Achei que eu já tivesse visto o pior filme do ano. Mas A Luz do Demônio (Prey for the Devil, 2022), em cartaz a partir desta quarta-feira (2) nos cinemas, surge como favorito para desbancar A Filha do Rei (que pelo menos divertiu minha família), Morbius (que pelo menos tinha Jared Leto evitando a caricatura) e 365 Dias: Hoje (que pelo menos mostrou o esforço da direção de fotografia, dos figurinistas e da montagem para evitar ou tapar o aparecimento de genitais).
Dirigido pelo alemão Daniel Stamm, de O Último Exorcismo (2010) e Os 13 Pecados (2014), A Luz do Demônio é um filme de terror com roteiristas pouco afeitos ao gênero: Robert Zappia, que trabalhou em séries infantis e produções com Tom & Jerry, e a dupla Earl Richey Jones e Todd R. Jones, do seriado cômico In Living Colour (1993-1994) e coautores da animação Rio (2011).
Diferentemente do que se vê, por exemplo, no recente Noites Brutais (2022, no Star+), a origem humorística dos realizadores não se reflete em ironias ou comicidade macabra. Pelo contrário: A Luz do Demônio parece se levar a sério demais, a ponto de seu final sugerir o começo de uma franquia.
O filme até que começa com uma cena poderosa. A menina Annie está rezando no quarto. Sua mãe, de costas para o espectador, bate na porta, pedindo para entrar. Annie passa a rezar com mais intensidade, ao passo que o pedido materno se transforma em berro — e agora ela já não usa o nó dos dedos para bater na porta: dá pancadas com a própria cabeça!
Logo saberemos que a traumatizada Annie cresceu e tornou-se uma rara freira de cabelos platinados, a Irmã Ann, personagem interpretada por Jacqueline Byers, a Jillian da série de ficção científica Salvation — em A Luz do Demônio, seu trabalho não tem salvação: é tinhoso de ruim.
Ann também é uma das raras mulheres admitidas em uma escola da Igreja Católica dedicada a treinar padres para praticar exorcismos — segundo um letreiro, as ocorrências de possessão demoníaca aumentaram nos últimos anos. Meio paradoxalmente, o filme nos diz que os religiosos de hoje estão muito mais aptos para identificar distúrbios de saúde mental e buscar orientação médica (como a da psiquiatra encarnada sem brilho nenhum por Virginia Madsen), de modo a evitar os erros e as violências do passado. Seja como for, Irmã Ann, com o apoio do padre Quinn (Colin Salmon, o Charles Robinson de três 007 com Pierce Brosnan), vai se envolver no caso de uma menina — é claro! — aparentemente possuída por um demônio, Natalie (Posy Taylor).
O que A Luz do Demônio faz é liquidificar todos os elementos que viraram clichês do subgênero desde o sucesso do clássico O Exorcista (1973), de William Friedkin. Temos contorcionismo, pele putrefata, vozes guturais, igrejas antigas, corredores escuros, frases em latim... A gororoba se revela insuportavelmente melosa com a adição da música composta por Nathan Barr (premiado com o Emmy pelo tema de abertura da minissérie Hollywood, em 2020). E é servida junto a toda sorte de jump scare — aquelas cenas que têm o único objetivo de assustar o público, seja com um vulto que aparece no reflexo de um espelho, seja com a passagem de um gato preto, seja com a súbita mudança de foco, seja com rompantes da trilha sonora, seja simplesmente com o grito de um personagem. No filme, o recurso parece empregado sobretudo para acordar o espectador aborrecido com a mesmice e a previsibilidade da história. Na boa: todas as revelações e reviravoltas podem ser antevistas.