Seinfeld (1989-1998), que passa a ter suas nove temporadas disponíveis na Netflix a partir desta sexta-feira (1º), é tido por muitos fãs e críticos (incluindo eu) como o melhor seriado cômico de todos os tempos. Episódios que justificam a escolha não faltam — vide a lista mais abaixo.
Não à toa, o último episódio da série, transmitido pelo canal NBC no dia 14 de maio de 1998, atraiu 76,3 milhões de espectadores nos Estados Unidos, com cada comercial custando US$ 1,5 milhão. Não à toa, estima-se que a Netflix pagou cerca de US$ 500 milhões pelos direitos de exibição no streaming.
O seriado foi criado por Larry David e por Jerry Seinfeld, que interpreta uma versão fictícia de si mesmo: um comediante judeu e fã do Superman. Situado no Upper West Side de Manhattan, em Nova York, o apartamento do protagonista vive frequentado pelos amigos Cosmo Kramer (Michael Richards), que é o amalucado vizinho de porta, George Costanza (Jason Alexander), baixinho, gordinho, careca e deveras complexado, e Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus), que é a única que de fato trabalha, alguns parentes de Jerry e suas muitas namoradas.
Ao contrário dos relacionamentos de Jerry, nenhum duradouro, pode-se dizer que Seinfeld nunca acabou. Desde sua despedida, em que os personagens enfrentaram as consequências da falta de princípios éticos e morais, o seriado continuou vivo nos corações e nas mentes de um público fiel. Fãs comemoram aparições do elenco em outros programas, discutem como a série, hoje, lidaria com a geração das redes sociais, relembram seus episódios favoritos ou suas frases prediletas. Essas conversas entre amigos — em suma, conversas sobre o nada — refletem a essência de Seinfeld, uma série sobre quatro amigos que se reúnem para falar sobre nada.
Lançado em 5 de julho de 1989, Seinfeld não começou arrebatando. Aliás, não é mesmo um seriado pelo qual você se apaixona à primeira vista. Tal como acontece com um amigo de verdade, é preciso tempo para a gente ir conhecendo os personagens e identificando suas idiossincrasias. Depois, você nem se incomoda mais se ele vai na sua geladeira para preparar um lanche.
O segredo do sucesso? Personagens bem desenhados e roteiristas sem freios. Politicamente incorreta e genial na estrutura das histórias (vide o episódio do casamento na Índia, na oitava temporada, em 1997, feito de trás para frente alguns anos antes do filme Amnésia, de Christopher Nolan), a série não se furtava de ir às raias do nonsense, nem de fazer citações à literatura, à ópera, ao cinema.
Curiosamente, ou injustamente, ao longo de seus quase 10 anos de vida Seinfeld ganhou apenas uma vez o Emmy, a principal premiação da televisão estadunidense. O troféu foi para a quarta temporada (1992-1993), que também rendeu o primeiro dos três prêmios de melhor ator coadjuvante para Michael Richards.
Há uma história que atravessa os 24 episódios, até o final de duas partes: a história de como Jerry conseguiu convencer a rede de TV a produzir uma "série sobre nada" — trama que introduz no seriado a futura noiva de George, a tragicômica Susan (Heidi Swedberg). Com carta branca para fazer piada de todos e com tudo, Seinfeld conquistou de vez a audiência dos EUA quando, no final de janeiro de 1993, trocou de dia. Saiu das noites de quarta para as de quinta, na sequência do campeão de popularidade Cheers (ao qual depois acabaria sucedendo no nobre horário das 21h).
Toda dirigida por Tom Cherones (sumido da TV desde 2009), essa quarta temporada é mesmo uma coleção de episódios clássicos. Pelo menos sete deles costumam figurar em listas dos melhores de Seinfeld, como a que fiz abaixo, em ordem cronológica:
The Parking Garage (episódio 23, exibido originalmente em 30/10/91, 3ª temporada) — O quarteto passa todo o episódio perambulando pelo estacionamento de um shopping à procura do carro de Kramer.
The Bubble Boy (episódio 47, 7/10/92, 4ª temporada) — À espera de Jerry e Elaine, George acaba brigando com um garoto que mora dentro de uma bolha e é fã do comediante.
The Contest (episódio 51, 18/11/92, 4ª temporada) — Depois que George é flagrado pela mãe se masturbando, o quarteto faz um concurso de abstinência. A palavra "masturbação" nunca é citada, e a expressão master of your domain (mestre do seu domínio) entrou para a cultura pop dos Estados Unidos. O episódio valeu a Larry David o Emmy de melhor roteiro.
The Pick (episódio 53, 16/12/92, 4ª temporada) — Após enviar cartões de Natal para todo mundo, Elaine percebe que a foto dela, tirada por Kramer, exibe um de seus mamilos. Enquanto isso, Jerry namora uma modelo que pensa tê-lo visto cutucando o nariz. Aqui, Seinfeld parodia o filme O Homem Elefante (1980), de David Lynch, baseado na história verídica de John Merrick, um inglês do século 19 que sofreu de Síndrome de Proteous, doença congênita que provoca a desfiguração.
The Outing (episódio 57, 11/2/1993, 4ª temporada)— Uma jornalista estagiária publica uma matéria retratando Jerry e George como um casal gay. A frase "Not that there's anything wrong with that" ("Não que haja algo errado com isso") virou moda nos EUA.
The Implant (episódio 59, 23/2/93, 4ª temporada) – Jerry chama Elaine para descobrir se são falsos os seios da namorada (Teri Hatcher, a metade feminina do seriado Lois & Clark). É dela outra citação famosa: "They're real, and they're spectacular!" ("Eles são reais e são espetaculares!").
The Junior Mint (episódio 60, 18/3/93, 4ª temporada) — Jerry namora uma mulher da qual ele não lembra o nome — só sabe que rima com uma parte do corpo feminino ("Mulva?", sugere George). No hospital, ele e Kramer assistem à cirurgia de um namorado de Elaine e deixam cair uma jujuba dentro do corpo do sujeito.
The Handicap Spot (episódio 62, 13/5/93, 4ª temporada)– Por insistência de Kramer, George estaciona o carro de seu pai em uma vaga para deficientes físicos, o que acaba por ferir uma mulher. É a estreia do pai de George, o irascível Frank Costanza.
The Marine Biologist (episódio 78, 10/2/94, 5ª temporada) — George mente para a namorada que é biólogo marinho, Jerry sabota, sem querer, a tentativa de Elaine de impressionar um famoso escritor russo e Kramer vai jogar golfe na praia.
The Hamptons (episódio 85, 12/5/94, 5ª temporada) — O quarteto passa o fim de semana numa casa de praia, onde todos olham o topless da namorada de George, exceto o próprio. Para piorar, a namorada de Jerry vê George brabo, nu e com um pequeno problema de “encolhimento” devido ao banho de piscina — vem daí a célebre frase "I was in the pool! I was in the pool!".
The Opposite (episódio 86, 19/5/94, 5ª temporada) — George decide fazer exatamente o contrário do que manda seu instinto. Enquanto ele obtém um enorme sucesso, dá tudo errado na vida de Elaine. Jerry, por sua vez, percebe que é o equilíbrio em pessoa.
The Soup Nazi (episódio 116, 2/11/95, 7ª temporada) — Jerry apresenta aos amigos a melhor sopa da cidade, mas Elaine acaba entrando em conflito com as rígidas normas de conduta estabelecidas pelo dono do restaurante.
The Betrayal (episódio 164, 20/11/97, 8ª temporada) — Jerry e George acompanham Elaine até a Índia para uma festa de casamento de sua amiga. Enquanto isso, Kramer lida com ameaças de morte. O episódio é narrado de trás para frente.