Disponível no Globoplay, Small Axe (2020) é uma antologia realizada pelo cineasta britânico Steve McQueen, ganhador do Oscar de melhor filme por 12 Anos de Escravidão (2013) e diretor dos intensos Fome (2008) e Shame (2011). Reúne cinco títulos, todos ambientados na Inglaterra, entre 1969 e 1983, e protagonizados por imigrantes negros ou descendentes daqueles que vieram de países caribenhos como Jamaica e Barbados para lidarem com situações de racismo e opressão. Mas no meio da desigualdade, da injustiça e da violência também há espaço para a comunhão, a beleza e a alegria.
É o que vemos em Lovers Rock, o segundo episódio — vale dizer que as histórias são independentes, mas, de certa forma, complementares. O primeiro, Os Nove de Mangrove, o único com duas horas de duração — os outros giram em torno de 60 ou 80 minutos —, reconstitui o caso de um restaurante localizado no bairro londrino de Notting Hill e comandando por um imigrante de Trinidad e Tobago, Frank Crichlow (interpretado por Shaun Parkes). Entre janeiro de 1969 e julho de 1970, o Mangrove foi alvo de 12 batidas policiais, que culminaram, em agosto, em uma marcha de protesto e na prisão de nove manifestantes.
Vermelho, Branco e Azul narra a trajetória de Leroy Logan, que, no início da década de 1980, resolveu ingressar na polícia para tentar mudar, por dentro, as atitudes racistas — fazendo eco ao provérbio que dá nome à antologia, "Se você é uma árvore grande, nós somos o machado pequeno", popularizado por Bob Marley em sua canção Small Axe, de 1973. A decisão de Leroy provoca um conflito familiar, pois seu pai, Ken, brutalmente agredido por policiais, agora vê o filho como um traidor. E entre seus colegas de farda, quase todos brancos, a vida tampouco será fácil.
Além das ótimas atuações de John Boyega (o Finn da saga Star Wars) como Leroy e de Steve Toussaint (que estará em House of the Dragon, série derivada de Game of Thrones) como Ken, Vermelho, Branco e Azul traz diálogos memoráveis. Como aquele em que o pai, cedendo um pouco, diz ao filho que "o mundo não para. É uma roda que avança lentamente".
— Às vezes — retruca um desencantado Leroy — acho que a terra tem de ser queimada. E replantada. Para alguma coisa boa nascer. Alguma coisa boa.
Protagonizado pelo estreante Sheyi Cole, Alex Wheatle conta a história de um premiado romancista que passou a infância em um orfanato predominantemente branco e que em 1981, aos 18 anos, foi preso após o levante de Brixton, em Londres. A partir do relacionamento que se estabelece, na cadeia, entre Alex e o rastafári Simeon (Robbie Gee), o diretor Steve McQueen enfatiza a importância da cultura e do estudo para o empoderamento negro. Educação é justamente o título do último filme, centrado na família de Kingsley, um menino de 12 anos que é forçado a trocar de colégio: vai para uma escola para alunos com necessidades especiais, palco de negligência pelo poder público e de uma terrível política de segregação que minava o futuro de crianças negras. Os personagens foram inventados, mas a trama é baseada em fatos.
A única narrativa mais ficcional de Small Axe é a de Lovers Rock, que acompanha um grupo de jovens desde os preparativos para uma festa caseira em um bairro de Londres até a manhã seguinte. Entre eles, estão Martha (Amarah-Jae St. Aubyn), criada em uma família religiosa, e Franklyn (Micheal Ward), empregado de uma mecânica.
Tensões raciais perpassam o baile, e conflitos internos também surgem na casa, onde a música — predominantemente o lovers rock, subgênero do reggae para dançar coladinho — tem papel fundamental. Sobretudo Silly Games, sucesso de 1979 na voz de Janet Kay, que ocupa 10 minutos da hora e pouco de duração.
Tocada no meio da noite pelo DJ, a canção é interrompida para ser continuada em uma arrepiante e contagiante versão à capella por todos os personagens. Torna-se um hino, "um ritual espontâneo de conexão e resistência em um mundo hostil", como definiu Dorian Lynskey no jornal Los Angeles Times. No meio da alegre muvuca, está o próprio compositor de Silly Games, Dennis Bovell, 68 anos, que confessou ter se emocionado com a espiritualidade da cena e se surpreendido com a transmutação dos versos românticos em versos de protesto:
— Eu disse: "Steve, como você viu isso? As autoridades jogando jogos tolos com as pessoas".