Ganhador de dois Oscar de melhor filme estrangeiro, com A Separação (2011) e O Apartamento (2016), o diretor iraniano Asghar Farhadi alcançou a consagração internacional além dos nichos dos grandes festivais de cinema – nos quais ostenta triunfos de alta relevância em Cannes e Berlim. Com seu longa-metragem mais recente, Todos Já Sabem, Farhadi buscou na calorosa Espanha o cenário para uma trama de suspense que tem à frente um time dos sonhos do cinema hispânico: o casal espanhol Penélope Cruz e Javier Bardem e o galã argentino Ricardo Darín.
A tão aguardada reunião de nomes e trajetórias tão distintas, porém, encontrou recepção morna no Festival de Cannes de 2018. A razão, pode-se ver agora nos cinemas. Trata-se de clássico suspense na linha “quem fez?”. Penélope vive Laura, espanhola que vive na Argentina e retorna com os dois filhos à pequena aldeia onde nasceu (a locação é em Torrelaguna, comunidade próxima de Madri) para o casamento da irmã. O clima festivo, porém, é subitamente interrompido por um sequestro.
Em meio ao impasse de uma investigação que tateia sobre vagos elementos motivacionais do crime e um leque de suspeitos, são tirados do armário esqueletos e ressentimentos passados não cicatrizados que enredam parentes e agregados. Uma das peças nessa ciranda é Paco (Bardem), ex-namorado de Laura na juventude. Outro é Alejandro (Darín), marido dela, que desembarca na Espanha trazendo seu fracasso existencial e sua exacerbada fé religiosa.
Mesmo deslocado de cenários e agora também de temas recorrentes em sua filmografia – O Passado (2013) tem locação na França, mas os conflitos sociais, culturais e religiosos que costuma abordar em seu teocrático país se faz presente na ligação da mulher francesa com o marido iraniano –, e tendo a passionalidade latina como motor dramático, Farhadi movimenta suas peças no tabuleiro com a habilidade reconhecida. Muito graças ao bom time de atores empenhados em dar viço a personagens opacos.
Há uma proximidade climática de Todos Já Sabem com Procurando Elly (2009), suspense que projetou Farhadi com o prêmio de direção no Festival de Berlim. Nesse excepcional filme, um grupo de amigos reunidos numa casa às margens do mar Cáspio é tragado pelos desdobramentos do súbito desaparecimento de uma jovem.
Na Espanha, sem o contraponto que costuma fazer entre a cultura islâmica regida pelo viés mais cosmopolita e democrático e a vertente seguidora do rigoroso apego às tradições, com o papel da mulher nessa sociedade patriarcal sempre em destaque, Farhadi investe nos conflitos éticos e morais que passam a dissolver aquele arranjo familiar em meio à investigação policial.
Mas se em Procurando Elly o diretor foi engenhoso no equilíbrio de suspense, drama e ritmo, tecendo uma trama de interesse e compreensão universais sem abrir mão do tempero doméstico, o roteiro de Todos Já Sabem perde fôlego até o anticlimático desfecho. A ciranda de atritos dramáticos não alcança a densidade sugerida ao espectador, por serem corriqueiros, banais, mesmo naquele no grave contexto.
Quem se acostumou a ver Darín sempre em primeiro plano pode estranhar o astro portenho sem muito a fazer e dizer como escada para Penélope e Bardem. Todos Já Sabem lança em seus primeiros movimentos uma alta expectativa de envolvimento do espectador. Mas, depois da partida vigorosa e promissora, a trama esfria sobremaneira, de forma que nem o mais caloroso melodrama hispânico consegue reaquecer.