Podem ser reais — em dois sentidos — ou habitantes de um mundo fantástico. Podem ser modernas ou antigas. Podem ser muito unidas ou um ninho de cobras. Podem ser terrivelmente cômicas ou comicamente terríveis.
Famílias como essas abaixo merecem nossa visita. Difícil é ir embora.
Em homenagem ao Dia Internacional da Família, celebrado neste domingo, 15 de maio, aqui estão 11 séries sobre complicadas relações familiares, todas disponíveis no streaming.
Os Simpsons (1989-)
É a série mais longeva da TV — a animação criada pelo estadunidense Matt Groening já tem 33 temporadas, com mais de 700 episódios produzidos. Nesse tempo, Os Simpsons zoou o Brasil (o Rio apareceu invadido por macacos e dominado por traficantes) e previu, em 2000, a eleição de Donald Trump para a Casa Branca ("Qual é a coisa mais idiota que os americanos podem fazer?", se perguntaram os roteiristas).
Seu personagem símbolo é o estabanado, grosseiro e egoísta Homer Simpson, um exemplo de paternidade irresponsável, externada em declarações antológicas: "Bart, vou lhe dizer três frases que você deve saber ao longo da vida: Segura essa pra mim; Boa ideia, chefe; Já estava assim quando eu cheguei"; "Bom, é uma da manhã. Melhor ir para casa e passar um tempo com as crianças"; "Lisa, quando você não gosta do seu emprego, não faça greve. Vá trabalhar e faça um trabalho malfeito"; "Filhos, vocês deram o melhor e falharam miseravelmente. A lição é: nunca tentem". (Star+)
Família Soprano (1999-2007)
Foram 112 indicações ao Emmy e 21 troféus conquistados, incluindo dois de melhor seriado dramático (2004 e 2007), três de melhor ator (James Gandolfini, em 2000, 2001 e 2003) e três de melhor atriz (Edie Falco, em 1999, 2001 e 2003). Pelo Sindicato dos Roteiristas dos Estados Unidos, foi eleita a série mais bem escrita de todos os tempos, à frente de clássicos como Além da Imaginação e Seinfeld.
Criada por David Chase, com 86 episódios divididos em seis temporadas, Família Soprano desglamorizou a figura dos mafiosos, tornando-os muito mais humanos e medíocres. Sua sequência de abertura já indicava um rumo diferente: deixamos a costumeira Nova York e pegamos a ponte para New Jersey. Lá, moravam Tony Soprano, sua esposa, Carmela, seus filhos, Meadow e A.J., e parentes que faziam jus à rima com serpente. Tony usava uma empresa de coleta de lixo como fachada para seus negócios sujos, geralmente fechados na boate brega Bada Bing. Grandalhão, seco e cruel quando necessário, Tony é ele próprio uma fachada: apenas para a psiquiatra, a Dra. Melfi (Lorraine Bracco), fala sobre suas crises de consciência e seus ataques de pânico. (HBO Max)
A Grande Família (2001-2014)
Reinvenção, por Cláudio Paiva, da série homônima exibida entre 1972 e 1975, A Grande Família virou um dos maiores exemplos de sucesso e longevidade do século 21: foram 14 temporadas e 485 episódios. A comédia gira em torno de uma família de classe média, os Silva, moradora de um subúrbio na zona norte do Rio.
Há histórias antológicas, como Um Tapinha Não Dói (2002), em que Lineu (Marco Nanini) comeu biscoitos estranhos, teve crise de riso e dançou durante o jantar — era maconha. Os roteiristas tinham a habilidade e a sensibilidade de revezar o foco sobre os personagens, apostando em tramas que ressaltavam a característica principal de cada membro da família e dos agregados, como a personalidade certinha de Lineu, a essência mãezona de Nenê (Marieta Severo) e a malandragem de Agostinho (Pedro Cardoso), o genro. (Globoplay)
Modern Family (2009-2020)
Com 11 temporadas e 250 episódios, pentacampeã — de 2010 a 2014 — no Emmy de melhor comédia, a série de Christopher Lloyd e Steven Levitan gira em torno de uma família que vive se metendo em apuros, geralmente porque não dizem o que pensam — se bem que tem uns personagens que na verdade falam demais!
Jay (Ed O'Neill), o patriarca, casou-se com a colombiana sexy Gloria (Sofia Vergara), bem mais jovem do que ele, e adotou o filho dela, Manny (Rico Rodriguez), que tem gostos refinados e atitudes maduras demais para sua idade. Jay também é pai de Mitchell (Jesse Tyler Ferguson), que adota uma bebê vietnamita com o companheiro Cameron (Eric Stonestreet), e de Claire (Julie Bowen), casada com Phil Dunphy (Ty Burrell) e mãe de três filhos, Haley (Sarah Hyland), Alex (Ariel Winter) e Luke (Nolan Gould). Papel que valeu a Burrell dois Emmys e mais seis indicações, Phil é o típico pai descolado e um modelo quando o tema é educação infantil — na opinião dele. O filho deu tiros com uma arma de chumbinho na irmã? Atire nele de volta. (Star+)
Game of Thrones (2011-2019)
Com base nos romances escritos por George R.R. Martin, David Benioff e D.B. Weiss desenvolveram uma saga que se passa em um mundo imaginário inspirado nas sociedades feudais da Europa medieval e dividido em sete reinos. Criaturas fantásticas, como dragões e os Caminhantes Brancos, habitam Westeros, onde as estações do ano não são regulares — depois de um verão que durou nove anos, Game of Thrones começa com um ameaçador inverno à espreita. Nesse pano de fundo, transcorrem traições, batalhas e crimes que podem vitimar qualquer personagem, não importa o quão fundamental seja seu papel para a trama.
O primeiro episódio dos 73 que compõem as oito temporadas — premiadas com 59 Emmys — é um cartão de visitas do que aguarda o espectador: tem decapitação, intrigas palacianas, casamento forçado, outra decapitação, tentativa de infanticídio e incesto. Nesse cenário, destacam-se pelo menos três famílias. Os Stark comandam Winterfell, no Norte, e serão arrastados para a tragédia e o sofrimento a partir da nomeação de Lorde Ned (Sean Bean) para Mão do Rei (uma espécie de primeiro-ministro) em Porto Real, a capital. Os Lannister são seus rivais: o poderoso Tywin (Charles Dance) e seus filhos, Cersei (Lena Headey), esposa do monarca, Jaime (Nikolaj Coster-Waldau), espadachim membro da Guarda Real, e o anão Tyrion (Peter Dinklage), rejeitado pelo pai, apegado a prostitutas e gênio da política. Do outro lado do mar, há Viserys (Harry Lloyd) e sua irmã Daenerys (Emilia Clarke), os últimos descendentes da dinastia Targaryen, que tramam uma volta a Westeros. (HBO Max)
Ray Donovan (2013-2020/2022)
Criada por Ann Biderman, a série teve 82 episódios em sete temporadas e, em 2022, ganhou um filme (disponível apenas no Paramount+) para concluir a trama. Ray Donovan é uma espécie de primo distante — inclusive geograficamente — de Tony Soprano. Como o mafioso de New Jersey, o personagem interpretado por Liev Schreiber tem uma esposa, Abby (Paula Malcolmson), e dois filhos, Bridget e Conor, alguns parentes complicados — como os irmãos Terry (Eddie Marsan), treinador de boxe que sofre de Parkinson, e Brendan (Dash Mihok), que foi abusado por um padre na infância e hoje é alcoolista e avesso ao sexo — e vive de limpar o lixo, mas o dos famosos e poderosos de Los Angeles.
Ray é o que os estadunidenses chamam de fixer, o cara que cuida de subornos, ameaças à integridade física e o resgate de atores e atletas de situações complicadas — como uma prostituta morta na banheira de um quarto de hotel. O protagonista passa a lidar com vários problemas pessoais quando o pai dele, Mickey (uma atuação extraordinária de Jon Voight) sai da cadeia. (Globoplay, HBO Max e Paramount+)
The Crown (2016-)
O rei George VI (Jared Harris) sofre com uma tosse constante, que o faz cuspir sangue. É a véspera do casamento, em 1947, da princesa Elizabeth (Claire Foy) com Philip Mountbatten (Matt Smith) — reprovado por grande parte da família real, mas que acaba sendo aceito pela insistência e a diplomacia da jovem. Os dois se casam e, juntos, divertem-se e fazem planos, que são interrompidos pela morte precoce do rei. Cabe, então, à tímida Elizabeth assumir a coroa. Aos 25 anos.
Criada por Peter Morgan (roteirista do filme A Rainha, de 2006), a suntuosa The Crown vai cobrir, em seis temporadas de 10 episódios cada, as rivalidades políticas, os dramas pessoais, os romances e as fofocas que envolvem a família real britânica. Depois de Claire Foy, que viveu a personagem de 1947 a 1964, a monarca foi interpretada por Olivia Colman no terceiro (que corresponde ao período de 1964 a 1977) e no quarto ano da série (1979 até a década de 1990), e Imelda Staunton assumirá a personagem no quinto. Já são 21 Emmys no currículo, sendo 11 pela quarta temporada. (Netflix)
A Maldição da Residência Hill (2018)
Criada e dirigida pelo estadunidense Mike Flanagan, a minissérie em 10 episódios adapta o clássico romance de terror A Assombração da Casa da Colina (1959), de Shirley Jackson. A trama alterna duas linhas de tempo: na vida adulta, cinco irmãos continuam lidando com os traumas das experiências paranormais vividas na infância em uma mansão que os pais, Hugh (Henry Thomas) e Olivia (Carla Gugino), iriam reformar para depois vender por um preço mais alto.
Eles são Steven (Michiel Huisman), escritor de livros sobre casas mal-assombradas, Shirley (Elizabeth Reaser), que prepara corpos para serem enterrados, Theodora (Kate Siegel), psicóloga infantil, e os gêmeos Luke (Oliver Jackson-Cohen), um dependente químico, e Nell (Victoria Pedretti), a mais atormentada quando pequena — via a Moça do Pescoço Torto. Cada um deles representa os estágios do luto: negação, raiva, barganha/negociação, depressão e aceitação. Além de boas atuações e de uma atmosfera tensa, com direito a alguns sustos nada gratuitos, A Maldição da Residência Hill se destaca pela excelente parceria entre a direção de fotografia e o time de editores. (Netflix)
This Is Us (2016-2022)
O que um pai que aguarda o nascimento de seus trigêmeos, uma obesa que vive lutando para perder peso, um bonito ator de TV cansado de fazer papéis superficiais e um bem-sucedido executivo negro podem ter em comum?
É o que o espectador descobre em This Is Us, série criada por Dan Fogelman que valeu a Sterling K. Brown um Emmy de melhor ator e mais quatro indicações, graças ao desempenho como Randall Pearson. Outro artista negro, Ron Cephas Jones, recebeu duas vezes o troféu de ator convidado, como William Hill. O elenco conta também com Mandy Moore, Milo Ventimiglia e Justin Hartley. Os fãs dizem que choram litros a cada capítulo — foram 103 ao longo das seis temporadas. (Amazon Prime Video e Star+)
Succession (2018-)
Embora desprovida daquilo que conhecemos como cenas de ação, a série criada por Jesse Armstrong tem personagens que estão sempre andando na corda bamba e sempre esgrimindo com diálogos afiados. Não à toa, ganhou o Emmy de roteiro na primeira e na segunda temporada, que levou sete troféus no total, incluindo melhor série dramática e ator (Jeremy Strong). Ambas têm 10 episódios cada, um a mais do que a terceira.
Trata-se de um retrato impiedoso e sarcástico, mas com espaço para o afeto, da família de Logan Roy (Brian Cox), dono do quinto maior conglomerado de mídia e entretenimento — a Waystar Royco comanda jornais, canais de TV, sites, estúdios de cinema, cruzeiros, parques temáticos etc. Como o título indica, a sucessão na empresa deflagra os atritos, as mancadas e as puxadas de tapete neste "ninho de serpentes", a definição dada pelo tio Ewan. Estamos diante de uma fauna com traços shakespearianos — aliás, a peça Rei Lear é uma inspiração assumida. Há o empresário tirano, o primogênito que parece o bobo da corte por conta das asneiras ditas, o filho covarde que finge ser corajoso, o genro que procura ser querido por todos mas que sabe ser abusivo, o primo pobre que quer ascender, a filha que procurou trilhar outro caminho... Ao acompanhar a movimentação desses tipos, Succession consegue mexer com sentimentos conflitantes que podemos ter em relação aos super-ricos: raiva, inveja ou um certo alívio por não estarmos em seu lugar. (HBO Max)
Scenes from a Marriage (2021)
O diretor e roteirista israelense Hagai Levi encarou o desafio de modernizar a célebre série de televisão criada pelo cineasta sueco Ingmar Bergman. Na nova versão de Cenas de um Casamento (1973), Oscar Isaac e Jessica Chastain interpretam Jonathan e Mira, que estão juntos há 10 anos e têm uma filhinha. Ele é professor de filosofia e passa a maior parte do tempo em casa. Ela trabalha na área de tecnologia e responde pela maior parte do orçamento familiar. Como no original, Jonathan e Mira são procurados para dar uma entrevista na condição de um casal considerado exemplar. Mas logo nos primeiros minutos da conversa, começam a aparecer fissuras e ressentimentos.
Não é à toa que cada um dos cinco episódios mostra, no início, bastidores da produção: é como se o realizador quisesse reforçar o caráter de personagem assumido pelos integrantes de um relacionamento. Como escreveu a colunista Cláudia Laitano, Cenas de um Casamento é uma homenagem e um diálogo: recria algumas cenas com fidelidade, ao mesmo tempo em que apresenta conflitos que só seriam possíveis no século 21. Falta a Levi o que sobra em Bergman: o peso do silêncio e a força do que não é dito. Mas ela recomenda a minissérie "para não tem medo do que pode encontrar vasculhando o porão dos próprios sentimentos". (HBO Max)