O diretor é iraniano — Asghar Farhadi — e a história se passa no Irã, mas Um Herói (Ghahreman, 2021) foi exibido no Festival Varilux de Cinema Francês, entre junho e julho, porque a produtora e distribuidora, a Memento Films, é da França. Nesta quinta-feira (28), entra em cartaz oficialmente nos cinemas.
Farhadi, 50 anos, é um dos mais premiados cineastas do prestigiadíssimo cinema iraniano. Já conquistou duas vezes o Oscar de filme internacional no currículo, com A Separação (2011), também vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, e O Apartamento (2016), também ganhador do troféu de roteiro no Festival de Cannes. Em Berlim, recebeu ainda o Urso de Prata de melhor direção por Procurando Elly (2009). Em Cannes, foi laureado ainda por O Passado (2013, prêmio do júri ecumênico).
Um Herói também saiu premiado de Cannes, com o Grand Prix. Na trama, Rahim (Amir Jadidi) está na prisão devido a uma dívida que não conseguiu pagar. Durante uma licença de dois dias, ele arma um plano com sua namorada (Sahar Goldust), que achou na rua uma sacola com ouro, e tenta convencer o seu credor a retirar a sua queixa mediante o pagamento de parte da quantia. Mas as coisas não correm de acordo com o plano…
O novo longa-metragem — o nono em sua carreira — marca o retorno do diretor ao Irã, após filmar Todos Já Sabem (2018) na Espanha. Mas ele preferiu evitar Teerã, a capital, como cenário. Resolveu situar a trama em Shiraz, no sudoeste do país. Primeiro porque, nas suas palavras, é um lugar onde "há muitas ruínas históricas, traços importantes e gloriosos da identidade iraniana". Segundo por causa do enredo, que envolve diferentes membros de uma família: "As relações familiares são mais desenvolvidas nas cidades pequenas. Quando um dos membros enfrenta um problema, todo mundo se envolve. Eu cresci nesse tipo de ambiente sociocultural. Vinte anos atrás, a frase 'Não é problema meu' não existia na língua iraniana. Esse comportamento foi importado e materializa um novo modelo de relacionamento na nossa sociedade".
Desde o início da carreira, o diretor demonstra habilidade em lançar mão dos códigos do suspense (como as reviravoltas) e do drama de tribunal para refletir sobre a sociedade contemporânea em seu país e retratar conflitos familiares. Em Um Herói, Farhadi apresenta uma história kafkiana, um pesadelo sobre julgamento (penal e social) no qual se destacam o absurdo e a burocracia, mas com um protagonista ambíguo. Aliás, seus personagens não são mocinhos nem vilões, mas pessoas que, diante das circunstâncias, do azar, da pressão ou das oportunidades, podem conquistar ou falhar.
Nós, como espectadores, somos instigados a nos posicionar em situações complexas nas quais os atos podem não ser justificados, mas quem sabe compreendidos, e nas quais todos os envolvidos têm um pouco de razão — logo, injustiças são frequentes, ainda mais em um mundo ultramidiático e apressado como o atual. O irônico é que o próprio Asghar Farhadi viu-se no meio de um furacão por causa de Um Herói. Uma ex-aluna sua, Azadeh Masihzadeh, acusou o diretor de plagiar um documentário que ela produzira, chamado, em inglês, de All Winners, All Losers.