Estreia nesta quinta-feira (2) nos cinemas brasileiros um dos títulos mais celebrados da temporada: Os Banshees de Inisherin, que recebeu nove indicações ao Oscar. No dia 12 de março, na festa da Academia de Hollywood, vai disputar os prêmios de melhor filme, direção (Martin McDonagh, que também é o roteirista e um dos produtores), ator (Colin Farrell), ator coadjuvante (Brendan Gleeson e Barry Keoghan), atriz coadjuvante (Kerry Condon), roteiro original, edição (Mikkel E.G. Nielsen) e música (Carter Burwell).
Entre os 10 concorrentes à principal estatueta dourada, Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin, 2022) só perde para Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo no número de premiações. Até esta quarta-feira (1º), somava 108 vitórias, contra as 261 da aventura de uma imigrante chinesa pelo multiverso. A lista inclui três Globos de Ouro: melhor comédia ou musical, ator (Farrell) e roteiro. Também está competindo aos troféus da Associação dos Diretores dos EUA, em 18 de fevereiro, e da Associação dos Produtores dos EUA, em 19 de fevereiro; em nove categorias no Bafta (incluindo melhor filme e direção), que a Academia Britânica entregará na mesma data; e aos prêmios de melhor elenco, ator, ator coadjuvante (com Gleeson e Keoghan repetindo a dobradinha) e atriz coadjuvante no SAG Awards, concedido pelo Sindicato dos Atores dos EUA e marcado para 25 de fevereiro.
Nascido em Londres e filho de pais irlandeses, McDonagh, 52 anos, alterna a carreira entre o teatro e o cinema e já se tornou figura assídua no Oscar. Foi indicado por quatro dos cinco títulos que dirigiu — e ganhou o prêmio de curta-metragem por O Revólver de Seis Tiros (2004). Depois, concorreu por Na Mira do Chefe (2008), pelo roteiro original, e por Três Anúncios para um Crime (2017), nas categorias de melhor filme (como um dos produtores) e roteiro original.
Em O Banshees de Inisherin, o cineasta volta a trabalhar com Colin Farrell, 46, protagonista de Na Mira do Chefe e de Sete Psicopatas e um Shih Tzu (2012), seu segundo longa. E novamente coloca o ator irlandês a contracenar com seu conterrâneo Brendan Gleeson, 67 — no filme de 2008, os dois haviam demonstrado química ao interpretarem assassinos de aluguel que precisam se esconder na cidade medieval de Bruges, na Bélgica.
A trama agora se passa na fictícia ilha de Inisherin, na Irlanda dos anos 1920. Farrell encarna Pádraic Súilleabháin, um pequeno produtor de leite que leva uma vida pacata na companhia de sua irmã, Siobhán (Kerry Condon, das séries Roma, Ray Donovan e Better Call Saul), e da burrica Jenny. Ela — Siobhán — parece ser a única moradora com maiores aspirações, o que provavelmente não inclui corresponder ao interesse amoroso de Dominic (Barry Keoghan, de Dunkirk e Chernobyl), o bobo do vilarejo, mas também um sujeito sensível e sofrido.
Essas duas características do personagem serão observadas pouco a pouco, pois, embora os 114 minutos de duração tornem Os Banshees de Inisherin o segundo mais curto competidor no Oscar de melhor filme — oito dos 10 ultrapassam as duas horas —, McDonagh e seu montador, o dinamarquês Nielsen (oscarizado por O Som do Silêncio), adotam um ritmo que pode ser considerado lento. Por outro lado, a cadência e a contemplação possibilitam ao público apreciar não apenas a beleza das paisagens gélidas e verdejantes e a rusticidade dos cenários, captadas pelo diretor de fotografia Ben Davis, mas também as nuances de interpretação — um outro tipo de paisagem, a do rosto dos atores. E a quietude, quando quebrada, valoriza os diálogos ora mordazes, ora pungentes, escritos como se fossem peças de ourivesaria.
Pádraic, por sua vez, parece ter como único compromisso a cerveja escura que toma no pub local, todos os dias, sempre às 14h, com seu melhor amigo, o violinista e compositor Colm Doherty (Brendan Gleeson). A propósito, o nome do filme vem de uma música na qual Colm está trabalhando e do folclore irlandês. Banshees são espíritos femininos que gritam e lamentam, sinalizando que um membro da família morrerá em breve. Em cena, a Sra. McCormick (papel de Sheila Flitton), uma velha fumante de cachimbo, alude a essa figura.
De cara, surge o conflito dramático: unilateralmente, sem dar muita explicação, Colm rompe a amizade. Passa a evitar o outrora companheiro de trago e conversa. Pádraic não se conforma, e a partir daí Os Banshees de Inisherin transforma-se em uma tragicomédia.
Por si só, a situação engaja e intriga o espectador. Pensamos sobre nossos amigos, sobre o que oferecemos a eles, e vem à mente a clássica pergunta, "o que você faria?", tanto no lugar de Pádraic quanto no de Colm. Mas basta uma olhada ao horizonte para entender por que não é somente o elenco de Os Banshees de Inisherin que vem disputando e conquistando prêmios.
Os personagens de Martin McDonagh vivem em uma ilha, que geográfica e simbolicamente funciona como um microcosmo. Assim como há algo maior do que a ilha — o continente —, há algo maior no filme do que a cisão entre os dois amigos. Na costa do outro lado da água de Inisherin, pode-se vislumbrar as explosões denunciadas pelo som das balas de canhão. O pano de fundo histórico é uma época tumultuada para a Irlanda: de 1919 a 1921, aconteceu a guerra pela independência; em 1921, foi criada a Irlanda do Norte, cuja maioria é protestante (na Irlanda, predomina o catolicismo) e unionista, ou seja, quer permanecer parte do Reino Unido; entre 1922 e 1923, houve uma guerra civil provocada por desentendimentos no movimento republicano a respeito do Tratado Anglo-Irlandês.
A batalha pessoal de Pádraic e Colm evoca esse confronto no qual homens que lutaram lado a lado agora enfrentam um ao outro. Mas o microcosmo de Inisherin não serve como metáfora apenas da Irlanda ou apenas de uma guerra civil. Representa qualquer cenário onde alguma diferença — política, religiosa, sexual, esportiva etc. — se impõe e anula as muitas semelhanças. Onde as pessoas dão um dedo para não dar o braço a torcer. Onde o ressentimento queima e se alastra.