Mais que Amigos (Bros, 2022), em cartaz a partir desta quinta-feira (6) nos cinemas, é uma comédia romântica igual a muitas que você já viu, exceto pelo fato de que é quase totalmente diferente. Explica-se: o roteiro escrito pelo diretor Nicholas Stoller — o mesmo de Ressaca de Amor (2008), O Pior Trabalho do Mundo (2010), Vizinhos (2014) e Vizinhos 2 (2016) — e pelo ator Billy Eichner (visto nas séries Parks and Recreation e Amigos da Faculdade, esta última cocriada por Stoller) tem uma trama e uma dinâmica características dos filmes sobre casais heterossexuais, só que desta vez os personagens principais são gays. Aliás, todo o elenco é LGBTQIA+, incluindo os coadjuvantes de orientação hétero.
Nos Estados Unidos, o filme tem sido promovido como a primeira rom-com (a abreviação em inglês do gênero cinematográfico) gay produzido por um grande estúdio de Hollywood — a Universal Pictures. O próprio Eichner faz o papel do protagonista, Bobby Lieber, apresentador de um bem-sucedido podcast, o 11th Brick (11º Tijolo), uma alusão à revolta ocorrida em 28 de junho de 1969, quando homossexuais reagiram à invasão do bar Stonewall Inn, em Nova York, pela polícia. Por causa do trabalho, ele fala bastante — e o tempo todo, a ponto de, nos primeiros minutos de Mais que Amigos, o personagem poder conquistar a antipatia de uma parcela do público.
Bobby também capitaneia o primeiro museu de história LGBTQIA+, prestes a ser inaugurado mas ainda dependendo de recursos financeiros para a sua última sala, cujo tema rende discussões divertidas com sua equipe. Ele deseja falar de Abraham Lincoln (1809-1865), que teria sido o primeiro presidente gay dos EUA, mas outro quer homenagear a atriz Jodie Foster, que é lésbica. Já Robert (o impagável Jim Rash, do seriado Community) reclama que nunca dão bola para o "B", de bissexual, na sigla da comunidade.
Na vida amorosa, Bobby, na casa dos 40 anos, posa de solteiro convicto enquanto todos os seus amigos formam casais — seja homossexual, heteronormativo ou até um trisal. Satisfaz-se (ou frustra-se) em aventuras de uma tarde ou noite, procurando um par no aplicativo Grindr. Até que, durante uma festa em um bar, conhece Aaron (Luke Macfarlane), advogado que trabalha com testamentos.
Os dois têm algo em comum — o sarcasmo e um certo medo de compromisso —, mas também pontos de contraste. Bobby não se sente atraente, Aaron é saradíssimo ("É um Tom Brady gay", brinca o primeiro). Bobby é asssumido e ativista, Aaron é mais reservado. Bobby é judeu, Aaron comemora o Natal. Bobby adora Mariah Carey, Aaron curte Garth Brooks.
Como é típico nas comédias românticas, os dois personagens vão ter encontros e desencontros, vão passar por crises e processos de autoconhecimento, vão viver momentos de ternura e cenas mais picantes. A diferença crucial é que, desta vez, o protagonismo é todo das pessoas LGBTQIA+, com o seu cotidiano, os seus prazeres, as suas neuras, o seu tipo de humor. Nesse sentido, Mais que Amigos mostra-se um eficiente exercício de metalinguagem: ao mesmo passo em que, na trama, Bobby quer contar no museu a história do movimento, destacando seus personagens, o filme quer dar voz e visibilidade a gays, lésbicas, bissexuais e trans, sem relegá-los a papéis coadjuvantes e em um contexto distante dos dramas hollywoodianos que costumam abordar o tema.
— Héteros adoram ver a gente sofrer — ironiza Bobby, dizendo que não aguenta mais "caubóis gays e torturados", numa referência a dois títulos indicados ao Oscar de melhor filme: O Segredo de Brokeback Mountain (2005) e Ataque dos Cães (2021).
E "Todo mundo é livre para se sentir bem", diz a letra da canção lançada em 1991 por Rozalla que anima a inauguração do museu.
Dito isso, convém avisar ao espectador mais pudico e menos entendido sobre o mundo gay: as piadas de Mais que Amigos vão de um diálogo em que Bobby fala sobre ser "fucked in the ass" por Jason Momoa até uma (hilariante) orgia, passando pela participação especial de Debra Messing, atriz da série cômica Will & Grace (1998-2006/2017-2020), que ajudou a mudar a maneira como a opinião pública via a comunidade LGBTQIA+. Quando era vice de Barack Obama, o atual presidente dos EUA, Joe Biden, chegou a dizer que Will & Grace tinha feito mais para educar os estadunidenses sobre esse assunto do que qualquer outra coisa. No filme, essa condição vira motivo de um engraçado desabafo.