Disponível a partir desta quarta-feira (1º) no Disney+, Pantera Negra: Wakanda para Sempre é a segunda aventura no fictício reino africano a conquistar um feito inédito para o Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês) no Oscar. O terceiro, para ser exato.
Pantera Negra (2018) já havia sido o primeiro longa-metragem de super-herói a ser indicado ao Oscar de melhor filme. Também foi o primeiro (e até agora único) título da Marvel a receber da Academia de Hollywood uma estatueta dourada. Foram três: design de produção (Hannah Beachler e Jay Heart), figurino (Ruth E. Carter) e música (Ludwig Göransson). Concorreu ainda nas categorias de edição de som, mixagem de som e canção original.
Wakanda para Sempre (no original, Black Panther: Wakanda Forever, 2022) recebeu cinco indicações ao prêmio — no total, os filmes do Pantera Negra respondem por 11 do total de 26 do UCM. A mais reluzente é a de Angela Bassett, como atriz coadjuvante. É a primeira vez que a Marvel disputa um Oscar de interpretação. Também briga pelos troféus de figurino (de novo com Ruth E. Carter), maquiagem e cabelos (Camille Friend e Joel Harlow), efeitos visuais e canção — Lift me Up (por Tems, Rihanna, Ryan Coogler e Ludwig Göransson), que toca no epílogo.
Falando em epílogo, "a morte não é o fim", diz uma personagem. Na verdade, a morte é o início no 30º filme do MCU (confira um ranking do pior ao melhor). A trama já começa prestando homenagem ao ator que encarnava o rei T'Challa, Chadwick Boseman, morto em agosto de 2020, aos 43 anos, em decorrência de um câncer colorretal. Na primeiríssima cena do longa-metragem dirigido por Ryan Coogler (o mesmo realizador do anterior), Shuri, a princesa cientista interpretada por Letitia Wright, reza para uma divindade:
— Bast, permita-me curar meu irmão.
Wakanda é esse utópico reino africano, onde ciência e religiosidade convivem harmoniosamente, onde a alta tecnologia está vinculada a rituais e saberes tradicionais. Mas os recursos e os esforços de Shuri são em vão: o coração de T'Challa — cujo corpo jamais é visto na tela — para de bater.
Se este é um começo sui generis para um filme de super-herói, o que se segue é um funeral sui generis. Shuri, a rainha Ramonda (Angela Bassett, esplendidamente bela e vigorosa aos 64 anos), M'Baku (Winston Duke) e os demais integrantes da corte de Wakanda estão todos vestidos de branco. A procissão é triste, mas no entorno o povo dança em memória ao nobre monarca. Depois que o caixão preto adornado, em prata, por emblemas da máscara do Pantera Negra e da típica saudação de braços cruzados chega a seu destino final, uma montagem recupera imagens de Boseman na pele do personagem, até formar o logotipo da Marvel.
O silêncio desse momento é um indício de que Pantera Negra: Wakanda para Sempre será um dos mais sóbrios filmes da Marvel — se não for o mais sóbrio. As piadas são escassas e estão nas bocas certas, como a da adolescente Riri Williams (Dominique Thorne), uma gênia que ingressou precocemente no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A música não é onipresente, e algumas das composições do sueco Ludwig Göransson alternam-se entre o fúnebre e o aterrador. O contraste fica por conta dos esfuziantes figurinos de Ruth E. Carter, que combina inspiração afrofuturista com elementos étnicos.
Os temas também são sérios no roteiro escrito por Coogler e Joe Robert Cole. Se em Pantera Negra a dupla abordou a herança nefasta do colonialismo e da escravização, a desigualdade social, a ganância militar e o isolacionismo político, em Wakanda para Sempre trabalham as diferentes formas que temos para lidar com o luto e as diferentes formas de povos oprimidos e explorados reagirem.
Por um lado, o filme faz um comovente mas respeitoso exercício de metalinguagem, pois não apenas os personagens choram a morte de T'Challa, mas também os atores sentem a falta de seu estimado colega de elenco. E se o público entra no cinema já ciente de que a reverência a Boseman poderá provocar lágrimas, acontecimentos da trama geram algo raro nas produções do MCU: o risco emocional.
Pelo outro lado, Wakanda para Sempre permite à Marvel continuar a expansão de seu universo, apresentando novos mundos e novos personagens, pavimentando o caminho para futuras aventuras (a própria Riri terá uma série, Ironheart, prevista para 2023). Tudo começa com a busca pelo vibranium, o metal superpoderoso que, supostamente, só é encontrado nas terras africanas. Em discurso na ONU, a rainha Ramonda expõe a hipocrisia dos países ocidentais, que, pelas costas, buscam se apoderar do vibranium. Em uma missão no Oceano Atlântico, uma equipe paramilitar dos Estados Unidos acaba deparando com o exército de uma nação submarina, Talokan, que é comandada por Kukulkan, conhecido pelos habitantes da superfície como Namor.
Interpretado pelo mexicano Tenoch Huerta Mejía, com orelhas pontudas e asas nos pés, Namor é um dos mais antigos super-heróis dos quadrinhos. Surgiu em 1939, criado por Bill Everett. Veio antes, portanto, de Aquaman, seu similar na rival da Marvel, a DC, lançado nos gibis em 1941. Mas como no cinema Aquaman estreou antes (em Liga de Justiça, de 2017) e já houve uma representação do reino de Atlântida (no filme solo de 2018), Coogler e Cole decidiram criar uma origem totalmente diferente para o personagem. Ao amalgamar mitos e lendas mesoamericanas — Talokan é, presumivelmente, Tlalocan, cidade asteca afundada pelo deus da chuva, Kukulkan é o nome de uma divindade maia —, Wakanda para Sempre pode enfurecer os puristas e os conservadores, ao mesmo tempo em que oferece um espelho embaraçoso sobre a aniquilação dos povos nativos da América pelos invasores europeus.
Há mais inovações, ainda que à primeira vista possam não saltar aos olhos. Sem alarde, a Marvel fez seu primeiro filme com uma superequipe feminina. A exemplo do recente A Mulher Rei (2022) — título com o qual há também semelhanças temáticas —, Wakanda para Sempre conta uma história de união, resistência, amadurecimento e vingança protagonizada por mulheres negras. Além de Shuri, Ramonda e Riri, temos Nakia, a espiã interpretada por Lupita Nyong'o, e três guerreiras Dora Milaje: Okoye (Danai Gurira), Ayo (Florence Kasumba) e Aneka (Michaela Coel, da minissérie I May Destroy You, estreando no MCU).
O elenco (aí incluído Tenoch Huerta Mejía) é um dos trunfos do filme, que, como Pantera Negra, deixa a desejar nos efeitos visuais — às vezes, os voos de Namor não são tão fluidos, por exemplo. Por segurança, aposta-se mais nos combates corpo a corpo e na câmera lenta. Talvez Wakanda para Sempre careça da ação épica ou eletrizante procurada por fãs do gênero. Talvez os aspectos geopolíticos intriguem em demasia o espectador (seria spoiler entrar em detalhes). Talvez a duração — duas horas e 40 minutos — pudesse ser saudavelmente reduzida se cortassem a participação do agente Ross (Martin Freeman), que praticamente só se justifica por uma boa piada do final. Talvez alguém possa até reclamar de haver apenas uma cena pós-créditos — mas daí essa pessoa precisa urgentemente checar se ainda tem um coração.