
Por coincidência, duas obras em quadrinhos lançadas recentemente celebram três dos chamados mestres do horror: os escritores estadunidenses Edgar Allan Poe (1809-1849) e H.P. Lovecraft (1890-1937) e o mangaká japonês Junji Ito, 59 anos.
Apesar de ser um grande fã dos filmes de terror, talvez eu seja o pior leitor para o gênero nos quadrinhos, porque considero o som — aí incluída a sua supressão, o silêncio — fundamental na construção de atmosferas de medo e aflição.
Da mesma forma, por sua própria natureza HQs tendem a inibir a sedução pela palavra e a reduzir drasticamente o poder da sugestão, o convite à imaginação: estamos vendo o que, em um conto ou em um romance, o autor descreve de modo sinistro ou misterioso.

Embora eu tenha sido convencido, graças a análises de outros autores, a reconhecer as qualidades de Tomie, o mesmo não aconteceu com Calafrios (editora Pipoca & Nanquim, tradução de Drik Sada, 412 páginas, R$ 89,90). Trata-se do primeiro volume da seleção de contos favoritos de Ito, escolhidos por ele mesmo. São 10 histórias (uma delas inédita), acompanhadas por alguns extras, como comentários, notas e esboços — mas estranhamente desprovidas de datas: não sabemos, pela edição, quando cada uma foi publicada, em que momento dos mais de 35 anos de carreira do autor se situam. É um ponto negativo em qualquer coletânea que se preze.
Nas tramas, Ito apresenta seus personagens obcecados ou atormentados e transforma dias aparentemente banais em espetáculos grotescos e sanguinários — mas que, repito, não provocaram nenhuma reação minha. Insensibilidade? Desconexão com o tipo de história do autor? Quem sabe falta de capacidade de ler nas entrelinhas? Serviu de consolo que, nos comentários ao final de cada conto, o próprio Junji Ito não faz interpretações, não menciona simbolismos — está mais interessado em falar das imagens, das memórias, dos temores e dos sonhos que o inspiraram.

O outro volume a reverenciar mestres do terror é Lovecraft-Poe (Quadrinhos na Cia., tradução de Bruno Cobalchini Mattos, 200 páginas, R$ 94,90). Reúne adaptações do artista argentino nascido no Uruguai Alberto Breccia (1919-1993) para nove contos de Lovecraft e cinco de Poe.
Com todo respeito à legião de fãs do autor de O Chamado de Cthullu, A Sombra de Innsmouth e A Cor que Caiu do Espaço (os três presentes na HQ), a primeira parte, produzida entre 1973 e 1979, é bastante difícil de transpor. O trabalho artístico de Breccia, que começava a utilizar técnicas como a colagem e o monotipo, fica refém do texto caudaloso do escritor, a ponto de várias vezes o desenhista recorrer a quadros brancos para reproduzir longas passagens de histórias que nunca me hipnotizaram. Ou melhor: sempre me fizeram dormir ao tentar ler.

Já na segunda parte, com quadrinhos que Breccia fez em diferentes momentos da sua trajetória, a partir de 1974 (uma pena que também não temos a data de cada um), realiza-se um casamento perfeito.

Poe era um defensor da brevidade do texto. No ensaio A Filosofia da Composição (1846), vaticinou: "Se qualquer obra literária for longa demais para ser lida em apenas uma sentada, deve-se aceitar que se dispersará o imensamente importante efeito derivado da unidade de impressão — porque, se forem exigidas duas sentadas, as coisas do mundo vão interferir, e a totalidade será imediatamente destruída". (Na minha opinião, isso vale para o cinema de terror também: quanto menor a duração, maior a chance de o filme manter o espectador tenso.)

A concisão de Poe contribui para a criatividade de Breccia, que se permite prescindir da palavra e empregar experimentações e variações estilísticas — as histórias são bem diferentes umas das outras. Compare A Máscara da Morte Rubra, com seus personagens meio disformes, meio roliços pintados com cores que remetem à podridão moral, e O Coração Delator, com sua narrativa em preto e branco e minimalista, em que a repetição de quadros intensifica o clima sufocante. Ou pegue William Wilson, em que Breccia acrescenta à narrativa uma canção de Chico Buarque, Noite dos Mascarados, para comentar o duelo travado entre o protagonista e seu duplo — ou seria a sua consciência? Ou uma representação dos códigos de conduta da sociedade? Ou ainda um delírio?
Aí está, para mim, outra virtude das adaptações de Poe por Breccia. Além de serem um desbunde (mesmo que um desbunde perturbador) para os olhos, as histórias suscitam mais reflexões, instigam mais o leitor. Oferecem um tenebroso espelho do quão egoístas, hedonistas e alienados podemos ser (como em A Máscara da Morte Rubra) ou do quanto podemos ser corrompidos por nossos impulsos (como em O Gato Preto). Mas a culpa e o castigo estão sempre à espreita, ressoando atrás da parede.