Sob as cinzas do regime comunista que chegou ao fim em 1989, com a execução do ditador Nicolae Ceausescu em meio a um levante popular, a cinematografia da Romênia ganhou impulso como uma das mais prestigiadas e premiadas do mundo. No embalo do prestígio internacional alcançado por Radu Mihaileanu e seu Trem da vida (1999), três outros diretores romenos ficaram conhecidos com conquistas em festivais importantes: Cristi Puiu (A morte do senhor Lazarescu, 2005), Corneliu Porumboiu (A leste de Bucareste, 2006) e Cristian Mungiu (4 meses, 3 semanas e 2 dias, 2007).
Puiu está com seu mais recente filme em cartaz no Brasil, Sieranevada, que disputou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2016 e representa a Romênia na corrida pela indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Como tem sido recorrente na cinematografia romena pós-revolução de 1989, o processo de transformação encarado pelo país – as heranças da burocracia estatal, o papel da religião, as inserção política e econômica da comunidade europeia – marca presença presente em Sieranevada dentro de um microcosmo. Combinando o registro dramático com a crônica de costumes em que por vezes brota um humor sarcástico, o diretor apresenta um painel das relações humanas e da história contemporânea dentro de um cenário sempre propício à alta combustão: a reunião de uma numerosa família às vésperas do Natal para homenagear o patriarca recentemente falecido.
Ao longo de quase três horas, Sieranevada ilumina discussões que vão da fidelidade da Disney aos contos de fada clássicos às implicações políticas e ideológicas do atentado contra o jornal francês Charlie Hebdo, em 2015; das mudanças decorrentes do colapso do socialismo no Leste Europeu às consequências do 11 de Setembro na nova ordem mundial, passando pelo papel da internet como oráculo do mundo contemporâneo. Entremeando as conversas, afloram mágoas represadas, vêm à tona inconfidências constrangedoras, uns bebem demais, liberais e conservadores se estranham.
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O médico Lary (Mimi Branescu) se destaca na ciranda percorrendo diferentes núcleos temáticos, com uma encenação hipernaturalista que conecta longos planos-sequências. O tempo do filme é o tempo do recorte temporal apresentado. A ação transcorre praticamente toda dentro do apartamento e seus diferentes cômodos, com a câmera fixada à distância emulando o olhar voyeur do espectador. O tempo do filme é o tempo do recorte temporal apresentado. É um recurso que, além do desafio técnico que seguramente exigiu muito ensaio de elenco e equipe, mostra-se bastante apropriado à ambiciosa proposta de Puiu para mostrar o seu cinema como um grande mural da vida como ela é.
Sieranevada
De Cristi Puiu
Drama, Romênia/França/Bósnia/Croácia/Macedônia, 2016, 173min.
Cotação: 3/5
Horários nesta sexta-feira, em Porto Alegre:
Espaço Itaú 7 (16h10)
Guion Center 2 (20h)