Lembrado como um sádico brutal pelos detentos que sobreviveram às prisões que dirigiu, Alexandru Visinescu ferve com uma fúria violenta.
- Suma já da minha porta, ou você quer que eu pegue um pau para bater em você? - gritou recentemente o ex-comandante de prisões de 88 anos quando um repórter apareceu à porta de seu apartamento no centro dessa capital.
Assim como outras autoridades do antigo governo comunista, Visinescu - hoje um frágil aposentado corcunda - não gosta de ser perturbado. Até recentemente, foi deixado em paz, com uma pensão generosa e um apartamento confortável, cheio de fotografias em preto e branco dele jovem e forte, de uniforme. Ele passava o tempo fazendo caminhadas tranquilas em um parque próximo.
A paz dele acabou no início de setembro, quando promotores em Bucareste anunciaram que Visinescu seria julgado por seu papel nos abusos da era comunista, o primeiro caso do gênero desde que a Romênia derrubou e executou o ditador Nicolau Ceausescu, em dezembro de 1989.
O caso suscitou uma intensa cobertura por parte da mídia e fez nutrir esperanças, mesmo que tímidas, entre as vítimas e seus defensores de que a Romênia possa finalmente seguir o exemplo de seus vizinhos na Europa Oriental e Central em deixar para trás a amnésia nacional a respeito de seu passado brutal e rever a cultura de impunidade que alimentou a corrupção e restringiu o progresso do país, apesar de sua entrada na União Europeia em 2007.
Aos olhos de muitos aqui, a queda e execução de Ceausescu apenas removeu o líder da ditadura mais intrusiva do velho bloco comunista, deixando o sistema por trás em grande parte intacto. Essa continuidade entre as elites comunista e pós-comunista ajuda a explicar por que a resistência a um sério acerto de contas com o passado é particularmente forte na Romênia, onde muitos ainda sentem falta da era comunista.
- Nós estamos vindo de águas muito profundas e sujas - disse Laura Stefan, do Expert Forum, grupo de Bucareste que faz campanha pelo fortalecimento do estado de direito.
- A corrupção tem forte relação com o fato de não falarmos sobre nosso passado - disse. Ela disse que o processo contra Visinescu é bem-vindo, notando que "simplesmente pensar que essas pessoas são culpadas e devem pagar é algo novo".
Um ex-comandante de campos de trabalhos forçados, Ion Ficior, também está sendo investigado e pode ser indiciado.
Mesmo assim, Stefan duvida que as autoridades pensem seriamente em colocar Visinescu e outros na prisão.
- Eu não estou nem um pouco otimista - disse ela.
Também alimenta essas dúvidas o fato de Visinescu ter sido indiciado por genocídio, uma noção que geralmente se aplica apenas aos esforços para liquidar - parcial ou totalmente - um grupo étnico ou religioso, e não à repressão política. E os crimes atribuídos a ele foram cometidos há mais de meio século, antecedendo a ditadura de Ceausescu, que durou de 1965 a 1989 e continua sendo um período politicamente muito mais delicado, porque muitos membros do partido comunista sob o poder de Ceausescu mantiveram posições de poder mesmo após a queda do velho regime.
A dificuldade de sustentar a acusação de genocídio em um tribunal romeno - e também contra qualquer contestação legal na Corte Europeia de Direitos Humanos em Estrasburgo, na França - motiva preocupações de que o caso se revele apenas outro alarme falso nos esforços empreendidos irregularmente pelo país para lidar com o seu passado.
- Eles o indiciaram por genocídio para que pudessem encerrar esse caso sem um resultado - disse Dan Voinea, um professor romeno de criminologia que serviu como promotor no julgamento apressado de Ceausescu e sua mulher, Elena, em 25 de dezembro de 1989.
As elites política e econômica da Romênia, disse Voinea, ainda são dominadas por ex-comunistas, seus parentes e aliados, "que querem assegurar que os crimes do comunismo nunca sejam revelados e nunca processados seriamente".
De fato, os críticos do governo dizem que o processo de Visinescu só ocorreu porque o promotor recebeu um arquivo detalhado do Instituto para a Investigação de Crimes Comunistas, um órgão semipúblico de Bucareste que pesquisa casos arquivados.
A Romênia sob o poder de Ceausescu foi o governo stalinista mais autoritário no Leste Europeu, um pesadelo paranoico durante o qual uma a cada 30 pessoas trabalhou como informante para a impiedosa agência de segurança Securitate. A repressão de Ceausescu à dissidência foi tão completa que os romenos eram proibidos até mesmo de ter máquinas de escrever sem permissão da polícia.
O gabinete do procurador-geral em Bucareste, comandado por um ex-soldado que já atirou contra manifestantes - ou chamados terroristas - durante o levante de 1989 contra Ceausescu se recusou a discutir o caso de Visinescu. Ele não explicou o motivo pelo qual optou por indiciá-lo por genocídio, um crime que será muito difícil de ser provado, mas que pode oferecer uma forma de contornar o prazo prescricional de outros crimes.
Mesmo assim, para muitos aqui, o indiciamento de Visinescu é significativo por promover pela primeira vez alguma forma de prestação de contas em um sistema penal que, segundo pesquisadores do instituto em Bucareste, não apenas submetia os presos a abusos físicos e psicológicos, como também buscava, muitas vezes, o extermínio dos oponentes do governo.
Esse foi o caso, em especial, do presídio de Ramnicu Sarat, a 152,9 mil quilômetros ao nordeste de Bucareste, que era reservado para presos políticos selecionados para um castigo severo. Visinescu comandou o presídio de 1956 a 1963.
- Agora o mal tem um rosto na Romênia. Uma coisa é ter um mal abstrato, mas o público precisa ver um indivíduo - disse Vladimir Tismaneanu, professor na Universidade de Maryland que em 2006 chefiou uma comissão criada pelo governo romeno para examinar os crimes da era comunista em geral.
Aurora Dumitrescu, que foi presa em 1951 aos 16 anos e mandada para um presídio feminino administrado por Visinescu na cidade de Mislea, lembra-se dele como "um monstro". Ela disse que ele sentia prazer em mandar as presas para o "quarto escuro", uma sala de concreto sem janelas, úmida, usada para espancamentos e tortura física.
- Para ele, nós todas éramos apenas animais - disse ela.
Visinescu, por sua vez, que é acusado de envolvimento direto em seis mortes, disse à mídia romena que não pode ser responsabilizado pelas decisões tomadas por seus superiores.
- Nunca matei nada, nem mesmo uma galinha - insistiu Visinescu à TV romena, garantindo que apenas executava as regras da prisão determinadas pelo Diretório Geral de Penitenciárias.
- Sim, pessoas morreram. No entanto, pessoas morreram em outros lugares também. Elas morreram aqui, lá, em todo lugar. A comida e outras condições estavam todas de acordo com o programa. Se eu não tivesse seguido o programa, teria sido demitido. O que eu podia fazer, então? - disse.
Até mesmo algumas de suas vítimas aceitam seu argumento e se perguntam por que apenas uma figura relativamente menor está sendo perseguida após tanto tempo.
- Os chefes são muito mais culpados que ele - o problema era o sistema - disse Valentin Cristea, de 83 anos, o único ex-detento do presídio de Ramnicu Sarat que ainda está vivo.
Com exceção de pessoas envolvidas diretamente na morte de civis desarmados durante o levante de 1989, incluindo o ministro da Defesa na época, nenhuma figura significativa dos órgãos de poder comunistas foi julgada. Os esforços para impedir antigas autoridades de assumir novos cargos não deram em nada.
Quando a comissão de Tismaneanu relatou em 2006 que mais de 2 milhões de pessoas haviam sido mortas ou perseguidas pelas autoridades comunistas, o presidente Traian Basescu endossou as conclusões e disse que era hora de julgar os crimes do passado, para dar um basta ao "peso de uma ferida que não cicatrizou".
Os membros do Parlamento vaiaram enquanto ele falava. Nenhum indiciamento se seguiu.