
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou, nesta semana, a íntegra da decisão da Segunda Turma que rejeitou todas as possibilidades de recurso do prefeito de Canoas, Airton Souza, na Corte. Com os recursos esgotados no STJ, o processo já foi remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF) — última instância em que o político busca reverter a condenação por improbidade administrativa.
Souza foi condenado em duas instâncias por causar prejuízos superiores a R$ 600 mil aos cofres públicos em uma licitação entre 2007 e 2008. Diretor de uma subsidiária da Corsan na época, ele teria atuado para beneficiar uma empresa. Em 2024, o político foi eleito prefeito de Canoas pelo PL.
No texto do acórdão (decisão colegiada), os ministros do STJ afirmam que a série de recursos apresentados por Souza ao longo de mais de quatro anos teve intuito protelatório. Conforme os integrantes da Segunda Turma, os pedidos do prefeito tinham como finalidade fazer o processo prescrever — ou seja, livrar o político da condenação pelo caso não ser julgado no tempo máximo previsto em lei.
"A parte embargante vem apresentando uma sucessão de recursos dirigidos a esta Corte Superior não tendo obtido êxito em nenhum deles. Tudo evidenciando o nítido caráter protelatório e a intenção de protelar o trânsito em julgado e atingir a prescrição", afirma o relator do caso, ministro Teodoro Silva Santos, acompanhado por unanimidade pelos demais.
Os ministros do STJ também reforçam que as sentenças já existentes contra Airton Souza apontam que ele cometeu, de forma dolosa (com intenção), o ato ilegal de improbidade administrativa. A classificação é importante porque a defesa de Souza alegava junto à Corte que o político havia praticado a improbidade de forma culposa (sem intenção).
"Constata-se que o tribunal de segundo grau (Tribunal de Justiça do RS), assim como o julgador de piso (juíza de primeiro grau), entendeu pela presença (...) do dolo específico e a ocorrência de dano efetivo ao erário", diz o acórdão da segunda turma do STJ.
Fim do julgamento no STJ evita prescrição
A condenação de Souza por improbidade administrativa, em primeira instância, ocorreu em 2018. No mesmo ano, o político recorreu ao Tribunal de Justiça, que manteve a condenação por improbidade.
A partir de 2019, começaram as tentativas de Souza de levar o caso para as cortes superiores. Ele recorreu ao Tribunal de Justiça pedindo que o caso fosse remetido ao STJ. O Tribunal de Justiça não admitiu o chamado "recurso especial".
Airton Souza recorreu, então, ao STJ, tentando fazer o recurso tramitar. O colegiado, contudo, em sequenciais decisões proferidas entre 2020 e 2025, não admitiu a rediscussão do caso. O acórdão publicado nesta semana esgotou o tema na Corte.
Na decisão desta semana, os ministros que julgaram o processo lembraram que, somente no STJ, foram quatro recursos tentando fazer com que o Tribunal aceitasse o caso:
- Agravo em recurso especial;
- Agravo interno no agravo em recurso especial;
- Primeiros embargos de declaração;
- Segundos embargos de declaração.
O STJ tinha, como prazo limite, o fim deste ano para julgar todos os recursos possíveis de Souza e evitar a prescrição na Corte. Com a remessa do processo para o STF, zera-se a contagem para eventual caducidade do caso.
Da mesma forma que ocorreu no STJ, o Supremo pode admitir ou não a tramitação dos recursos.

Futuro no cargo é incerto
A defesa de Airton Souza espera reverter, no STF, a condenação do prefeito. A Suprema Corte tem quatro anos para analisar o tema e evitar a prescrição.
Em o STF mantendo a condenação de Airton Souza, o caso terá transitado em julgado e a sentença deverá ser executada. Além do ressarcimento dos danos provocados aos cofres públicos, a sentença prevê a perda da função pública.
O tema, contudo, é alvo de controvérsia jurídica, por dois motivos. O primeiro é que Souza não ocupa mais o mesmo cargo público de quando cometeu o ilícito. O segundo ponto é que parte da nova lei de improbidade, de 2021, ainda é analisada pelo STF.
Segundo Rafael Maffini, advogado e professor de Direito Administrativo da UFRGS, ainda que a condenação de Airton Souza transite em julgado, os efeitos da condenação ainda são incertos.
— É um debate em aberto. A jurisprudência do STJ, no passado, antes da lei nova, dizia que o agente perdia o cargo que estava ocupando, ainda que não fosse necessariamente o mesmo cargo de quando praticou o ato de improbidade. Veio a lei nova e disse que o agente vai perder o cargo da época em que praticou o ato de improbidade, salvo se houver uma situação de gravidade e o juízo fixe que ele deva perder outro cargo — explica Maffini.
O especialista ressalta que "essa regra está suspensa em uma cautelar deferida pelo ministro Alexandre de Moraes". Dessa forma, o STF ainda não tomou uma decisão definitiva sobre a lei em questão.

Defesa critica STJ e promete recorrer
A defesa do prefeito defende a inocência do cliente e critica a decisão final do STJ. Para o advogado de Airton Souza, a Corte deveria ter reconhecido que a mudança da lei de improbidade administrativa, em 2021, já favorece o político.
— Ele foi condenado em primeira e segunda instância porque não aceitaram os nossos argumentos sobre a mudança no edital. Quando o processo vai para o terceiro grau de jurisdição (STJ), a lei muda. Ele foi condenado em primeira e segunda instância por uma lei que não existe mais. Essa nova lei excluiu a improbidade administrativa culposa e a improbidade administrativa genérica. Estamos aqui em um caso que é exatamente esse — afirma o advogado Thiago Rafael Vieira.
Ainda na perspectiva do advogado, mesmo que haja derrota no STF, Airton Souza seguirá no cargo até o fim do mandato, em 2028. O defensor, contudo, admite que a questão suscita divergências jurídicas.
— Quando ele se candidatou, quando ele foi diplomado, quando ele foi empossado, ele preenchia as condições de elegibilidade. Ou seja, tinha direitos políticos. Este mandato não tem como ele perder, mesmo que transite em julgado. O que acontece (se o STF não aceitar os recursos e transitar em julgado)? Ele não vai mais poder ter função pública e não vai mais poder ser candidato por cinco anos — diz Vieira.
Relembre o caso que gerou a condenação
Airton Souza foi condenado em primeira e segunda instâncias por improbidade administrativa por decisões tomadas em no cargo de diretor-presidente da Companhia de Indústrias Eletroquímicas (CIEL), empresa que, à época, era subsidiária da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan).
2007 e 2008: licitações
Na época, a companhia lançou uma licitação para a compra de 2 mil toneladas de hidróxido de alumínio, matéria-prima de um composto utilizado no tratamento de água.
À época, a diretoria da CIEL, que tinha a participação de Souza, revogou a licitação alegando razões de interesse público. Um novo edital foi aberto meses depois, com valores mais altos do que o previsto na primeira disputa.
A postura gerou um prejuízo aos cofres da companhia pública, conforme a denúncia.
2012: ação civil pública
Quatro anos depois, o Ministério Público ingressou com uma ação civil pública contra Souza e outros réus, apontando que o episódio buscou favorecer uma das empresas que concorreu na disputa.
2014 a 2018: análise do caso e condenação
A ação foi admitida somente em 2014. Quatro anos depois, em 2018, a juíza Gisele Bergozza Santa Catarina condenou Airton Souza por improbidade administrativa dolosa.
"Nesse cenário, exsurge inequívoca a ação dolosa perpetrada pelo corréu Airton, causadora de danos patrimoniais ao erário e capaz de configurar ato de improbidade administrativa, na forma do art. 10 da LIA. Considerada, pois, a extensão do dano (na monta de R$ 646.000,00), a gravidade do fato e o princípio da proporcionalidade, condeno-o", diz trecho da decisão.
Em outra parte da sentença, a juíza acrescenta:
"Nesse cenário, não demonstrado qualquer motivo legítimo capaz de justificar, ao menos minimamente, a revogação do procedimento licitatório, só é possível concluir que a revogação teve o intuito de beneficiar a empresa que, no primeiro certame, restou inabilitada."
2018 a 2025: condenação mantida e recursos negados
No mesmo ano, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho analisou o caso e manteve a condenação.
"Emerge, como antecipado, do conjunto probatório elementos suficientes a apontar a prática ilegal perpetrada pelos apelantes, restando manifestamente evidenciada a conduta ímproba", diz trecho do voto do relator do caso, desembargador Ricardo Torres Hermann.
Após a derrota em segunda instância, Airton Souza tentou recorrer ao STJ. A pretensão, contudo, foi barrada primeiro no Tribunal de Justiça gaúcho e, depois, nos quatro recursos rejeitados pelo próprio STJ.