinesa, Evelyn Wang, interpretada pela malaia Michelle Yeoh, 59 anos. A versatilidade da atriz — que vai do drama Memórias de uma Gueixa (2005) à comédia Podres de Ricos (2018) — e seus dotes para as cenas de ação e as artes marciais demonstrados em 007: O Amanhã Nunca Morre (1997) e O Tigre e o Dragão (2000) são colocados à prova desde o início, quando descobrimos que a protagonista convive, talvez sem estar ciente, com algumas pressões.
Seu marido, Waymond Wang — encarnado com graça pelo vietnamita Ke Huy Quan, que teve um relativo êxito como ator mirim da década de 1980 (apareceu em Indiana Jones e o Templo da Perdição e Os Goonies), mas estava longe dos holofotes já havia um bom tempo —, quer pedir o divórcio. A lavanderia administrada pelo casal é alvo de uma auditoria da receita federal, a cargo da personagem de Jamie Lee Curtis (impagável no papel de Deirdre Beaubeirdre). Ao mesmo passo em que constantemente busca a aprovação do pai, Gong Gong (o veteraníssimo James Hong, 93 anos), Evelyn vê sua filha, a adolescente Joy (Stephanie Hsu), se distanciar. Para piorar as coisas, Evelyn descobre sua existência em infinitos universos paralelos e precisa acessar as experiências e habilidades de suas contrapartes para combater a ameaça de um ser maligno — Jobu Tupaki, cujo nome ela troca o tempo todo.
Evidentemente, Evelyn não se sente nada preparada para a missão. Mas uma versão alternativa e atlética de seu esposo insiste:
— Cada rejeição, cada decepção a levou a este momento. Você é capaz de qualquer coisa... Porque você é tão ruim em tudo.
Eis o ponto de partida para o filme mais maluco do ano, que no fundo é meio meloso — pense em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004) ou Divertida Mente (2015), mas com bem menos ressonância; talvez com mais embalagem do que conteúdo. A mistura de ação, fantasia, ficção científica e humor dá uma roupagem extravagante para uma série de situações que já vimos antes. Fazendo jus ao título, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é, ao mesmo tempo, um novo derivado de Matrix (1999), uma comédia familiar agridoce, uma história de imigrantes que lutam por um lugar ao sol, um drama sobre as complicadas relações entre mãe e filha, uma jornada interior por nossos sonhos e nossas frustrações.
Dito isso, convém reforçar: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é o filme mais maluco do ano (pelo menos até agora). Onde mais se vê pessoas que têm salsichas no lugar dos dedos? Onde mais se vê — e se ouve! — rochas filosofando à beira de um penhasco? Onde mais uma pochete e um dildo anal serão peças fundamentais em impressionantes cenas de ação? Aliás, em que título de ação vamos encontrar referências tão surpreendentes quanto àquelas a Amor à Flor da Pele (2000), romance já clássico de Wong Kar-wai ambientado na Hong Kong da década de 1960, e a Ratatouille (2007), a oscarizada animação da Pixar sobre a aliança firmada entre um rato cozinheiro e um jovem auxiliar em um famoso restaurante em Paris?