Minha lista dos melhores filmes de 2022 tem campeões de bilheteria e títulos que foram vistos somente por alguns gatos pingados. Tem terror, documentário, cinebiografia musical e comédia romântica — ainda que bastante subvertida. Tem obras premiadas e algumas que talvez só tenham ganhado o meu coração.
Aí está o ponto: este é um ranking afetivo. Colocada em ordem de preferência conforme meu espírito nestes últimos dias, a lista abaixo não traz exatamente os filmes mais importantes de 2022, mas aqueles que foram importantes para mim.
A outra regra é que entraram apenas longas-metragens lançados no Brasil nesta temporada. Por isso, podem aparecer títulos que são de 2021 e podem estar ausentes filmes badalados, presentes em premiações como o Globo de Ouro ou bem cotados para o Oscar, mas que só estreiam nacionalmente em 2023. Clique nos links se quiser saber mais.
20) Batman (2022)
De Matt Reeves. Com um trabalho fascinante de fotografia, design de produção e edição, o diretor mistura terror, o cinema noir dos anos 1940, o filme de serial killer (como Seven e Zodíaco), o thriller político e até a dinâmica das duplas policiais. Na trama de quase três horas, Batman (Robert Pattinson) e o tenente Gordon (Jeffrey Wright) precisam caçar uma versão nada cômica do Charada (Paul Dano), que começou pelo prefeito uma matança em Gotham City. Zoë Kravitz encarna Selina Kyle, a Mulher-Gato, John Turturro é o mafioso Carmine Falcone, e Colin Farrell está irreconhecível como o Pinguim. Pattinson é um dos grandes destaques de Batman: pálido e com um tom deprê, o ator foi uma escolha perfeita para a abordagem proposta por Reeves. Nela, o trauma de infância e a sede de vingança que deram origem ao Batman são sombras tão pesadas que anulam a existência de Bruce Wayne. (HBO Max)
19) Emergência (2022)
De Carey Williams. O baladeiro Sean (RJ Cyler) e o certinho Kunle (Donald Elise Watkins) são raríssimos alunos negros em uma prestigiada universidade. Prestes a partirem para uma noitada de festas lendárias, os dois e o amigo nerd com quem dividem a casa, o latino Carlos (Sebastian Chacon), precisam lidar com um pesadelo para pessoas de grupos marginalizados, seja nos Estados Unidos ou mesmo no Brasil: há uma garota branca inconsciente no meio da sala. Claro que o trio pensa em ligar para o 911, o número de emergência nos EUA. Mas há muitos "e se" periclitantes que uma pessoa branca não teria de considerar. A partir daí, Sean, Kunle e Carlos embarcam em uma comédia de erros tensa e ácida na crítica social. É como se fosse uma versão de Depois de Horas (1985), de Martin Scorsese, dirigida por Jordan Peele, de Corra! (2017), mas sem pender para o terror. Nessa jornada noturna, Emergência trafega entre o cômico e o desconfortável, entre o irônico e o amargo, até o epílogo em que fecha a porta para a demagogia, mas mantém os ouvidos atentos para uma política cruel e recorrente. (Amazon Prime Video)
18) Pig: A Vingança (2021)
De Michael Sarnoski. O subtítulo acrescentado no Brasil dá a ideia de que o filme será uma mistura de excentricidade e violência. Ainda mais que o protagonista é vivido por Nicolas Cage, que já há um bom tempo vem encarnando personagens bizarros ou brutos. A sinopse, é verdade, também sugere um caminho trilhado outras tantas vezes pelo ator: a jornada de autodestruição, o sacrifício e a explosão de violência em busca de algum tipo de redenção. Cage interpreta o ermitão Rob, que mora em uma floresta do Oregon na companhia de uma porca. Farejadora, ela é sua companheira na procura por trufas negras, um dos fungos comestíveis mais caros do mundo. O único contato de Rob com a sociedade se dá nas quintas-feiras, quando recebe a visita de seu jovem comprador (Alex Wolff). É uma espécie de paraíso, até que acontece uma coisa que, parece, vai fazer Pig descambar para um filme à la John Wick. Mas não é por aí. A história traz uma surpresa atrás da outra, a cada camada mostrando mais beleza e se tornando, claro, mais profunda. O mundo da gastronomia é apenas o cenário para discutir temas que incluem o processo de luto, o conflito entre liberdade artística e ambição financeira, a discrepância entre os sonhos que tínhamos e o status que queremos preservar, a comunhão com a natureza e necessidade de termos empatia nas nossas relações com as outras pessoas. (Canal Telecine do Globoplay)
17) Uma Noite Sem Saber Nada (2021)
De Payal Kapadia. Vencedor do prêmio de melhor documentário no Festival de Cannes de 2021, o filme da diretora indiana é imersivo e hipnotizante, particular e universal, poético e fantasmagórico, romântico e político, onírico e urgente, belo e revoltante. Desde as primeiras cenas, Uma Noite Sem Saber Nada mostra-se uma obra muito singular. Um letreiro nos avisa que, no quarto de um albergue no Film & Television Institute of India (FTII), foi encontrada uma caixa com vários itens: recortes de jornais, flores secas, cartões de memória e cartas escritas por uma aluna identificada apenas pela letra L. A seguir, em imagens nuançadas em preto e branco, vemos o que parece ser uma festa, com um filme sendo projetado em uma tela ao fundo. Corpos silhuetados balançam ao som de uma música que não podemos ouvir. O que escutamos é a leitura, pela voz um tanto abafada e fria da atriz Bhumisuta Das, de uma dessas missivas — que começam como cartas de amor e saudade, mas gradativamente poderão ser entendidas como um lamento político e uma luta política. (Foi exibido na Sessão Plataforma, na Cinemateca Capitólio, e não tem previsão de estreia)
16) A Tristeza (2022)
De Robert Jabbaz. Como o título sugere, o vencedor dos prêmios de melhor filme e efeitos especiais na mostra internacional do Fantaspoa 2022 apresenta um cardápio bem pesado. Não há açúcar, embora haja afeto. É o que une o par central de A Tristeza, o jovem casal taiwanês Jim (Berant Zhu) e Kat (Regina Lei). Eles acordam para mais um dia em Taipé, capital do país onde ninguém está levando muito a sério uma pandemia — que surgiu "justo em ano eleitoral", ouve-se em um comentário na TV. Assim que Jim deixa Kat na estação do metrô, o terror toma conta da cidade. A explosão de violência e de sangue inclui membros decapitados por tesouras de jardinagem, olhos perfurados com um cabo de guarda-chuva, torturas com arame farpado, mordidas que dilaceram a vítima, estupros coletivos, atos de necrofilia... Trata-se menos de uma alegoria apocalíptica da covid-19 do que uma distopia psicopolítica: o que seria de uma sociedade polarizada se a gente só atendesse aos impulsos do id? Que civilização seria possível se não houvesse as instâncias mediadoras e repressoras do ego e do superego? E em que velocidade todas as construções sociais podem ruir, fazendo desaguar um contagiante e interminável banho de sangue? (Foi exibido no Fantaspoa e não tem previsão de estreia)
15) Elvis (2022)
De Baz Luhrmann. A cinebiografia narrada pelo pernicioso coronel Parker (Tom Hanks), empresário de Elvis Presley (encarnado pelo até então ilustre desconhecido Austin Butler) é um frenesi, um filme para ser visto em pé, um convite à dança. Sua forma — uma explosão de cores e de sons, uma celebração da voz e do corpo do chamado Rei do Rock — e seu ritmo (por vezes deliciosamente caótico) refletem o espírito irrequieto do personagem, sua energia, sua extravagância, seu requebro sedutor e suas várias transformações. Com duas horas e 40 minutos, Elvis cobre praticamente toda a trajetória do biografado. Desde a infância na cidade natal, em Tupelo, no Mississippi, onde ele descobriu sua conexão com a música negra e seu prazer em ser adorado, até a morte (por um ataque cardíaco no qual pesaram o vício em remédios barbitúricos e o excesso de gordura e colesterol), no dia 16 de agosto de 1977, na mansão Graceland, em Memphis, no Tennessee. No meio, assistimos ao desfile de diferentes fases: a do terno cor de rosa, a do uniforme militar, a do traje de couro preto e a dos macacões de Las Vegas. No final, só não chora quem já morreu por dentro. (HBO Max)
14) Neptune Frost (2021)
De Saul Williams e Anisia Uzeyman. Concorrente no troféu Caméra d'Or, para estreantes, no Festival de Cannes de 2021, o filme do casal Saul Williams (músico, poeta e ator dos EUA) e Anisia Uzeyman (atriz e cineasta de Ruanda) é uma mescla de musical afrofuturista, romance queer e ficção científica politicamente engajada. Em um vilarejo perto de uma mina de coltan (muito utilizada na fabricação de celulares, notebooks e afins), encontram-se o mineiro Matalusa (Kaya Free) e Neptune, intersexual em fuga — o papel é ora interpretado por Elvis Ngabo, ora por Cheryl Ishejar. Variando o idioma — do suaíli ao inglês e ao francês, heranças dos colonizadores —, os personagens de Neptune Frost cantam: "Vamos hackear / Os direitos à terra e à propriedade / A história bancária / Vamos questionar o negócio da escravidão e o livre trabalho / Vamos hackear / A ambição e a ganância / O tratamento de uma fé em detrimento de outra". Depois, questionam a visão eurocêntrica de mundo ("Eles pensam como o livro deles manda") e o consumo ocidental baseado na exploração africana: "Usam nosso sangue e suor para se comunicar uns com os outros / Mas nunca escutam nossa voz". (Foi exibido no Fantaspoa e não tem previsão de estreia)
13) Soul of a Beast (2021)
De Lorenz Merz. Se a gente resumir ao mínimo, a trama do filme suíço em que o nome de Merz aparece nos créditos de diretor, roteirista, produtor, diretor de fotografia, editor e compositor pode parecer convencional — um triângulo amoroso entre os desajustados jovens Gabriel (Pablo Caprez), seu melhor amigo, Joel (Tonatiuh Radzi), e a namorada dele, Corey (Ella Rumpf, do filme Raw e da série Tokyo Vice). Mas há elementos extras que conjuram uma atmosfera constante de risco e de imprevisibilidade. Para começar, Gabriel tem um filho pequeno, Jamie, que cuida sozinho. O trio envolve- se com drogas alucinógenas, anda de moto em alta velocidade, invade, à noite, o zoológico de Zurique... Corey tem aquela mistura explosiva de urgência e inconsequência: "Sempre tive essa sensação, desde criança. De que não há tempo. De que tenho de fazer tudo agora", ela diz a Gabriel quando o convida para viajar junto à Guatemala, de onde desceriam de carro até a Terra do Fogo. "Nada dura" — eis outra frase a ressoar em Soul of a Beast, um dos melhores filmes do ano graças também às escolhas estéticas de Merz. Ao filmar na proporção 4: 3, que diminui a área de tela (é um quadrado, e não o tradicional retângulo), o diretor cria não só um ambiente claustrofóbico, sufocante. Também se permite aproximar mais a câmera dos rostos e dos corpos dos personagens, que preenchem o quadro com uma intensidade arrebatadora, mesmerizante. (Foi exibido no Fantaspoa e não tem previsão de estreia)
12) Crimes of the Future (2022)
De David Cronenberg. Em seu primeiro longa-metragem desde Mapa para as Estrelas (2014), o cineasta canadense faz um filme aparentado de Crash: Estranhos Prazeres (1996). O roteiro de Crimes of the Future foi escrito na mesma época, e novamente Cronenberg mistura sexo e máquinas, faz do corpo um cenário para o terror, aborda a conexão entre prazer e dor e pergunta: qual é o limite? Qual é o nosso limite? Para além do talento em engendrar cenas de revirar estômagos — tanto dos personagens vividos por Viggo Mortensen, Léa Seydoux e Kristen Stewart quanto dos espectadores —, o diretor também estimula reflexões sobre os humanos como ainda os conhecemos, a sociedade contemporânea e o mundo de amanhã. A substituição do "velho sexo" pelo prazer de perfurar ou ser perfurado cirurgicamente faz lembrar de como na vida estamos sempre procurando suprir algo que nos falta — no caso, a dor —, sempre buscando um equilíbrio emocional. O superpoder do menino Brecken assusta porque, no fundo, é capaz de ser encarado como uma "ideia brilhante", a um só tempo econômica e ecológica: imaginem se o sistema digestivo pudesse "evoluir" a ponto de nos alimentarmos de plástico, produtos químicos e até lixo tóxico. Já as lacerações faciais, que são vistas como tendência de moda, refletem como somos reféns do desejo de aceitação social e sobre como podem se tornar patológicos o culto à beleza e as intervenções corporais, ambos diariamente turbinados por celebridades e influenciadores no Instagram. (MUBI)
11) Marte Um (2022)
De Gabriel Martins. Ganhador de quatro Kikitos no 50º Festival de Gramado (melhor roteiro, música, o troféu do júri popular e o Prêmio Especial do Júri) e representante do Brasil na luta por uma vaga no Oscar, Marte Um fala dos sonhos e dos perrengues de uma família negra da periferia de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. A história começa em 28 de outubro de 2018. Enquanto um telejornal anuncia a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência e fogos de artifício ecoam nas ruas, um menino mira o céu. Ele é Deivid, o Deivizinho (Cícero Lucas), filho de Wellington (Carlos Francisco) e de Tércia (Rejane Faria) e irmão caçula de Eunice, a Nina (Camilla Damião). Essa família vai tendo suas personalidades e seus conflitos apresentados sem pressa, mas com foco. Deivizinho é um craque do futebol de várzea, mas sonha em ser astrofísico e participar de uma missão que em 2030 pretende iniciar a colonização de Marte. Wellington, porteiro em um condomínio de classe alta, se orgulha de estar há quatro anos sem beber e sonha com o ingresso do filho no seu time de coração, o Cruzeiro. O sonho de Nina é alugar um apartamento para ir morar com a namorada, mas os pais não sabem disso. Tércia, que é faxineira, não sonha: tem pesadelos e sofre de insônia desde que foi vítima de uma pegadinha de mau gosto em uma lanchonete. À medida que as jornadas convergem e os personagens divergem, o que começou em tom de comédia dramática passa a roçar na tragédia. Mas Marte Um, como diz a sinopse oficial, é um filme sobre sonhos e estrelas. Um filme sobre esperança e otimismo, um filme que ilumina a alma. (Foi exibido nos cinemas e deve estrear em breve no streaming)
10) Nada de Novo no Front (2022)
De Edward Berger. As trincheiras da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), onde morreram milhões de soldados enquanto tentavam avançar apenas alguns poucos metros no terreno, são o cenário da terceira versão cinematográfica de um clássico da literatura antibelicista lançado em 1929 por Erich Maria Remarque (1898-1970), escolhida pela Alemanha para buscar uma vaga no Oscar de melhor filme internacional. A vivência de Remarque como soldado é transformada na história de Paul Bäumer, personagem que, como diz a professora de Literatura e ensaísta Regina Zilberman, "faculta ao leitor o conhecimento efetivo da experiência pessoal diante da inevitabilidade da mutilação e da morte, bem como da violência, do descaso das autoridades, do patriotismo de encomenda".
No filme, Bäumer é interpretado com assombro e sensibilidade pelo ator estreante Felix Kammerer. Quando a trama começa, ele e outros jovens amigos alistam-se "pelo Kaiser, por Deus e pela pátria". Estão radiantes, mas logo estarão profundamente amedrontados — "Quero ir pra casa!", chora um deles diante do trabalho árduo e absolutamente insalubre em uma trincheira. Nessa indústria da morte, as máquinas de costura em que são reparados os uniformes dos jovens que tombaram no campo de batalha matraqueiam como se fossem metralhadoras. Tudo precisa ser reciclado, tudo precisa ser passado adiante: as botas e as fardas saem de um cadáver para o próximo corpo a ser exposto às baionetas, às granadas, ao gás, ao frio, à fome, à lama. (Netflix)
9) Um Herói (2021)
De Asghar Farhadi. Rahim (papel de Amir Jadidi) está na prisão devido a uma dívida que não conseguiu pagar. Durante uma licença de dois dias, ele tenta convencer o seu credor a retirar a sua queixa mediante o pagamento de parte da quantia. Mas as coisas não correm de acordo com o plano… Com dois Oscar de melhor filme internacional no currículo — A Separação (2011), também vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, e O Apartamento (2016) —, Farhadi é hábil em lançar mão dos códigos do suspense, do policial e do drama de tribunal para refletir sobre a sociedade contemporânea em seu país e retratar conflitos familiares. Em Um Herói, o cineasta apresenta uma história kafkiana, mas com um protagonista ambíguo. Aliás, seus personagens não são mocinhos nem vilões, mas pessoas que, diante das circunstâncias, do azar, da pressão ou das oportunidades, podem conquistar ou falhar. Nós, como espectadores, somos instigados a nos posicionar em situações complexas nas quais todos os envolvidos têm um pouco de razão — logo, injustiças são frequentes, ainda mais em um mundo ultramidiático e apressado como o atual. (Disponível para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play)
8) Top Gun: Maverick (2022)
De Joseph Kosinksi. Continuação de um filme icônico dos anos 1980, Top Gun: Ases Indomáveis (1986), a nova aventura aérea estrelada por Tom Cruise voa muito além do saudosismo. As ótimas cenas de ação também convidam à reflexão sobre temas bem atuais, como a substituição do humano pela máquina, e sobre a Hollywood contemporânea. Mas é claro que também há um olhar para o passado. Um olhar e os ouvidos. O diretor Kosinski começa Maverick reproduzindo a abertura do primeiro Top Gun. Um letreiro apresenta a escola de elite para aviadores da Marinha dos EUA, criada em 1969 e apelidada de Top Gun. No crepúsculo, vemos a movimentação em um porta-aviões. Os aviões são diferentes, mas a música é a mesma. Na sequência, o agora capitão Pete Mitchell, codinome Maverick, veste a famosa jaqueta de couro com emblemas bordados, monta em sua moto Kawasaki e parte rumo a uma base militar. Esse exercício de nostalgia é um cumprimento aos fãs e um alerta aos mais jovens, que podem ficar alheios à graça de algumas piadas e indiferentes à carga emocional. O bom é que o roteiro recapitula momentos importantes. E que o filme de 2022 é muito melhor do que o original. Tom Cruise prova que ainda se pode fazer mágica à moda antiga. E com sucesso: com quase US$ 1,5 bilhão arrecadados, é a maior bilheteria de 2022. (Disponível no NOW e para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play; estreia no Paramount+ em 22/12)
7) Moonage Daydream (2022)
De Brett Morgen. Exibidas na sala IMAX, as duas horas e 15 minutos do documentário sobre David Bowie (1947-2016) escrito, dirigido e editado por Morgen revelram-se uma experiência fascinante e um programa imperdível. Estão lá o som e a visão desse multiartista britânico que embarcou todos os caras jovens em uma odisseia espacial, em uma viagem fantástica pelo mundo do rock. Estão lá seu amor moderno e seu convite à dança. Estão lá o homem das estrelas, o camaleão das muitas mudanças e o transgressor que nos que disse que poderíamos ser heróis. Estão lá as indagações do ser humano que, nos títulos de suas canções, perguntou: existe vida em Marte? Quem eu posso ser desta vez? O que está realmente acontecendo? Onde nós estamos agora? (Foi exibido nos cinemas e deve estrear no streaming em 2023)
6) Seguindo Todos os Protocolos (2022)
De Fábio Leal. Talvez seja o melhor retrato ficcional da vida sob o signo do coronavírus — e, em que pese a duração de apenas 74 minutos, o mais completo sobre o cenário brasileiro. Na trama escrita, dirigida e protagonizada por Leal, rodada quase toda em um apartamento de Recife, o protagonista, Chico, tenta encontrar um meio de aplacar sua solidão: mas como transar seguindo todos os protocolos sanitários? O que começa em tom mais de comédia oferece passagens dramáticas ou mesmo tensas e momentos tocantes de romantismo e de erotismo, até desaguar em uma sequência absolutamente poética: um passeio motociclístico noturno embalado por Amor e Sina, belíssima canção composta por Luiz Amaro Fortes e interpretada pela voz inebriante de Sophia Ardessore. (Disponível para aluguel em Apple TV)
5) Drive my Car (2021)
De Ryûsuke Hamaguchi. O Oscar de melhor filme internacional coroou uma trajetória que inclui o prêmio de roteiro no Festival de Cannes, o Globo de Ouro, o Bafta e o Critics' Choice. Seu diretor não tem pressa para contar suas histórias. Já fez um filme de quatro horas e 15 minutos e outro de cinco horas e 17 minutos. Drive my Car tem três horas de duração, mas é tão imersivo que poderíamos passar mais tempo junto aos personagens, ouvindo seus longos diálogos sobre paixões, segredos e arrependimentos. Aliás, é tão intimista que realmente nos sentimos muito próximos dos personagens. O protagonista é Yûsuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima), um ator e diretor de teatro que tem sua vida abalada por perdas e traumas. Não por acaso, um dos cenários principais do filme é Hiroshima, cidade arrasada pela bomba atômica em 1945. Yûsuke viaja a Hiroshima para montar a peça Tio Vânia, de Tchékhov. Por causa das regras do festival de teatro, lá não poderá dirigir seu amado e bem cuidado carro, um Saab vermelho com 15 anos de uso e no qual escuta fitas cassete com falas dos espetáculos. Aí, ele passa a interagir com Misaki (Tôko Miura), a motorista contratada pelo festival. Ela também é atormentada pela dor e pela culpa. Nas ruas e nas estradas de Hiroshima, um lugar marcado pela morte e pela destruição, mas também pela resiliência e pela reconstrução, Yûsuke e Misaki vão, pouco a pouco, revelando os buracos de suas almas e encurtando a distância. No caminho, surgem curvas dramáticas, sinuosas, mas nunca bruscas, e sempre em direção a algum tipo de cura. (MUBI)
4) Você Não Estará Só (2022)
De Goran Stolevski. Representante da Austrália na disputa por vaga no Oscar de melhor filme internacional, é a joia da coroa em uma temporada pródiga para os filmes de terror — fizeram sucesso de bilheteria ou receberam fartos elogios da crítica obras como Aterrorizante 2, Morte Morte Morte, Não! Não Olhe!, Noites Brutais, Pearl, O Predador: A Caçada, Sorria, Speak no Evil e X. Mas Você Não Estará Só pode desapontar muitos fãs do gênero. É que o diretor e roteirista não recorre a sustos fáceis nem a uma trilha sonora tensa, tampouco aposta suas principais fichas na violência característica. Estrelada pela sueca Noomi Rapace e pela australiana Alice Englert, a trama se passa no século 19, em um vilarejo da Macedônia, onde as ações de uma bruxa de pele toda queimada conhecida como Maria Donzela (interpretada pela romena Anamaria Marinca) desencadeiam uma meditação à la Terrence Malick sobre o que significa ser humano, sobre a visão de mundo das crianças, sobre os papéis sociais atribuídos às mulheres, sobre a masculinidade tóxica, sobre a descoberta do amor e da vida em comunidade, sobre colocar-se no lugar do outro. (Disponível para aluguel em Apple TV e Google Play)
3) A Noite do Fogo (2021)
De Tatiana Huezo. Neste filme que ganhou menção honrosa na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes e ficou entre os 15 semifinalistas do Oscar internacional em 2022, representando o México, a cineasta observa o cotidiano de um povoado violentado pelo narcotráfico pelos olhos de três meninas: Ana (vivida por Ana Cristina Ordóñez González na infância e por Marya Membreño na adolescência), Maria (Blanca Itzel Pérez/Giselle Barrera Sánchez) e Paula (Camila Gaal/Alejandra Camacho). O perigo e a morte estão sempre nas redondezas, o silêncio e a fuga são aliados vitais, o medo dita os passos — sobretudo os das mães e os das filhas, como enfatiza o título brasileiro do romance em que a ficção se baseia: Reze pelas Mulheres Roubadas. (Netflix)
2) A Pior Pessoa do Mundo (2021)
De Joachim Trier. Rendeu à protagonista, Renate Reinsve, o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes e foi indicado aos Oscar de filme internacional (representando a Noruega) e roteiro original. Trata-se de uma encantadora subversão das comédias românticas e um provocador retrato dos millenials. Narrado em um prólogo, 12 capítulos e um epílogo com durações e humores variados, expõe as angústias, as buscas e a inconstância dessa geração, que é encarnada pela personagem de Reinsve, Julie. Beirando os 30 anos, ela sai da faculdade de medicina para a psicologia, depois se descobre fotógrafa, mas acaba como vendedora em uma livraria. Suas desventuras incluem o romance com um quadrinista quarentão, Aksel (Anders Danielsen Lie) — responsável por reflexões argutas sobre arte e finitude — e o flerte com o jovem Eivind (Herbert Nordrum), que rende uma das sequências mais inebriantes da temporada. Ah, e A Pior Pessoa do Mundo termina com uma versão em inglês de Águas de Março (Tom Jobim) na voz de Art Garfunkel, em uma escolha bem significativa. (Disponível no NOW e para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play)
1) Aftersun (2022)
De Charlotte Wells. A diretora e roteirista escocesa conta a história de um pai divorciado e sua filha de 11 anos durante uma viagem de férias pela Turquia, na década de 1990, quando a Macarena ainda era coqueluche mundial. Ele é Calum, interpretado por Paul Mescal, protagonista da minissérie Normal People (2020) e coadjuvante em A Filha Perdida (2021). Ela é Sophie, vivida pela novata Frankie Corio. Ambos estão encantadores, e a química entre os dois opera a mágica de acharmos que são pai e filha de verdade.
Há uma terceira personagem importante no belíssimo Aftersun: a Sophie 20 anos mais velha (Celia Rowlson-Hall). Ela surge no reflexo de uma TV, assistindo às cenas do passeio gravadas por uma filmadora caseira. Sophie também é vista no que parece ser uma festa, mas a luz estroboscópica do ambiente também funciona como uma representação do quanto a perturba revisitar suas recordações. Seu olhar melancólico completa o alerta: durante aqueles dias ensolarados na Turquia, em meio aos banhos de piscina e aos mergulhos no mar, às tardes no fliperama e às noites no karaokê, às piadas internas ("Torremolinos!") e às bebidas coloridas, algo aconteceu, algo se perdeu, algo se quebrou. Mas o quê?, pode se perguntar o espectador diante da doçura com a qual Calum trata a filha e da adoração que ela tem por ele. Aqui está o ponto: agora adulta, Sophie pode — por mais doloroso que seja — vasculhar suas memórias à procura das fissuras que não enxergamos na infância. (Em cartaz nos cinemas e disponível no MUBI a partir do dia 6/1)