A Argentina já é tricampeã no futebol. Agora, sonha com o tri no cinema.
Depois da Copa do Mundo erguida por Messi em Doha, o país tem a esperança de conquistar pela terceira vez o Oscar de melhor filme internacional. Argentina, 1985 (2022), o título escolhido para tentar uma vaga na premiação da Academia de Hollywood, está bem cotado para aparecer entre os cinco indicados. Afinal, já concorre ao Globo de Ouro, que será concedido pela Associação de Imprensa Estrangeira, no dia 10 de janeiro, e ao Critics Choice Awards, realizado pelos críticos de rádio, TV e internet dos Estados Unidos e do Canadá, em 15 de janeiro.
Para marcar os feitos do camisa 10 no Catar, fiz uma lista com 10 filmaços argentinos disponíveis no streaming.
1) A História Oficial (1985)
Primeira produção argentina a ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro, o filme dirigido por Luis Puenzo retrata a vida de uma professora de história (Norma Aleandro) que, após o final do regime militar, tenta descobrir quem é a mãe biológica de sua filha adotada. (Netflix)
2) Nove Rainhas (2000)
É um dos filmes que lançaram o ator argentino Ricardo Darín para o mundo. Ele interpreta um pequeno vigarista que se une a outra picareta (Gastón Pauls) para tentarem dar um golpe milionário, que envolve uma série de selos falsificados conhecidos como Nove Rainhas. Difícil saber quem está enganando quem neste filme que consegue equilibrar tensão, humor, drama e um comentário sobre a crônica crise econômica na Argentina. A direção é de Fabián Bielinsky, morto em 2006, vítima de ataque cardíaco num quarto de hotel de São Paulo, onde realizaria uma seleção de elenco para um trabalho publicitário. (Star+)
3) O Segredo dos Seus Olhos (2009)
O cineasta Juan José Campanella dirige seu ator mais assíduo, Ricardo Darín, nesta mistura de policial noir, drama político e romance. O astro interpreta um oficial de justiça aposentado que resolve escrever um livro sobre um crime que investigou 25 anos atrás, na década de 1970. Trata-se de um estupro seguido de assassinato de uma jovem e bela mulher (Carla Quevedo). Ao puxar os acontecimentos pela memória, e não resistir à tentação de finalmente resolvê-los, o investigador se envolve pessoalmente com o caso, descobrindo ligações com a ditadura militar e abrindo a possibilidade de solucionar também uma paixão mal resolvida com uma colega de trabalho (Soledad Villamil). A mescla de gêneros se completa com o humor de seu parceiro (Guillermo Francella). Fenômeno de público — em Porto Alegre, por exemplo, ficou 35 semanas em cartaz no saudoso cine Guion —, O Segredo dos seus Olhos conquistou o Oscar de melhor filme internacional e cinco prêmios no Festival de Havana. (Amazon Prime Video e Star+)
4) O Patrão: Radiografia de um Crime (2014)
Baseado em uma história real, o filme do diretor Sebastian Schindel registra o calvário do humilde e analfabeto Hermógenes (em premiada atuação de Joaquín Furriel), que assassinou o dono do açougue do qual era gerente. Por quê? (Netflix)
5) Relatos Selvagens (2014)
Indicada ao Oscar de melhor filme internacional, a comédia sinistra do argentino Damián Szifron apresenta seis episódios independentes, um deles protagonizado por Ricardo Darín. Ele faz um engenheiro especializado em implosões, mas que explode diante da burocracia e do pouco caso que os serviços públicos dispensam ao contribuinte. Entre as outras histórias, uma se passa em um avião, onde revela-se que todos os passageiros são desafetos do piloto, e outra em uma festa de casamento, onde a noiva descobre que o noivo é amante de uma das convidadas. Os personagens vão até as últimas consequências, sem se preocuparem com a moral nem a lei, proporcionando um riso catártico do espectador. O filme causa gargalhadas em cenas que deveria chocar, mas não exclui o comentário social: mostra como nossa ilusão de civilização está sempre por um fio, ainda mais nesses tempos em que as redes sociais contribuíram para a agressividade e as polarizações. (HBO Max)
6) O Clã (2015)
O cineasta Pablo Trapero conta uma história que tangencia o improvável: entre 1982 e 1985, a aparentemente pacata família Puccio esteve envolvida no rapto e no assassinato de empresários, sequestrados em troca de resgates milionários e escondidos na própria casa onde viviam o casal e seus filhos, no bairro portenho de San Isidro. O patriarca e mentor dos crimes era um agente do serviço de inteligência da mais recente ditadura argentina (1976- 1983), que se aproveitava da experiência adquirida nas sombras do poder e da influência que os militares ainda gozavam nos primeiros tempos de democracia para perpetrar seus golpes. Quem encarna no filme Arquímedes Puccio é Guillermo Francella, de O Segredo dos Seus Olhos: popular astro argentino de comédias, o ator está sinistramente cativante como o chefe de família que demanda com seu frio olhar a cumplicidade da mulher e dos jovens filhos – estabelecendo uma relação em particular tensa com o primogênito Alejandro (Peter Lanzani), que chegou a integrar a seleção de rúgbi da Argentina. (Star+)
7) O Cidadão Ilustre (2016)
A comédia dramática de Gastón Duprat e Mariano Cohn trouxe a consagração internacional a Oscar Martínez, que levou a Copa Volpi de melhor ator do Festival de Veneza. No filme, ele interpreta Daniel Mantovani, um escritor argentino que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura graças a livros que se caracterizam por retratar com olhar crítico a vida provinciana em Salas, a pequena cidade onde nasceu. Um dia, depois de muitos anos longe do lugar, o autor recebe um convite para receber uma homenagem local. A visita reserva surpresas e perturbações. (Netflix)
8) Crimes de Família (2020)
Cecilia Roth — a estrela de Tudo Sobre Minha Mãe, de Pedro Almodóvar — protagoniza o filme de Sebastian Schindel que entrelaça as histórias de dois crimes. Um deles foi cometido pelo filho único de um casal da elite, o outro, pela empregada doméstica dos mesmos personagens. Trata-se de um retrato seco sobre privilégios e hipocrisias. (Netflix)
9) Argentina, 1985 (2022)
Com direção de Santiago Mitre, o título escolhido pelos argentinos para concorrer a uma vaga no Oscar de melhor filme internacional tem pelo menos três trunfos. Primeiro: aborda os horrores cometidos durante a ditadura militar, entre 1976 e 1983, a exemplo de A História Oficial. Segundo: o protagonista é Ricardo Darín, ator que esteve à frente do elenco do oscarizado O Segredo dos seus Olhos e que atuou em outros dois títulos do país indicados ao prêmio: O Filho da Noiva (2001) e Relatos Selvagens. Terceiro: é um drama de tribunal, subgênero bastante apreciado pela Academia de Hollywood. Aliás, o longa-metragem tem algum parentesco com Julgamento em Nuremberg (1961), premiado nas categorias de melhor ator e roteiro adaptado e concorrente em outras nove. Argentina, 1985 apresenta uma versão ficcionalizada do maior julgamento civil de crimes cometidos pelo Estado desde os tribunais organizados pelos Aliados entre 1945 e 1946, depois da Segunda Guerra Mundial, nos quais lideranças nazistas foram processadas. É outro feito alcançado pelos argentinos mas não pelo Brasil. (Amazon Prime Video)
10) Vamos Consertar o Mundo (2022)
O filme dirigido por Ariel Winograd, o mesmo de O Roubo do Século (2020), guarda algumas semelhanças com outra comédia recente do país vizinho — Granizo (2022). Aliás, por coincidência os dois filmes começam com uma tempestade. Novamente, temos como protagonista uma figura proeminente da televisão que vai sofrer um revés profissional e que tem assuntos ligados à paternidade a resolver. É o produtor David, encarnado pelo ótimo ator Leonardo Sbaraglia. Esse personagem comanda um programa de boa audiência, em que atores fingem ser pessoas comuns convidadas a solucionar conflitos domésticos ou de trabalho.
Como Granizo, Vamos Consertar o Mundo acrescenta toques de tragédia e de melodrama. Sem avançar muito na sinopse, basta dizer que David terá de aprender a ser pai de Benito (Benjamín Otero, um talento mirim), um menino de nove anos _ sendo que o filho pode nem ser seu. Uma vantagem em relação a Granizo é que Vamos Consertar o Mundo equilibra melhor os momentos de humor e de drama. Se serve como indicativo, ri mais com as desventuras de David do que com as do meteorologista Miguel e chorei quase convulsivamente na cena do abraço. (Netflix)