Na esteira da monumental série documental do Disney+ Get Back (2021), em que o cineasta Peter Jackson revela bastidores dos Beatles à época do disco e do filme Let It Be (1969-1970), segui a dica de um amigo e assisti a O Massacre da Miami Showband (2019), documentário disponível na Netflix.
Com direção de Stuart Sender, trata-se de um dos episódios da série documental ReMastered, criada pelos irmãos Jeff e Michael Zimbalist. Como produtores, diretores ou roteiristas, eles estão por trás de títulos como Favela Rising (2005), sobre a trajetória do AfroReggae, no Rio, e Os Dois Escobares (2010), que compara as vidas do chefão do tráfico Pablo Escobar e do jogador de futebol Andrés Escobar, ambos colombianos. Entre os docs de ReMastered, estão Who Shot the Sheriff? (sobre uma tentativa de assassinar Bob Marley), Nixon e o Homem de Preto (o apelido de Johnny Cash), Massacre no Estádio: A História de Víctor Jara (músico chileno preso, torturado e morto pela ditadura do general Augusto Pinochet) e As Duas Mortes de Sam Cooke (ícone do soul e dos direitos dos negros nos EUA).
A Miami Showband foi um grupo de rock da cidade de Dublin formado em 1962, no mesmo ano em que Ringo Starr se juntou a Paul McCartney, John Lennon e George Harrison. Teve várias formações e, nos primeiros anos de atividade, alcançou o topo das paradas ao regravar canções famosas na voz de Elvis Presley, como There's Always Me e I'm Yours. Por conta de seu sucesso, os músicos chegaram a ser considerados "os Beatles irlandeses".
Uma prova da popularidade é o fato de que a Miami Showband fazia shows tanto para plateias católicas, na Irlanda, quanto para fãs protestantes, na Irlanda do Norte. O contexto histórico é o mesmo do filme Belfast (2021), dirigido por Kenneth Branagh, indicado a seis Globos de Ouro e muito bem cotado para o Oscar: estamos na escalada dos conflitos que duraram três décadas — do final dos anos 1960 até 1998 — e que vieram a ser conhecidos como The Troubles (O Problema, na tradução para o português).
A Irlanda do Norte era o palco de atos de violência. Em maioria, a população protestante queria preservar a união com a Grã-Bretanha — daí seus manifestantes serem chamados de unionistas. Em minoria, os católicos defendiam a independência ou a integração com a Irlanda.
Embora tivesse fãs dos dois lados, a Miami Showband acabou vítima do fogo cruzado. Como o título do documentário sinaliza, a banda foi massacrada em um atentado terrorista cercado de mistérios, desmentidos e omissões: em 31 de julho de 1975, morreram três de seus integrantes — o vocalista Fran O'Toole, o trompetista Brian McCoy e o guitarrista Tony Geraghty —, e o baixista Stephen Travers ficou gravemente ferido por uma bala do tipo dum-dum.
Travers, que completa 71 anos em 12 de janeiro, é o fio condutor de O Massacre da Miami Showband. Enquanto acompanhamos ações e reações na história do Problema, Travers relata sua luta para superar o trauma, para descobrir a verdade sobre o atentado e, quem sabe, para encontrar algum tipo de justiça. Ao mesmo passo, ele reafirma sua crença no poder da arte:
— O som da música vai durar muito, muito mais do que o som de suas armas e bombas.