Acaba de chegar à plataforma HBO Max um dos meus filmes preferidos dos últimos anos. Nove Dias (Nine Days, 2020) é um desses tesouros escondidos, títulos para os quais muita gente pode não dar bola. Por isso, recomendo uma, duas, três vezes se achar preciso.
Trata-se de um drama sobrenatural escrito e dirigido por um estreante em longas-metragens, o nipo-brasileiro radicado em Los Angeles Edson Oda, com o modesto orçamento de US$ 10 milhões — nas bilheterias, não arrecadou nem 10% disso (ficou em US$ 906,8 mil).
O curioso é que Nove Dias traz no elenco atores e atrizes vistos em superproduções de Hollywood que atraíram multidões aos cinemas: Winston Duke (o guerreiro africano M'Baku de Pantera Negra e Wakanda para Sempre), Zazie Beetz (a Domino de Deadpool 2 e a vizinha de Arthur Fleck em Coringa), Benedict Wong (o mago Wong do Universo Cinematográfico Marvel) e Bill Skarsgård (o palhaço Pennywise de It: A Coisa e It: Capítulo Dois). Há também Tony Hale, ganhador de dois troféus Emmy de coadjuvante pelo Gary Walsh da série cômica Veep, que lhe valeu outras quatro indicações.
Vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Sundance, Nove Dias é uma espécie de mistura entre Depois da Vida (1998) — uma inspiração assumida por Edson Oda — e Soul (2020), a oscarizada animação da Pixar.
No filme do cineasta japonês Hirokazu Kore-eda, funcionários de uma repartição burocrática do além ouvem de cada morto chegado ao lugar o relato de sua lembrança mais querida para depois filmá-la. O objetivo é que o finado possa assisti-la em uma sala de cinema e guardá-la na memória para sempre.
No desenho animado de Pete Docter e Kemp Powers, um pianista de jazz sofre um acidente e desperta na escada para o pós-vida, algo como o paraíso. Ao tentar fugir dali, ele vai parar na pré-vida, onde novas almas são moldadas antes de irem para a Terra, obtendo personalidade e interesses.
Os três filmes combinam criatividade, delicadeza e toques de ficção científica e de metalinguagem em nome de uma ambiciosa pretensão artística: desvendar o sentido da vida, retratar aquilo que nos configura como seres humanos, mostrar o que existe "do outro lado".
Em Nove Dias, o outro lado consiste em uma casinha simpática localizada no que parece ser uma praia deserta. Lá, mora o protagonista interpretado por Winston Duke, Will — que, em inglês, pode ser traduzido como força de vontade, desejo, inclinação ou arbítrio, conceitos familiares à função desempenhada pelo personagem.
No começo da trama, ele acompanha, via fitas VHS exibidas em aparelhos antigos de TV, a vida pelo olhar de pessoas como uma talentosa jovem violinista, Amanda, um garoto que sofre bullying na escola, Rick, uma noiva às vésperas do casamento, Luiza, e um policial que ficou paraplégico, Fernando. Quando uma dessas pessoas morre inesperadamente, cabe a Will escolher uma nova alma para encarnar e ocupar a vaga aberta no plano da existência. O processo de entrevistas e provas dura os nove dias referidos no título.
Contar o que acontece daqui em diante é privar o espectador do encantamento que Oda oferece. Mas dá para dizer que os testes promovidos por Will junto aos candidatos espelham dilemas morais e éticos da vida real. As perguntas que ele faz quando mostra as fitas de vídeo aos pretendentes — do que você gostou? Do que você não gostou? — ajudam não apenas a compreender melhor a personalidade dos personagens (um é mais brincalhão, o outro é mais agressivo, um terceiro está sempre inseguro e se cobrando, e há aquele que apresenta um espírito livre e questionador); também convidam a gente, os que estamos do outro lado do filme, a refletir sobre como encaramos a vida, quem somos, o que estamos fazendo, o que realmente nos comove e como queremos ser lembrados.