Sim, há um pênis falante em Pam & Tommy (2022), atração da plataforma de streaming Star+ que recebeu 10 indicações ao prêmio Emmy, incluindo melhor minissérie, atriz (Lily James), ator (Sebastian Stan) e ator coadjuvante (Seth Rogen). Na premiação marcada para o dia 12 de setembro, também vai disputar as categorias de figurinos contemporâneos, maquiagem e cabelos, importantíssimas para a autenticidade da história e a imersão do espectador.
Os oito episódios reconstituem um dos primeiros e mais célebres vazamentos de vídeo íntimo de celebridades, ocorrido entre 1995 e 1997. No caso, uma transa entre a atriz e modelo Pamela Anderson, hoje com 55 anos, e o roqueiro Tommy Lee, baterista da banda glam metal Mötley Crüe, 59. As gravações foram feitas durante a lua de mel dos dois, que se casaram em Cancún, no México, apenas quatro dias depois de se conhecerem. (Antes de se divorciarem, em 1998, eles tiveram dois filhos: Brandon Thomas, nascido em 1996, e Dylan Jagger, em 1997.)
Na era das redes sociais, da fama instantânea e do compartilhamento de tudo — inclusive do chamado revenge porn (pornografia de vingança) e de seu oposto, a publicação supostamente acidental com intuito marqueteiro —, pode ser difícil medir o impacto da divulgação daquelas cenas de sexo. De forma criativa e orgânica — não há narrações em off, e letreiros só são utilizados como marcadores de tempo ou geográficos —, a ficção consegue situar o espectador quanto à época e ao contexto da história.
Em um diálogo humilhante com os carpinteiros que estavam reformando sua mansão em Malibu, Tommy dimensiona o tamanho do Mötley Crüe ao citar que já vendeu 50 milhões de discos. Pamela viaja ao México para promover a série em que encarnava a salva-vidas e símbolo sexual C.J. Parker, Baywatch (1989-1991), conhecido no Brasil como SOS Malibu, que, segundo o Livro Guinness dos Recordes, em 1996 tornou-se o seriado de TV mais assistido do planeta, com 1,1 bilhão de espectadores por semana somando os 142 países nos quais era exibido. A internet ainda era discada e pouco explorada, como demonstra a sequência em que o catalisador do alvoroço midiático, o marceneiro ressentido Rand Gauthier (vivido por Seth Rogen), ao procurar uma ferragem, se dá conta do enorme potencial da rede mundial de computadores.
Em breve, graças ao anonimato da web e a uma parceria de Gauthier com um produtor de filmes pornô, Milton Ingley (Nick Offerman), a fita se transformaria em um dos pioneiros — e muito lucrativos — virais. A ambientação é incrementada pela trilha sonora com pérolas da década: Closer (Nine Inch Nails), Movin' On Up (Primal Scream), Lovefool (Cardigans), Steal my Sunshine (Len), Be my Lover (La Bouche)...
Inspirada pela reportagem "Pam and Tommy: The Untold Story of the World's Infamous Sex Tape", escrita por Amanda Chicago Lewis e publicada pela revista Rolling Stone em 2014, a minissérie foi criada por Robert Siegel, roteirista de filmes como O Lutador (2008) e Fome de Poder (2016). Quem dirige os três episódios iniciais é o australiano Craig Gillespie, de A Garota Ideal (2007) e Cruella (2021), e que já trazia no currículo um premiado filme sobre outro escândalo dos anos 1990; Eu, Tonya (2017), versão ficcional da vida da patinadora estadunidense Tonya Harding e seu ataque a uma colega de equipe olímpica. Os demais capítulos são assinados pelas diretoras Lake Bell (dois), Gwyneth Horder-Payton (dois) e Hannah Fidell (um).
Pamela é interpretada por uma atriz insuspeita para o papel: a inglesa Lily James, protagonista de Cinderela (2015) e coadjuvante de Yesterday (2019), vista também em Mamma Mia!: Lá Vamos Nós de Novo (2018) e Rebecca, a Mulher Inesquecível (2020). O extraordinário trabalho de caracterização inclui maquiagem, peruca, bronzeamento artificial e seios falsos, treinamento vocal para encontrar o timbre certo e uma mescla de sensualidade e doçura, ímpeto e resignação.
Tommy é encarnado pelo romeno-estadunidense Sebastian Stan, o Soldado Invernal do Universo Cinematográfico Marvel e o marido da personagem de Margot Robbie em Eu, Tonya. A metamorfose física — o ator escureceu os cabelos, os olhos (com lentes de contato), os cílios e as sobrancelhas, além de cobrir o corpo com tatuagens temporárias e colocar piercings em mamilos protéticos — contribui para o lado sentimental, realçando o romantismo sui generis do músico, sua imprevisibilidade e seu pendor para a intimidação e a babaquice.
Fruto da combinação de uma prótese animatrônica manipulada por quatro técnicos com a voz do dublador Jason Mantzoukas, o pênis falante surgiu na biografia de Lee, Tommyland (2004). Espécie de diabinho da consciência do roqueiro, é um dos coadjuvantes de luxo na porção comédia de uma obra que também trafega pelo drama e pelo romance, pela trama policial e pela crítica social.
Isso aí: ao contrário do que se poderia imaginar, Pam & Tommy não aposta todas as fichas no trinômio sexo, drogas & rock'n'roll. É verdade que, a julgar pelos três episódios já liberados, pega leva com os aspectos tóxicos da indústria pornográfica, até aqui encarada mais por lentes cômicas — vide o elenco principal do núcleo: Seth Rogen, Nick Offerman (do seriado Parks and Recreation) e Taylor Schilling (a protagonista de Orange Is the New Black).
E é verdade que há uma contradição incontornável na minissérie. Por um lado, condena a invasão de privacidade.
— Isso é tão... íntimo. É como se estivéssemos vendo algo que não deveríamos estar vendo — diz o personagem Milton Ingley na cena em que Rand Gauthier apresenta o vídeo.
— Nossa intenção era segurar um espelho para fazer as pessoas olharem para sua própria culpa em perpetuar esse comportamento viral doentio da internet. Todos somos cúmplices e temos que nos tornar mais conscientes e sensíveis — disse a atriz Lily James ao site IndieWire.
Por outro lado, a minissérie foi feita sem o consentimento de Pamela Anderson. A produção afirma ter procurado a atriz e ativista dos direitos dos animais, que não deu retorno. Sabe-se que o caso foi muito traumatizante, afinal, aos olhos de uma sociedade machista e moralista, ela passou de estrela a pária. Passou de queridinha a alvo do deboche. E apanhada de surpresa pelo início de uma revolução comportamental que passa pelo advento das novas mídias e do empoderamento feminino, Pam tampouco pôde reverter a exposição da intimidade a seu favor, como fariam, já no século 21, Paris Hilton e Kim Kardashian.
Mas Pam & Tommy é bastante empática com Pamela. Nos bastidores de Baywatch, sentimos o constrangimento da atriz quando o diretor e a equipe de produção estão mais preocupados com o enquadramento do bumbum de sua personagem e com o ajuste do maiô vermelho — tinha de mostrar muito das nádegas, mas não a ponto de incomodar a censura — do que em dar oportunidade para um monólogo da salva-vidas C.J. Pamela Anderson era tratada apenas como um corpo.
Mais adiante, Pamela vai a uma agência de comunicação para falar sobre a promoção do filme Barb Wire: A Justiceira (1996). A agente pergunta a ela:
— Qual é a história que você quer contar? Redenção, ressurreição, reinvenção, autorreflexão, sobrevivência, amor... Quando o assunto é carreira, quem te chama a atenção? Quem é teu exemplo? Quer seguir os passos de quem?
Aí, na pele de Lily James, Pamela Anderson finalmente recebe a oportunidade de um monólogo que reflete sobre a rotulagem, a categorização das mulheres como forma de controlá-las ou reduzi-las a estereótipos:
— É uma boa pergunta. Eu teria de dizer Jane Fonda (atriz nova-iorquina, 84 anos completados em 21 de dezembro). Quando ela começou, era só a mocinha bonita e boazinha. E aí ela fez Barbarella (em 1968) e virou um grande símbolo sexual. Aí ela deu a volta e começou a interpretar papéis sérios, dignos de Oscar, sabe? (Fonda ganhou as estatuetas de melhor atriz por Klute: O Passado Condena, de 1971, e Amargo Regresso, de 1978). E tem o ativismo. Ela ia a protestos, era presa. Aí, nos anos 1980 ela simplesmente chega e constrói um império fitness. Sim, ela foi muitas coisas diferentes. Ela foi todas essas coisas opostas ao mesmo tempo. Ela protestou contra a Guerra do Vietnã e vendeu fitas de malhação. Ela foi feminista e objeto sexual. Enchiam tanto o saco dela: "Como pode? Você é hipócrita!". Mas ela não ligou. Ela não se importava com o que achavam dela. Essa deve ser a coisa mais incrível sobre ela. Sabe? Ela não ligou para o que achavam. Ela nunca tentou agradar alguém. Ela dizia: "Quer saber? Sou uma atriz gata, sexy e foda que é contra a Guerra e vende fitas de malhação. Se isso te incomoda, vai te foder". O que tem de mais maneiro?
Impactada, a agente de marketing comenta:
— Essa é uma grande narrativa: liberdade.