Emergência (Emergency, 2022) é um ótimo filme candidato a passar despercebido.
Foi lançado no final de maio por uma plataforma de streaming, Amazon Prime Video, que, descontando a série The Boys, não costuma ser tão badalada.
Seu diretor, o estadunidense Carey Williams, só tinha feito um longa-metragem antes, o inédito no Brasil R#J (2021), uma releitura de Romeu e Julieta, peça escrita por William Shakespeare no final do século 16, para os tempos de redes sociais.
A roteirista, K.D. Dávila, está estreando em longas — espichando para 105 minutos o curta homônimo de 12 que ela escreveu e que Williams dirigiu em 2018.
O elenco reúne nomes não muito conhecidos no Brasil: RJ Cyler, que atuou no faroeste Vingança & Castigo (2021), Donald Elise Watkins, visto em dois episódios da minissérie The Underground Railroad (2021), Sebastian Chacon, do seriado Penny Dreadful: City of Angels (2020), e a cantora Sabrina Carpenter.
A sinopse também não ajuda muito: "Prontos para uma noite de festas lendárias, três estudantes universitários terão de pesar os prós e os contras de chamar a polícia quando deparam com uma situação inesperada".
Parece que vamos assistir a mais uma comédia juvenil com elementos de suspense. O primeiro diálogo reforça a impressão. No campus da Universidade Buchanan, o baladeiro Sean (RJ Cyler) atiça o certinho Kunle (Donald Elise Watkins) a respeito de uma garota:
— Ela gosta de você, idiota. Ela está louca por seu pauzão. Ou seu pauzinho.
Mas não demora para que a gente perceba que este é um filme diferenciado. Aliás, o fato de que esses dois personagens, Sean e Kunle, são negros já deveria acender um sinal de alerta. Que é intensificado logo na cena seguinte, quando percebemos que eles são alunos raríssimos em uma instituição majoritariamente branca (situação trabalhada sob a chave do terror em outro título marcante do Amazon Prime Video em 2022, Fantasmas do Passado).
O racismo — tanto o cotidiano quanto o estrutural — é o tema de Carey Williams, que é negro, e de K.D. Dávila, que tem ascendência mexicana. A "situação inesperada" com a qual prcisam lidar Sean, Kunle e o amigo com quem dividem a casa, o latino Carlos (Sebastian Chacon), é um pesadelo para pessoas de grupos marginalizados, seja nos Estados Unidos ou mesmo no Brasil: há uma garota branca inconsciente no meio da sala.
Claro que o trio pensa em ligar para o 911, o número de emergência nos Estados Unidos. Mas há muitos "e se" periclitantes que uma pessoa branca não teria de considerar. A partir daí, Sean, Kunle e Carlos — personagens cativantes tanto pelo roteiro quanto pelas interpretações — embarcam em uma comédia de erros tensa e ácida na crítica social. É como se fosse uma versão de Depois de Horas (1985), de Martin Scorsese, dirigida por Jordan Peele, de Corra! (2017), mas sem pender para o terror. Nessa jornada noturna, Emergência trafega entre o cômico e o desconfortável, entre o irônico e o amargo, até o epílogo em que fecha a porta para a demagogia, mas mantém os ouvidos atentos para uma política cruel e recorrente.