Dois filmes lançados recentemente pela Netflix — o argentino Vamos Consertar o Mundo e o espanhol Lua de Mel com a Minha Mãe — formam um reconfortante programa duplo. Ambos tratam da relação entre pais e filhos sob o gênero da comédia, mas as boas e fartas piadas também deixam espaço para momentos de emoção e reflexão.
Vamos Consertar o Mundo (2022) é dirigido por Ariel Winograd, que demonstrou mão para o cinema popular em títulos como Sem Filhos (2015) e O Roubo do Século (2020). Depois desse último filme, em que reencena um histórico assalto a banco ocorrido em 2006 na Argentina, o cineasta volta a trabalhar em sua zona de conforto, a das comédias românticas e/ou familiares — vide Meu Primeiro Casamento (2011), o já citado Sem Filhos, Permitidos (2016), Mamãe Foi Viajar (2017) e Tod@s Caen (2019).
O roteiro assinado por seu habitual parceiro, Mariano Vera, conta uma história que guarda algumas semelhanças com outro recente sucesso argentino na Netflix — Granizo (2022), de Marcos Carnevale. Aliás, por coincidência os dois filmes começam com uma tempestade.
Novamente, temos como protagonista uma figura proeminente da televisão que vai sofrer um revés profissional e que tem assuntos ligados à paternidade a resolver — o produtor David Samarás, encarnado pelo ótimo Leonardo Sbaraglia, ator de Plata Quemada (2000), Relatos Selvagens (2014), Dor e Glória (2019) e Coração Errante (2021), ganhador do Kikito de Cristal no Festival de Gramado de 2019. Esse personagem comanda um programa de boa audiência, o Hoy se Arregla el Mundo, em que atores fingem ser pessoas comuns instadas a solucionar conflitos domésticos ou de trabalho. Como Carnevale em Granizo, Winograd acrescenta toques de tragédia e de melodrama. Sem avançar muito na sinopse, basta dizer que David terá de aprender a ser pai — sendo que o filho pode nem ser seu: Benito (Benjamín Otero, um talento mirim), nove anos, suposto fruto de um relacionamento casual com Silvina (Natalia Oreiro).
Uma vantagem em relação a Granizo é que Vamos Consertar o Mundo equilibra melhor os momentos de humor e de drama. Se serve como indicativo, ri mais com as desventuras de David Samarás do que com as de Miguel Flores e chorei quase convulsivamente na cena do abraço, graças a sua simplicidade técnica e a sua honestidade emocional.
Lua de Mel com a Minha Mãe (2022) não deixa de falar sobre coisas sérias, nem de passar sermão em maridos desatentos e filhos ingratos, mas investe mais alto na chave do humor. Com roteiro de Cristóbal Garrido e Adolfo Valor (a mesma dupla da minissérie Os Reis da Noite, de 2021, disponível na HBO Max) e direção de Paco Caballero — realizador da comédia picante Se Organizar Direitinho... (2021, na Netflix) —, a trama também começa com uma tempestade, mas esta é no sentido figurado.
O jovem José Luís (Quim Gutiérrez) é abandonado no altar pela noiva. Como o título entrega, para minimizar o prejuízo financeiro e para realizar um sonho materno, ele acaba aceitando viajar às Ilhas Maurício, na costa leste da África, tendo como "esposa" a própria mãe: Mari Carmen, divertida personagem vivida por Carmen Machi, atriz premiada pela comédia Ocho Apellidos Vascos (2014) e pelo drama A Porta Aberta (2016).
A lua de mel de mentirinha será marcada por confusões e concessões, rendendo alguns momentos impagáveis — vide a cena do banho de sol à beira da piscina — e outros nem tanto (para mim, não deu liga com a recepcionista do hotel interpretada por Yolanda Ramos). Tal qual Vamos Consertar o Mundo, com uma hora e 53 minutos, o filme de Caballero tem uma duração que parece maior do que a necessária, mas seus 110 minutos permitem ao diretor desenvolver bem seus protagonistas, sobretudo Mari Carmen. Pode ser que, a exemplo do que ocorre com José Luís, muitos espectadores aprendam a ser filhos, deixando de ver a mãe apenas como a figura materna, a eterna cuidadora — antes disso, mais do que isso, elas também são pessoas, também são mulheres, com seu cabedal de desejos, alegrias e frustrações.