Nem só de filme bom é feita a vida de um crítico. Depois de listar os 33 melhores títulos de 2022 até agora, chegou a vez de apresentar os piores da temporada.
Por sorte, por experiência ou por recomendação, costumo me desviar de bombas. Mas há ocasiões em que elas são inevitáveis (um grande lançamento, por exemplo, ou o novo trabalho de um diretor renomado). Pode acontecer, também, de a curiosidade se revelar uma cilada — menos mal que desisti logo no começo de A Bolha (2022, na Netflix), que prometia ser uma comédia interessante (Judd Apatow, de O Virgem de 40 Anos, na direção e Pedro Pascal, Maria Bakalova e Karen Gillan, entre outros, no elenco), mas explodiu de tão ruim (tem 21% de aprovação no Rotten Tomatoes).
O ranking abaixo está apenas em ordem alfabética (eventuais títulos com números ficaram para o final). Mas dá para dizer que o maior desastre é justamente o último filme. Clique nos links se quiser saber mais. E assista por conta e risco.
Ambulância: Um Dia de Crime (2022)
O diretor Michael Bay adaptou para as ruas de Los Angeles um thriller dinamarquês. Jake Gyllenhaal interpreta Danny, dono de uma revenda de carros metido em negócios escusos. Ele tem um irmão adotivo, o veterano de guerra e pai de família Will, papel de Yahya Abdul-Mateen II. É o drama de Will que abre o filme: seu plano de saúde não cobre os gastos com uma cirurgia vital para sua esposa. Atrás de US$ 231 mil, ele procura o mano, que faz uma contraproposta: convoca Will para assaltar um banco de Los Angeles, de onde levariam US$ 32 milhões. Entrementes, conhecemos os demais personagens. Parceiro policial de Mark (Cedric Sanders), Zach (Jackson White) acabou de entrar na agência bancária porque quer convidar uma garota para sair. A paramédica Cam, vivida pela mexicana Eiza González, está com um motorista novo na ambulância. Os caminhos de todos vão se cruzar durante o assalto e passarão a ser acompanhados por policiais como o capitão Monroe (o carismático Garret Dillahunt).
A sinopse permite inferir: Ambulância é um filme em que dilemas morais e imprevistos vão provocar um estado de tensão permanente e desenfrear as cenas de ação. No papel, parece bacana, mas este é um filme de Michael Bay, um diretor afeito ao barulho, ao exagero, à extravagância. Intercalados pelo som dos tiroteios, das colisões automobilísticas e dos rasantes de helicópteros, os diálogos são costumeiramente gritados e extremamente expositivos (isso quando não são ridículos, como quando Danny, vivendo um dia de cão, reclama por seu suéter de cashmere ter sido atingido pelos jatos de um extintor de incêndio). Os novos perigos desafiam a lógica narrativa (e até a da vida real: a gasolina nunca acaba?). A câmera está sempre tremendo, e os cortes na edição são rapidíssimos — em vez de causar nervosismo, pode é causar enjoo. Drones e o recurso do slow-motion são empregados até nas cenas mais banais. É uma overdose de adrenalina. (NOW e para alugar em Amazon Prime Video)
Assassino Sem Rastro (2022)
Em uma ironia com o título original — Memory (memória, em inglês), por conta de o personagem principal estar lidando com sinais de Alzheimer — e com o nome dado no Brasil, Assassino Sem Rastro é um filme esquecível, desses que não deixam vestígios. Baseada em um suspense belga, a trama foi batida em um liquidificador, misturando todos os clichês possíveis. Além do matador bonzinho encarnado por Liam Neeson, temos o detetive que cometeu uma rateada (papel do australiano Guy Pearce), a policial engraçadinha (a britânica de ascendência indiana Taj Atwal), o tira esquentado (o mexicano Harold Torres), a empresária poderosa que comanda uma organização criminosa (a italiana Monica Bellucci) e até a garota de programa de hotel (a inglesa Stella Stocker). Temos também a "última missão" que se torna uma tremenda enrascada — seja por coração mole, seja por um código de ética, seja por uma pisada na bola —, o protagonista que se sente traído pela própria mente e uma trama que envolve tráfico e exploração sexual de crianças e uma vingança. E por mais que seja sempre gostoso ouvi-las na voz de Neeson, as frases de efeito soam regurgitadas: "Se eu estou aqui, a coisa já foi muito longe", "Quanto menos você souber, melhor", "Eu quero acreditar que você é o homem bom. Eu sou o homem mau".
Se pelo menos Assassino Sem Rastro tivesse cenas de ação tensas ou eletrizantes, daria para relevar um pouco a mesmice da história. Mas até nisso a direção foi ora sem inspiração, ora preguiçosa. Caras como Liam Neeson não se aposentam, mas podiam arranjar empregos melhores. (Foi exibido nos cinemas e ainda não tem previsão de estreia no streaming)
A Filha do Rei (2022)
Na tentativa de alcançar a imortalidade, o rei Luis XIV (1638-1715), interpretado por Pierce Brosnan, captura uma sereia (Fan Bingbing) e rouba sua força vital, mas uma descoberta feita por sua filha ilegítima (Kaya Scodelario) ameaça os planos do monarca francês. Por uma triste ironia, foi o último filme do oscarizado ator William Hurt, morto em março, aos 71 anos. Mas não era para ter sido.
Versão de um livro de fantasia originalmente chamado de The Moon and the Sun (1997), escrito por Vonda N. McIntyre, A Filha do Rei foi filmado pelo diretor Sean McNamara em 2014 e tinha lançamento previsto para abril de 2015. Problemas nos efeitos visuais demandaram mais tempo de pós-produção. O adiamento na estreia acabou se transformando em mais de cinco anos no limbo. De lá, não deveria ter saído. (Telecine e, para alugar, em Amazon Prime Video e Apple TV)
A Hora do Desespero (2021)
Os ataques com armas de fogo a escolas são tão frequentes nos Estados Unidos que já nem dá para chamar de coincidência o fato de A Hora do Desespero ter estreado nos cinemas brasileiros duas semanas após o massacre em Uvalde, no Texas. Pena que se trata de um filme muito fraco sobre um assunto muito forte. No jornal The New York Times, a despeito da gravidade do tema, o crítico Wesley Morris até se permitiu um chiste: "A única coisa que eu quero menos do que um thriller sobre um tiroteio na escola é um thriller cujo outro personagem principal é o iPhone do personagem principal".
É que em praticamente todos os 84 minutos de duração do filme dirigido pelo veterano Phillip Noyce a única pessoa em cena é a atriz Naomi Watts. Ela interpreta Amy Carr, viúva que mora em uma cidadezinha com seu filho adolescente, Noah (Colton Gobbo), e sua filha pequena, Emily. Quando sai para sua corrida matinal em meio à floresta da região, ela começa a ficar apreensiva com a movimentação de carros da polícia e com as ligações para seu celular: há um atirador no colégio onde Noah estuda. Aos poucos, a obviedade da trama e a comicidade involuntária darão lugar a uma reviravolta covarde e a pelo menos um momento extremamente inverossímil. (Foi exibido nos cinemas e ainda não tem previsão de estreia no streaming)
Jurassic World: Domínio (2022)
Dirigido por Colin Trevorrow, Jurassic World: Domínio começa de onde Reino Ameaçado (2018) terminou: os dinossauros estão espalhados por terra, água e ar, dividindo todo o ecossistema com a humanidade e os outros animais. O filme navega na mesma onda de nostalgia que trouxe Ghostbusters: Mais Além (2021) e Top Gun: Maverick (2022), fazendo uma ponte entre o presente e o passado ao introduzir na nova trilogia os personagens de Neill (Alan Grant), Dern (Ellie Sattler) e Goldblum (Ian Malcolm). O estopim para reunir os três ao trio formado por Bryce Dallas Howard, Chris Pratt e Isabella Sermon (a menina Maisie, adotada pelo casal) são as ações de um empresário à la Elon Musk, Lewis Dodgson (encarnado por Campbell Scott). À frente da BioSyn Genetics, ele montou um santuário para dinossauros nas Dolomitas, nos Alpes Italianos, onde também pode estar engendrando uma praga de super gafanhotos para ter o monopólio da alimentação no planeta.
O "pode estar" é retórico: desde a primeira aparição sabemos que Dodgson é o vilão. Não há mistério em Domínio — embora haja uma revelação surpreendente que envolve clonagem humana e modificações no DNA. Os diálogos são extremamente expositivos, e a música, intrusiva. Salvam-se as cenas de ação com dinossauros que nunca pareceram tão reais — talvez porque nunca tenhamos visto um de verdade para poder comparar... Mas mesmo essas cenas apontam para um problema. Por um lado, os dinos são coadjuvantes de luxo ao longo dos 146 minutos de projeção. Dá vontade de ter à disposição uma tecla de fast-forward, para pular as partes com atores. Por outro lado, avançar até as cenas de ação seria compactuar com uma postura contraditória e sádica. Este é um filme que discursa sobre a coexistência, mas que vê os dinos quase sempre como ameaças mortíferas e vociferantes, e o tempo todo pela perspectiva humana. Predadores como o giganotossauro, que tinham quatro metros de altura e viviam na Argentina durante o período Cretáceo, e o fictício Indominus Rex só existem para nossa perversa diversão, ora devorando bandidos, ora brigando um contra o outro. (Em cartaz nos cinemas)
A Médium (2021)
Muita gente gostou do novo filme de terror do tailandês Banjong Pisanthanakun, coautor do cultuado Espíritos: A Morte Está a seu Lado (2004), mas, no meu caso, o que A Médium invocou foi sono. Na trama, uma anônima e invisível equipe de filmagem está na região de Isan, na Tailândia, para conhecer a trajetória e acompanhar a rotina da xamã Nim (interpretada por Sawanee Utoomma), que faz a ponte entre as pessoas da comunidade e o deuses em que acreditam. Porém tanto os entrevistadores quanto a entrevistada acabam tendo sua atenção desviada para o estranho comportamento da jovem sobrinha de Nim, Mink (Narilya Gulmongkolpech).
Como os fãs de terror podem supor, o novo trabalho de Pisanthanakun enquadra-se em um já velho formato: o do found footage. Apesar da competência do diretor de fotografia Naruphol Chokanapitak em forjar a surpresa do operador de câmera e de criar cenas poéticas, o filme não traz inovações técnicas ou estéticas. E ainda reprisa um notório calcanhar de aquiles do subgênero: exige enorme suspensão da descrença nas ocasiões em que os documentaristas poderiam estar fugindo ou intervindo. Mas há um ponto em que A Médium se distingue — para pior. Em geral, os filmes found footage apostam em uma duração muito curta. Seus diretores entendem que, quanto menor o tempo, maior a chance de manter a audiência tensa, seja pela expectativa de que algo ruim vai acontecer, seja pela sucessão de sustos e maldades que não permite respiro. O cineasta tailandês estendeu demais seu falso documentário: são duas horas e 10 minutos. Passa bastante tempo até que, de fato, alguma coisa ruim aconteça. E, depois disso, o ritmo não chega a se acelerar. A história vai se arrastando até um desfecho deveras previsível, com raros momentos capazes de despertar medo ou fascínio. (Foi exibido nos cinemas e ainda não tem previsão de estreia no streaming)
Morbius (2022)
Não havia expectativas em relação ao filme dirigido por Daniel Espinosa e protagonizado por Jared Leto, logo não há altura para se medir o tamanho do tombo. Aliás, quase ninguém esperava por uma aventura com o personagem criado em 1971 para uma história em quadrinhos do Homem-Aranha escrita por Roy Thomas e desenhada por Gil Kane. Ainda assim, a estreia de Morbius, inicialmente prevista para 10 de julho de 2020, sofreu sete adiamentos. Não há de ter sido apenas para contornar a pandemia de covid-19 e pegar carona no enorme sucesso de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021). Operações de salvamento devem ter sido realizadas na pós-produção. Mas Morbius continuou sendo um supervampiro que suga nossa boa vontade.
Morbius alinha-se à estranha onda em que um personagem malvado ganha protagonismo, em que um vilão pode ser encarado como anti-herói, em que o revisionismo histórico é aplicado à ficção. O filme segue a cartilha do primeiro Venom (2018). Temos um protagonista que, ao ser infectado por algo grotesco, terá de aprender a lidar com seus impulsos. Do outro lado, o antagonista encara essas habilidades não como maldição, mas como evolução. Será um duelo entre o herói relutante e o vilão canastrão. (HBO Max e NOW)
Spiderhead (2022)
Joseph Kosinski é o mesmo diretor de Top Gun: Maverick, o campeão de bilheteria em 2022 e um sucesso de crítica também. Chris Hemsworth é o Deus do Trovão (encarna o Thor no Universo Cinematográfico Marvel) e um deus do carisma. Miles Teller é um dos principais nomes da minissérie — The Offer (2022) — que reconstitui os bastidores de O Poderoso Chefão, 50 anos completados em março. E Jurnee Smollett concorreu ao Emmy e ao SAG Awards de melhor atriz pela série Lovecraft Country (2020).
Sabe o que deu quando os quatro se juntaram? Um filme que se destaca mais pela trilha sonora setentista e oitentista — The Logical Song (Supertramp), What a Fool Believes (Doobie Brothers), More Than This (Roxy Music), She Blinded me with Science (Thomas Dolby), You Make My Dreams (Come True) (Daryl Hall & John Oates)... — do que pela trama, ou pela direção, ou pelas atuações. Baseado em um conto escrito por George Saunders na revista The New Yorker, Spiderhead virou um sub-Black Mirror, sem coragem para seguir o mesmo rumo da história original. No filme, Tellers e Smollett interpretam Jeff e Rachel, dois jovens condenados que aceitaram participar de um experimento comandado pelo personagem de Hemsworth, Abnesti, um cientista nitidamente divorciado da ética: seu projeto prevê a alteração das emoções das cobaias humanas. Mas talvez o furo seja mais embaixo ainda. (Netflix)
Vai Dar Nada (2022)
Esta comédia foi filmada em Porto Alegre e dirigida por dois porto-alegrenses (Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo), mas se passa em uma cidade sem nome, reconhecível — pela cor dos táxis, pela vista da orla do Guaíba, por avenidas e ruas do Centro e por locações como o Bar Ocidente — talvez apenas por moradores da Capital. Também não é uma Porto Alegre falada: os principais personagens são interpretados pelos fluminenses Cauê Campos (que fez o Capim em sete temporadas do infantil D.P.A., os Detetives do Prédio Azul), Rafael Infante (do humorístico Porta dos Fundos), Kizi Vaz (da novela Rock Story e da série Ilha de Ferro), Fernanda Teixeira (egressa do teatro e estreante em filmes), pela paranaense Katiuscia Canoro (a Lady Kate e a Kate Lucia de Zorra Total) e pela baiana Jéssica Barbosa (revelada em Besouro, de 2009). Todos mantêm os seus sotaques, que se misturam aos de coadjuvantes porto-alegrenses de nascimento (Nicolas Vargas e Nelson Diniz) ou por adoção (o cearense Heinz Limaverde).
A Porto Alegre que não se assume Porto Alegre soma-se a uma estética edulcorada, um elenco inchado, à valorização do texto e da palavra em detrimento do desenvolvimento e da coerência dos personagens e à abordagem superficial da contravenção como estratégia de sobrevivência. Juntos, esses elementos fazem de Vai Dar em Nada um filme artificial, inodoro, excessivo, genérico e inofensivo. Vale como comédia ligeira, embora nem seja tão ligeira — seus 100 minutos parecem durar mais por causa da quantidade de subtramas. (Paramount+)
365 Dias: Hoje (2022)
365 Dias: Hoje começa no dia do casamento, na Sicília, do mafioso italiano Massimo (Michele Morrone) com a polonesa Laura (Anna Maria Sieklucka), a quem ele sequestrara no primeiro filme. Na comparação com o início da trilogia baseada nos livros da escritora Blanka Lipinska, há diferenças importantes. Os diretores Barbara Bialowa e Tomasz Mandes tomaram distância dos aspectos mais controversos (cárcere privado, ameaça de estupro e quase todo tipo de situação que caracteriza um relacionamento tóxico) e despiram-se dos pudores artísticos — não demonstram qualquer preocupação com a trama ou com a direção de elenco. Desde a cena inicial, empilham cenas de sexo. Um conflito dramático vai aparecer apenas lá pela metade dos 111 minutos de duração: Laura está entediada por não fazer nada (a não ser transar e curtir a vida com a amiga Olga), vê como controle o que o marido chama de proteção. Daí, convenientemente, surge, na mansão do casal, Nacho (Simone Susinna), um jardineiro todo malhado e tatuado. Pouco depois, Massimo revela à esposa a existência de um irmão gêmeo. Aí, sim, a história anda um pouquinho para frente.
Para frente e para trás, para frente e para trás, pela frente e por trás. Com dildos, vibradores, algemas, champagne, chantilly e outros quitutes. 365 Dias: Hoje é uma espécie de pornô de luxo — percebe-se um capricho na fotografia, nos figurinos e na direção de arte — embalado por uma trilha sonora quase sempre brega e genérica. Os diálogos, ora em polonês, ora em italiano, ora em inglês pesadão, variam de "Você tem uma hora. Depois, eu vou fazer contigo tudo o que eu quiser" a "Será que já experimentamos de tudo?". Aliás, nas transas em que abundam nádegas, seios, gemidos e carões, troca-se bastante de posição — há até uma que pode ser considerada acrobática. Só não é um filme de sexo explícito porque, segundo assegurou o ator Michele Morrone à época de 365 Dias, tudo é simulado. E muito bem escondido — merecem aplauso o talento e o trabalho do operador de câmera, das figurinistas e do editor, que souberam evitar ou tapar o aparecimento de genitais. (Netflix)