Representante da Austrália na disputa por uma vaga no Oscar de melhor filme internacional, Você Não Estará Só (You Won't Be Alone, 2022) é a joia da coroa em uma temporada pródiga para os filmes de terror — fizeram sucesso de bilheteria ou receberam fartos elogios da crítica obras como Morte Morte Morte, Não! Não Olhe!, Noites Brutais, O Predador: A Caçada, Sorria, Speak no Evil, Aterrorizante 2 e X.
Mas o título disponível para aluguel, por R$ 14,90, em Apple TV, Claro TV e Google Play pode desapontar muitos fãs do gênero. É que o diretor e roteirista Goran Stolevski não recorre a sustos fáceis nem a uma trilha sonora tensa, tampouco aposta suas principais fichas na violência característica.
Estrelado pela sueca Noomi Rapace e pela australiana Alice Englert, Você Não Estará Só se passa no século 19, em um vilarejo da Macedônia, país onde nasceu o cineasta. A bruxa de pele toda queimada conhecida como Maria Donzela (interpretada pela romena Anamaria Marinca) aparece para sequestrar um bebê, mas é convencida pela mãe da menina a esperar ela completar 16 anos. A vilã da trama aceita, mas não sem impingir um castigo: faz um corte na boca da guriazinha, a deixando muda.
É uma cruel mas eficiente solução de roteiro, como se verá mais à frente, quando a personagem — chamada de Nevena — cresce e é encarnada pela atriz macedônica Sara Klimoska. Ela não fala, mas entabula monólogos interiores, nos quais expressa ora seu maravilhamento, ora suas indagações.
O ressurgimento de Maria Donzela nos conduz por caminhos sobrenaturais — melhor não revelar qual é a habilidade fantástica que a personagem tem. Mas, repetindo, Você Não Estará Só toma certa distância do horror típico. Não faltam sangue e morte, mas este é um filme mais interessado na reflexão e na vida.
É evidente que Goran Stolevski inspirou-se na filmografia do diretor estadunidense Terrence Malick, autor de Além da Linha Vermelha (1998), O Novo Mundo (2005) e A Árvore da Vida (2011). Os monólogos interiores de Nevena somam-se a abordagem sinuosa na narrativa e na montagem, os closes nos rostos, um olhar apaixonado para a natureza e uma música atmosférica (assinada por Mark Bradshaw). Acima de tudo, Stolevski oferece uma meditação sobre o que significa ser humano, sobre a visão de mundo das crianças, sobre os papéis sociais atribuídos às mulheres, sobre a masculinidade tóxica, sobre a descoberta do amor e da vida em comunidade, sobre colocar-se no lugar do outro.
Para mim, é não só o terror do ano, mas um dos melhores filmes de 2022.