Há mil problemas maiores — do desemprego e da inflação no Brasil à guerra na Ucrânia, do racismo e da homofobia à violência contra as mulheres —, mas às vezes a gente acaba se ocupando dos problemas menores justamente porque parecem mais resolvíveis. Não raro, a solução está ao alcance das nossas mãos — literalmente. Basta um clique no controle remoto, no mouse ou no celular.
O probleminha em questão está ligado às séries, que, como os filmes, são essenciais para que a gente possa lidar melhor com os problemões. Filmes e séries não são arroz e feijão, mas alimentam nosso espírito. Não são dinheiro, mas enriquecem nossa cultura (na verdade, geram empregos e movimentam a economia, mas tem gente que não quer enxergar isso). Não são remédios, mas ajudam a curar a fossa, o luto, a saudade. Não são salas de aula, mas educam, expandem horizontes, inspiram carreiras (muitos médicos e cientistas do combate à pandemia escolheram essas profissões por causa de dramas hospitalares e ficções científicas assistidos na infância ou na adolescência). Não são casas, mas nos abrigam quando estamos precisando fugir do mundo por um par de horas.
O contrário também ocorre: filmes e séries trazem o mundo para dentro de nossas casas (inclusive mundos que nunca vamos visitar, porque fantasiosos). E podem fazer o mundo conhecer o que acontece nas nossas casas: não faltam obras que denunciaram violações dos direitos humanos, expuseram crimes de Estado, deram palco e voz para populações oprimidas e silenciadas.
Enfim: as séries são como um refúgio emocional, um intervalo na realidade, um ponto de conexão com outras pessoas — os amigos e desconhecidos que acompanham as mesmas histórias. Também são lugares onde podemos fazer novos companheiros: os personagens com quem temos um encontro marcado a cada semana ou passamos horas a fio (as maratonas empreendidas com seriados já encerrados ou com aqueles em que os episódios são lançados todos de uma vez só).
Mas as séries são exigentes. Uma porção delas nos obriga a um comprometimento para o qual nem sempre temos tempo ou paciência — Grey’s Anatomy, por exemplo, já soma 18 temporadas, e a turca O Grande Guerreiro Otomano (Resurrection Ertugrul no título em inglês) conta com 448 episódios. Eu admiro os fãs fiéis de Law & Order: SVU, no ar desde 1999, ou quem pega para ver de cabo a rabo os oito dias de cão que Jack Bauer viveu de 2001 a 2010 em 24 Horas. Mas tenho medo de investir horas preciosas e depois me decepcionar, ou penso em quantos outros filmes e seriados eu poderia ter visto.
Daí que prefiro assistir a séries curtas, em especial as minisséries, porque são finitas por natureza — coisa de cinco, oito, 10 episódios. O formato acaba atraindo diretores, atores e atrizes renomados que querem desenvolver temas e personagens com mais tempo do que no cinema, mas sem ficarem presos a um seriado com previsão de várias temporadas. Não à toa, essa vem sendo a categoria mais forte do Emmy, o principal prêmio da TV nos EUA. Vide os títulos premiados de 2019 (Chernobyl) e 2020 (Watchmen) e as cinco concorrentes em 2021: O Gambito da Rainha (a vencedora), I May Destroy You, Mare of Easttown, The Underground Railroad e WandaVision.
A aposta nas minisséries não deixa de ser um sintoma da nossa época, da sociedade do cansaço, como batizou o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han: estamos sempre trabalhando, sempre correndo, sempre demandados, sempre sobrecarregados (incluindo aí o volume absurdo de informações e de interações digitais às quais, voluntária ou involuntariamente, nos expomos); quem tem tempo para séries longas?
Então, eu comemoro quando surge um drama policial como Landscapers (HBO Max), que tem apenas quatro capítulos e ainda traz no elenco os maravilhosos David Thewlis e Olivia Colman. Mas no mesmo dia estreia mais uma minissérie bacana, e no dia seguinte tem outra que é imperdível...
Eis o paradoxo das séries curtas: elas se revelam uma armadilha. Quando eu percebi, estava começando, terminando ou no meio de 12 produções: Cavaleiro da Lua (Disney+, seis episódios), A Cidade É Nossa (HBO Max, seis episódios), The Dropout (Star+, oito episódios), Heartstopper (Netflix, oito episódios), Lakers: Hora de Vencer (HBO Max, 10 episódios na primeira temporada), The Offer (Paramount+, 10 episódios), Pachinko (Apple TV+, oito episódios na primeira temporada), Ruptura (Apple TV+, nove episódios na primeira temporada), Sentença (Amazon Prime Video, seis episódios no que é provavelmente a primeira temporada), Slow Horses (Apple TV+, seis episódios na primeira temporada), The Staircase (Apple TV, oito episódios) e Tokyo Vice (HBO Max, oito episódios na primeira temporada). Além de ficar com o foco bastante dividido, na soma de capítulos é como se eu estivesse assistindo a mais de três temporadas completas de 24 Horas.
A lista permite observar outro paradoxo das séries curtas: algumas estão apenas fingindo durarem pouco. Em geral, as plataformas de streaming, quando lançam uma série, não avisam que haverá uma segunda temporada. Muitas vezes, isso só é anunciado, confirmado ou mesmo decidido por volta do último episódio e/ou de acordo com os números da audiência e a repercussão na mídia — Big Little Lies (2017-2019), por exemplo, nasceu e foi premiada como minissérie, mas depois virou série.
O pior é que algumas dessas supostas séries curtas podem nem ter um ponto final. O último episódio de Tokyo Vice deixou enormes pontas soltas — sequer retomou a cena de abertura, na qual o repórter Jake Adelstein e o detetive Katagiri são ameaçados pela Yakuza, a máfia japonesa. Ainda não se sabe se haverá uma segunda temporada, até porque seu protagonista, Ansel Elgort, enfrenta o cancelamento em Hollywood por causa de acusações de abuso sexual — todas envolvendo garotas adolescentes. O ator nem foi convidado para o Oscar 2022, apesar de encarnar o principal personagem masculino no musical Amor, Sublime Amor, que concorria a sete prêmios, incluindo o de melhor filme.