Se o título do ganhador do Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2021 não for um alerta suficiente, convém avisar aos espectadores mais pudicos que resolverem assistir ao filme romeno em cartaz na plataforma de streaming Reserva Imovision: Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental (Babardeala cu Bucluc sau Porno Balamuc) começa mostrando o vídeo da transa de um casal — incluindo masturbação, felação e penetração — que acabou viralizando na internet, para a desgraça solitária da personagem feminina.
Dito assim, parece o enredo da minissérie Pam & Tommy (2022), que reconstituiu o escândalo do vazamento de uma sex tape gravada pelo roqueiro Tommy Lee com a atriz e modelo Pamela Anderson. Mas o filme escrito e dirigido por Radu Jude não se passa na década de 1990, mas durante a pandemia. A protagonista não é uma celebridade, mas uma simples professora de colégio. E o tom não se alterna entre o cômico e o dramático — aqui estamos no terreno do humor absurdo (ou seja, vale um outro recado: risadas não são compulsórias).
Aos 45 anos, o cineasta, ao lado de nomes como Cristi Puiu (A Morte do Sr. Lazarescu, 2005), Catalin Mitulescu (Como Eu Festejei o Fim do Mundo, 2006), Corneliu Porumboiu (A Leste de Bucareste, 2006) e Cristian Mungiu (4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, 2007), é um dos integrantes da chamada Nova Onda Romena, que seduz festivais com obras que vão da sátira política ao exorcismo dos quase 25 anos da ditadura imposta por Nicolau Ceausescu, derrubado e executado em 1989. Também em Berlim, Jude recebeu o troféu de melhor direção por Aferim! (2015), filme no qual, com toques de ironia e até de humor, retrata as origens profundas e cruéis da civilização de seu país. Em Eu Não me Importo se Entrarmos para a História como Bárbaros (2018), ele examinou o massacre de judeus cometido pela Romênia em Odessa, em 1941.
Em Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental, Jude volta-se para a contemporaneidade, mas não deixa de tecer comentários políticos sobre a história de seu país. O filme de cento e poucos minutos está estruturado em um prólogo — o da cena de sexo explícito — e três partes. Na primeira delas, Via de Mão Única, o diretor de fotografia Marius Panduru acompanha a professora Emi (interpretada por Katia Pascariu) em suas andanças por Bucareste em tempos de coronavírus. A sequência, dependendo do ponto de vista e do estado de espírito do público, pode ser considerada brilhante ou enervante. Não há pressa alguma enquanto a protagonista espera para atravessar a rua ou entra em uma loja — aliás, por vezes a câmera esquece da personagem e se concentra em uma vitrine com mochilas infantis ou em uma folhagem suavemente balançada pelo vento. A monotonia é quebrada por algumas conversas de Emi ao telefone com o marido, Eugen, o responsável pela gravação do vídeo, pela altercação entre clientes de um supermercado e por uma discussão quanto a um carro estacionado sobre a calçada.
O objetivo de Jude é, a um só tempo, mostrar como Emi é uma pessoa tão comum quanto qualquer outra, a única diferença é que teve sua intimidade exposta; flagrar os ânimos acirrados de uma coletividade acuada pela covid-19 (embora a doença mal seja citada na trama, as máscaras estão o tempo todo na tela); e refletir sobre como nosso olhar pode ser dispersado, não raro de um assunto importante — como a turbulência política ou a crise sanitária — para uma coisa trivial, uma questão de foro particular que desvia nossa atenção apenas por estar embebida em perfume de escândalo.
Formalmente, a segunda parte é desconexa entre o início e o final do filme. Intitulada como Dicionário de Piadas, Letreiros e Maravilhas, trata-se de uma colagem com imagens de arquivo (documentários, notícias de TV, desenhos animados, fotos, vídeos via celular, etc.) justapostas a legendas irônicas ou ferinas. Ora radiante, ora distante demais da nossa realidade, é o momento em que Jude se debruça sobre o passado, a cultura e a sociedade da Romênia. Ele começa dizendo que em 23 de agosto de 1944, enquanto o país rompia com a Alemanha nazista para se juntar aos Aliados na Segunda Guerra Mundial, um jornal preparava duas edições: a manchete de um era "Vida longa a Stalin!", e a da outra, "Vida longa a Hitler!". Citações a Ceausescu são sucedidas pela exibição de outros atos sexuais (como no verbete Videochat). E já perto do término desse segmento é mencionada uma pesquisa segundo a qual 55% das pessoas acham que o estupro se justifica em alguns casos.
Eis a deixa para a terceira parte, Práxis e Insinuações (Sitcom), na qual o filme corporifica o tribunal das redes sociais. No banco dos réus, com um olhar entre o cansado e o atônito, está Emi: uma reunião com a diretora da escola, colegas de docência e pais de alunos vai decidir se ela deve permanecer ou não no emprego. O elenco é universal, não se restringe ao cenário romeno — tem puritano, tem trans, tem progressista, tem saudoso da ditadura militar, tem gente empática, tem empresário individualista, tem adepto das teorias da conspiração, tem citadores de Freud... O álcool gel e as máscaras podem proteger contra o vírus, mas não evitam a agressividade verbal e não escondem a hipocrisia e o moralismo no que tange à vida sexual, nem o relativismo ou mesmo a negação em relação ao Holocausto. O problema é que, além de soar como comédia envelhecida ao abordar esses temas, Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental acaba se rendendo à tentação de passar uma lição de moral. Com um didatismo óbvio e, a meu ver, desnecessário ao filme (por privar o espectador de captar ele mesmo as contradições e as falácias), a professora rebate os argumentos de seus acusadores: "O que um casal faz entre quatro paredes não é de interesse dos outros", "Os pais são responsáveis pelo que os filhos assistem na internet", "Não ensino teorias da conspiração", "A História esmaga as pessoas comuns", "Respeitar o professor é um dever do aluno, não um direito"...
E qual foi o veredito? Bem, isso cabe ao público descobrir. Ou melhor: decidir. Porque Radu Jude apresenta três finais possíveis. Um deles envolve efeitos especiais, roupa de super-herói e um dildo.