"Chega ao fim" é uma expressão arriscada em relação às franquias de terror, mas vamos lá: quase 45 anos após a primeira aparição de Michael Myers — e às vésperas do Dia das Bruxas —, a saga do psicopata assassino chega ao fim em Halloween Ends (2022), filme que estreia nesta quinta-feira (13) nos cinemas.
Um dos pioneiros entre os maníacos homicidas que marcam o subgênero slasher (veio depois do Leatherface de O Massacre da Serra Elétrica e antes do Jason Voorhees de Sexta-Feira 13), Michael Myers foi criado pelo cineasta John Carpenter e pela roteirista e produtora Debra Hill em Halloween (1978). O personagem mascarado já nasceu como algo quase sobrenatural, essencialmente maligno e virtualmente imparável — uma força da natureza a assombrar a fictícia cidadezinha de Haddonfield e a adolescente Laurie Strode (interpretada por Jamie Lee Curtis).
— É uma criança de seis anos em um corpo de homem e com a mente de uma fera — descreveu em Halloween Kills (2021) o policial Hawkins (Will Patton).
O filme original suscitou muitas leituras críticas. Uns analisaram como condenação dos prazeres juvenis (sobretudo o sexo). Outros reclamaram do incentivo à identificação do espectador com um personagem sádico (uma vez que a câmera assume o ponto de vista de Michael Myers). E houve quem visse uma zombaria da ilusão de segurança proporcionada pelos típicos subúrbios estadunidenses (como se nesses ambientes os pais pudessem proteger os filhos das influências negativas).
John Carpenter, hoje com 74 anos, costuma rejeitar essas leituras, dizendo que só queria fazer "um bom e velho filme de casa assombrada".
Fato é que Michael Myers incrustou-se no imaginário popular — assim como sua música aflitiva e sinistra, composta pelo próprio Carpenter — e já apareceu em 13 filmes. Oficialmente, no entanto, só existem quatro: o Halloween original e a trilogia dirigida por David Gordon Green — Halloween (2018), Halloween Kills e Halloween Ends. Estes três títulos são continuações diretas do filme de 1978, com Jamie Lee Curtis retomando o papel de Laurie Strode, que novamente se vê ameaçada pelo Michael Myers encarnado pelo ator e dublê James Jude Courtney, 1m91cm — e "dublado" por Nick Castle, que viveu o personagem na primeira vez, nos momentos em que ofega.
A cena de abertura de Halloween Ends cumpre com louvor o objetivo declarado do cineasta, o de fazer um bom e velho filme de casa assombrada. A noite do jovem Corey (Rohan Campbell) como babá do filho de um casal rico transforma-se em um pesadelo realçado pelo ótimo trabalho de Gordon Green com os elementos cenográficos (uma escadaria, um espelho convexo, portas que se fecham sozinhas) e os efeitos sonoros (desde o rangido do assoalho até o silêncio mais aterrador). O desfecho serve de alerta sobre o que vem pela frente.
Trata-se de um duplo alerta: também nos avisa que em Halloween Ends o protagonismo não será nem de Laurie Strode, nem de Michael Myers, ao contrário do que indica o cartaz do filme. É Corey quem estará no centro da narrativa.
A ousadia pode desagradar os fãs da franquia, mas permite a Gordon Green adotar, positivamente, um tom mais grave do que aquele empregado em Halloween Kills, no qual os absurdos e os exageros na matança empreendida por Michael Myers atendiam aos anseios de uma plateia que consegue rir em cenas de brutalidade. Ao mesmo tempo, o enredo de Corey possibilita ao diretor pincelar, nas poças de sangue, conteúdos psicológicos, sociais, políticos. No segundo capítulo da trilogia, ele ensaiou um debate sobre trauma (individual ou coletivo, algo tristemente comum no país dos serial killers e dos atiradores em escolas) e sobre o ressentimento que ajudou a eleger Donald Trump à presidência em 2016 dos EUA — são substâncias que podem se mostrar explosivas, levando a perigos como a formação de milícias e o justiçamento popular. Agora, Halloween Ends mostra como o mal pode contaminar os outros, como podemos estar infectados sem percebermos — isso é dito com todas as letras por Laurie e é simbolizado pelo ferimento na mão de um personagem.
Mas o foco em Corey se revela uma faca de dois gumes. Para conectar o seu caminho com o de Laurie, o filme recorre a um expediente digno da pior das novelas mexicanas. O envolvimento amoroso do rapaz com a neta dela, a enfermeira Allyson (Andi Matichak), é, simultaneamente, previsível e inverossímil — um nítido dispositivo de roteiro.
E o discurso sobre a contaminação pelo mal é logo suplantado pela justificação do mal: quase todos os mortos em Halloween Ends têm, digamos, culpa no cartório. Quem mata está imbuído de um sentimento de vingança, sua crueldade é catártica, o sadismo é praticamente sadio. As pretensões mais reflexivas, talvez autocríticas, são trituradas em nome do — suposto — deleite pela exposição da violência.